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Tormenta: afinal, como funciona a influência divina em Arton?

Para os novatos em Tormenta é um pouco difícil entender exatamente o que significa o Panteão. Especialmente quando algumas descrições jogadas em cima deles citam coisas como “representam aspectos fundamentais da realidade artoniana”, o que pode ser difícil de compreender quando você não fez um pós-doutorado em Filosofia da Teologia da Porra Toda e um cursinho de teoria de física quântica com o Erwin Schrödinger e o Werner Heisenberg durante uns 30 anos seguidos. A maioria os trata apenas como deuses greco-romanos, uns caras poderosos que ficam andando por aí tendo sexo com mortais, ficando nervosos por qualquer coisa e jogando maldições a torto e a direito. Talvez alguns dos deuses menores possam ser descritos assim, mas não é isso que os deuses do Panteão são.
Mas então o que eles são? Bom, sabem como a mitologia cristã fala de um Deus todo poderoso? O alfa e o ômega, o início e o fim de todas as coisas? Ok, imagina que esse Deus se dividiu em vinte e cada uma das partes governa um aspecto da realidade. Na verdade, “governa” não é exatamente o termo correto, pois dá a entender que é um indivíduo que age com um conceito em mente. Um deus maior é um aspecto da realidade em si. Ele não é um indivíduo que representa um conceito, ele é um conceito que tem consciência e personalidade e só parece um indivíduo. Por isto que, na Trilogia da Tormenta, é dito que um deus maior não pode mudar. Pois apenas indivíduos podem mudar, conceitos são imutáveis.
Isso fica claro quando analisamos duas divindades: Lin-Wu e Glórienn. Ambos tomaram um grande baque no cenário, mas apenas um deles caiu do Panteão. Por quê? Por que dos dois apenas Glórienn tentou mudar e, tentando ser outra coisa que não o conceito-divindade, se tornou um indivíduo e, portanto, uma deusa menor. Lin-Wu, por outro lado, teve a sua base de seguidores dizimada, quase extinta, mas continuou não apenas como deus maior, mas também com um status divino relativamente alto se você comparar com Glórienn. O deus da honra tinha SD 3 no antigo Panteão d20, contra SD 1 da deusa dos elfos. Por isto, é possível indagar se o status de divindade maior realmente vem de seus seguidores em Arton, como se acredita largamente entre a comunidade de fãs do cenário. Pode ser que o nível de poder da divindade realmente possa ser determinado dessa maneira, mas é possível defender que cair do Panteão só seria possível se a consciência divina se separasse do conceito-divindade ao se mudar. Se formos pensar bem, os únicos dois¹ casos de queda do Panteão aconteceram desta maneira. Além de Glórienn, que já discutimos, Tillian caiu quando foi enlouquecido por Nimb, e um louco incapaz de juntar duas frases não é um deus da criatividade, certo?
Ok, então um deus maior não é uma pessoa, é um conceito que pensa. Mas então como funciona a influência dessas… coisas… em Arton?
Nesse ponto é muito fácil pensar nas aparições com raios e trovões da mitologia greco-romana de novo e achar que os avatares dos deuses maiores ficam andando pra lá e pra cá em Arton. Isso até acontece às vezes, mas é muito raro encontrar um avatar andando por aí, só lembrar que para Glórienn enviar seu avatar para Arton precisou acontecer a Queda de Lenórienn. Deuses maiores são conceitos, e como conceitos eles trabalham por vias muito mais sutis e extremamente mais eficientes que um avatar andando por aí fazendo uma coisa de cada vez.
É preciso lembrar que deuses maiores são basicamente onipotentes, oniscientes e onipresentes, a única coisa que pode deter um deus maior é a interferência de outro deus maior. Sendo assim, as ações dos deuses do Panteão em Arton tem de ser muito mais sutis que um avatar pulsando energia divina, pois é preciso que os demais deuses maiores não percebam o que está acontecendo. Por isto, a agenda divina é levada a cabo por terceiros. E não estou falando apenas dos servos divinos: clérigos, druidas, paladinos, monges, etc. Deuses fazem “coincidências” acontecerem com pessoas que muitas vezes nunca nem ouviram falar da existência do Panteão ou não poderiam estar menos interessados em religião.
No artigo anterior sobre tecnologia em Arton, na sessão de comentários em resposta a um leitor, falei sobre como a tecnologia se desenvolveria mais rapidamente se Tillian, deus maior da criatividade, não tivesse caído durante a Revolta dos Três.

