O jogo é um beat ‘em up, ou seja, um jogo de pancadaria no estilo de clássicos como Final Fight e Streets of Rage, apenas com temática medieval – talvez uma referência mais adequada sejam Tower of Doom e Shadow Over Mystara, adaptações clássicas de Dungeons & Dragons para o fliperama, bem como o mais recente Dragon’s Crown, que atualizou de forma muito eficiente e divertida (apesar de algumas polêmicas) o gênero para os consoles modernos. Como nestes últimos, o RPG é referenciado além apenas do cenário, e envolve também elementos de jogabilidade como avanço de nível, aprimoramento de habilidades e aquisição de novos poderes ao longo do jogo.
Há duas opções de personagem: o bárbaro humano Samson e a arqueira e maga elfa Sellena. Cada um possui um estilo bem distinto de jogo, o primeiro valorizando mais a força e imposição físicas, e a segunda com um leque maior de habilidades mágicas à disposição. Embora eles se complementem bem na opção para dois jogadores (o que não poderia faltar no gênero), a impressão que tive é que a elfa é uma personagem mais fácil de se usar no modo para um jogador. Atacar à distância permite que você fuja dos inimigos e evite danos na maior parte do tempo, e faz uma diferença enorme você ter uma magia de cura à disposição, e não ficar dependendo de poções que nem sempre aparecem quando você mais precisa; além de que ter um feitiço de ataque cujo dano é baseado em Inteligência também faz diferença no longo prazo, já que você pode concentrar pontos no atributo cuja função principal no jogo é aumentar a quantidade de experiência recebida, acelerando consideravelmente o ganho de níveis. O jogo é razoavelmente difícil normalmente, mas na minha experiência as dificuldades que encontrei jogando com o bárbaro não apareceram quando decidi recomeçar e testar a elfa, e vi que conseguia passar da maioria das fases quase sem perder vidas.
Há outras questões a serem destacadas no design também. Me incomodou não ter uma opção de seleção de fases, por exemplo – você pode retornar a um save antigo se quiser, mas se o fizer perderá todo o avanço que fez desde então; isso diminui bastante a vida útil do jogo, já que você só pode jogá-lo do início ao fim sem desvios, além de que é frustrante você se ver travado em um determinado ponto e se dar conta que não pode retornar para acumular mais experiência e itens (jogos modernos me deixaram mal acostumado, admito). Outro detalhes são mais técnicos – há alguns pequenos bugs (em um determinado momento da fase de Lenórienn, por exemplo, caí de uma ponte e fiquei travado no fundo do cenário), e quedas de framerate em certos pontos, especialmente jogando com o joystick (anos de consoles me desacostumaram de usar teclado, e prefiro evitar a tendinite…).
Mas, claro, não pense que essas críticas significam que eu não gostei do jogo! Esses detalhes me incomodaram, mas no geral, como alguém que acompanha o cenário quase desde a sua criação, e ainda tem uma memória afetiva bastante forte dos beat ‘em ups do passado, me diverti muito com ele. Acredito que o roteiro do Leonel Caldela seja uma boa explicação para isso. Samson e Sellena são combatentes do Exército do Reinado durante a batalha do Forte Amarid, que, ao derrotar um demônio especialmente poderoso, acabam tentados pelo Lorde local Gatzvalith a se tornarem servos lefeu. Salvos no último instante por Khalmyr e Wynna, recebem uma missão: salvar Niala, atual sumo-sacerdotisa da deusa da magia, antes que ela seja corrompida. Claro, enfrentar o próprio Gatzvalith ainda está muito longe de ser possível para os herois. Assim, os deuses os enviam para o passado do mundo, onde eles devem acumular experiência vivenciando alguns momentos históricos do cenário antes de seguirem com a sua missão verdadeira.
Não se trata do mais épico ou profundo roteiro (e alguns dos diálogos não são exatamente os mais inteligentes já escritos pelo Caldela), mas há algo nele que tem um apelo bem único para os fãs: é apenas uma desculpa para transformar em jogo eletrônico personagens e momentos marcantes para a história do cenário. Ao longo dos cinco estágios do jogo, você deve passar pela própria batalha do Forte Amarid, a Lenórienn durante o ataque da Aliança Negra, a guerra de secessão de Portsmouth e o Kishin do Mestre Arsenal; e entre os chefes que você enfrenta estão os próprios Gatzvalith, Thwor Ironfist e Arsenal, além do Cavaleiro Risonho da Trilogia Tormenta. Das grandes sagas do cenário, acho que a única que faltou aparecer foi Holy Avenger (que na verdade acredito que seria o tema do estágio extra caso a última meta do financiamento coletivo tivesse sido atingido – uma pena, adoraria dar uma surra no Paladino também!). Ao longo das cenas, personagens icônicos como Niele, o casal Orion e Vanessa Drake, e Katabrok, o bárbaro, se misturam aos criados pelos colaboradores do projeto. Tudo tem um ar muito forte de homenagem, até mais do que de saga épica pelo destino do mundo.
Enfim, não vou ser desonesto e dizer que o jogo é perfeito, ou que ele passa perto de redefinir as suas ideias sobre jogos eletrônicos. É um jogo simples, que não se propõe realmente a ser diferente, e alguém sem ligação afetiva com o cenário talvez não encontre muito o que gostar. Mas ele é sim muito divertido para quem é fã. Você não terá uma oportunidade parecida de surrar o Thwor Ironfist, ou pelo menos de destruir vasos élficos de valor inestimável atrás de poções de cura. E, é claro, há a esperança de que seja só o primeiro de muitos, e novos jogos bacanas inspirados no cenário apareçam daqui para frente.
Para quem se interessar e não participou do financiamento original, o jogo já está disponível na plataforma de jogos independentes SplitPlay. Você também pode adquirir na Loja Jambô o livro que adapta o jogo para o RPG “de mesa,” e de quebra ganhar um descontinho na compra da versão eletrônica.