[…]a influência dos deuses maiores no cenário está justamente em ajeitar as coisas para que elas aconteçam. Por exemplo, se Tillian fosse um deus maior ainda, o livro daquele professor desconhecido de Sallistick com o trabalho teórico sobre balões “por acaso” iria parar nas mãos exatamente do engenheiro minotauro capaz de ter a ideia para o dirigível, e então ele “por acaso” conheceria um goblin que aceitaria testar o design do dirigível (o minotauro, apesar de ser o cara certo para fazer o projeto não iria querer testar ele mesmo por causa do seu medo de altura racial), as condições climáticas do dia do teste do protótipo seriam “por acaso” perfeitas, e então “por acaso” os dois conheceriam exatamente o único mercador capaz de ver o potencial comercial da invenção e iniciar uma companhia de transporte de cargas e pessoas usando os dirigíveis. Todas esses “acasos” seriam obra do Tillian, da mesma forma que todos os “acasos” que levaram a invenção das armas de fogo foram obra do Wayne Boggard/Keenn que tem um interesse na invenção delas.[…]

Você pode perceber como, na situação descrita nesse comentário, Tillian não está diretamente envolvido com nenhum dos participantes. O professor de Sallistick é um ateu, o engenheiro minotauro com certeza é um devoto de Tauron, o goblin deve prestar suas homenagens a Tanna-Toh quando se importa em ser religioso, já o mercador provavelmente faz suas preces a Tibar, o deus menor do comércio. E é quase impossível para outros deuses entender o que está ele está fazendo até que aconteça por causa da sutileza do processo. O livro não vai parar na cabeceira do engenheiro minotauro num passe de mágica, ele é colocado no caminho de um mercador que faz comércio com o Império de Tauron e que entre sua clientela está o dono da livraria que o engenheiro táurico frequenta, o goblin conhece o minotauro depois de ambos serem chamados para resolver rachaduras em uma ponte que não deveria ter rachado (exceto por intervenção divina…), e o mercador resolve arriscar estabelecer uma rota comercial no Império quando a caravana de um amigo é dizimada por um monstro que nunca tinha aparecido naquela rota. Intrincado, não é mesmo?
Agora imagine isso acontecendo ao mesmo tempo, no mundo todo, milhares de vezes por dia. Afinal de contas, deuses maiores são basicamente oniscientes, onipresentes e onipotentes se não pela interferência de outro deus maior. E mesmo essas interferências são sutis na tentativa de passar despercebidas e receberem uma contraofensiva. O livro pode ser atacado por traças, o minotauro pode ter uma diarreia justamente no dia que deveria conhecer o goblin, que por sua vez pode ser atrasado por uma roda quebrada na caravana, o mercador pode entrar em contato com uma proposta mais tentadora na Liga Independente. Intervenção direta é o último recurso, reservado para tempos desesperados, como Glórienn fez durante a Queda de Lenórienn.
No nosso mundo, chamamos isso de Divina Providência. E lembra o que falei sobre os deuses maiores de Arton meio que serem o nosso Deus judaico-cristão fatiadinho em vinte partes? Pois é.
¹ Kallyadranoch, se formos analisar, nunca caiu. Ele era um deus maior até ser apagado da existência pelo Panteão, e no momento que retornou já era deus maior, como se nada tivesse mudado.

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