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Resenha dupla: The Star Wars / A Fortaleza Escondida

the star warsRecentemente a nerdosfera entrou em polvorosa com o lançamento do trailer do sétimo episódio de Guerra nas Estrelas (ou, para quem prefere se manter fiel as determinações marquetícias, Star Wars). Claymores de luz à parte, no momento em que a saga se volta (finalmente, diga-se) para o futuro, talvez seja uma oportunidade bacana para voltar ao passado dela, e conhecer um pouco das guerras estelares que nunca tivemos.
Estou falando especificamente deThe Star Wars, uma série de quadrinhos de 2013 que faz uma adaptação dos primeiros rascunhos de George Lucas para o seu famoso universo. Trata-se de uma história bastante diferente da que viemos a conhecer e amar: Luke Skywalker não era ainda um garoto de fazenda que sonhava em pilotar uma X-Wing contra o Império, mas um general veterano protegendo o legado dos jedi e muito mais; Han Solo, no lugar de um contrabandista e mercenário, era um soldado veterano bombado e, er, verde; e há mesmo a presença de um certo Annikin Starkiller, um aprendiz jedi (ou padawan, como preferir) sob a tutela de Luke.
As diferenças, é claro, vão muito além do que a situação de apenas alguns personagens. O que primeiro chama a atenção é quando você vê um certo robô com aparência de lata de lixo se comunicar com palavras, ao invés de assobios. Mas logo você perceberá também que sabres de luz não parecem ser exclusividade de jedi ou sith – você o vê na mão de praticamente todos os stormtroopers genéricos pelo caminho. A própria Força é também menos evidente: não parece haver muitos deus ex machinas associados, e ela surge mais como uma citação semi-religiosa recorrente à “Força dos Outros.”
Os artistas também aproveitaram para incluir algumas referências mais específicas, como no design de C3PO, que se antes já era claramente inspirado no clássico Metrópolis de Fritz Lang, agora passou a ser escancaradamente inspirado. E a nova (velha?) aparência de Luke Skywalker, com barba e topete grisalhos, também lembra de forma muito suspeita o próprio George Lucas, dando a ele um ar de Mary Sue muito curioso.
O roteiro em si parte de uma premissa semelhante daquele que ficou conhecido como Uma Nova Esperança, o primeiro filme da saga – ainda temos uma princesa em perigo que deve recorrer a um velho jedi e seu recém aceito aprendiz para combater um Império personificado em uma estação espacial do tamanho de uma lua. Isso acontece porque, em realidade, ele ainda se inspira na mesma fonte, do qual falarei com mais detalhes um pouco mais adiante. Muitos dos pormenores, no entanto, bem como os próprios personagens, diferem bastante – o resgate de Leia na “Estrela da Morte,” por exemplo, aqui é o desfecho, e não o começo; o sub-enredo romântico da princesa com o aprendiz jedi é muito mais evidente; e os droides possuem um papel de fato muito reduzido em evoluir o enredo. Aliás, em alguns momentos ele chega mesmo a lembrar mais Spaceballs / Tem Um Louco Solto no Espaço, a paródia de Mel Brooks da série, o que me fez pensar se ele não teve de alguma forma acesso a esse roteiro quando a estava escrevendo…
Não vou dizer que não seja uma história legal, que diverte e possui alguns bons méritos próprios. Mas, com o desenvolvimento dos quadrinhos, me pareceu sim que ela não teria a mesma força da história que conhecemos. Ainda que seja interessante da sua própria forma, o arrogante Annikin Starkiller não é um protagonista tão empático quanto o jovem Luke Skywalker, que com a sua história de garoto comum elevado a herói da galáxia cativou com grande força o público jovem da sua época e além. Momentos marcantes como a morte de Obi-wan Kenobi fazem falta, ainda que hajam algumas tentativas de substituí-la, e mesmo os antagonistas aqui também não possuem o mesmo carisma dos que conhecemos no cinema, a começar pelo próprio Darth Vader convertido em mero general imperial. Não é uma história ruim, enfim, mas acredito que as mudanças realizadas realmente a tornaram mais empolgante e interessante.
O que mais chama atenção, no entanto, é quando comparamos este roteiro com o de outra história, esta mais antiga e referência confessa do próprio George Lucas: o filme A Fortaleza Escondida, de Akira Kurosawa, que recentemente foi relançado em uma Edição Definitiva pela Versátil. Se as semelhanças já eram bastante visíveis no próprio filme original – na história da princesa escoltada por um guerreiro veterano e companheiros por entre as linhas inimigas, ou na dupla de personagens de nível mais baixo (droides ou ladrões) de cujo ponto de vista a trama é contada -, elas acabam ficando bem mais evidentes nesta versão do roteiro. É mais fácil traçar um paralelo entre os generais Luke Skywalker e Makabe Rokurota do que era entre o segundo e Obi-wan Kenobi, por exemplo; além de que de fato há uma fortaleza escondida com função e destino muito semelhantes aos do filme de Kurosawa. Certas cenas e reviravoltas do roteiro – como a virada de casaca de um certo inimigo no ato final, permitindo que os heróis saiam vitoriosos – também lembram muito as da versão com samurais, e a impressão final que fica é que Lucas apenas partiu do roteiro de Kurosawa e começou a adicionar personagens, a começar por um protagonista masculino jovem com quem certa parte do público poderia se identificar.
Claro, há muito mais no filme de Kurosawa do que apenas uma versão inicial do que viria a ser uma das maiores sagas de ficção da nossa época. Trata-se de uma aventura muito bem dirigida e envolvente, que consegue combinar momentos divertidos e tensos de uma forma bastante satisfatória, como tantos blockbusters de hoje em dia tentam fazer e nem sempre conseguem. É um filme muito recomendado para quem gosta da temática samurai, ou apenas quer um filme interessante para passar o tempo numa tarde de sábado. Mas, consciente de que há uma parcela do público que se interessaria pelo filme apenas por isso, a nova edição contém comentários do próprio George Lucas, falando da relação do filme com o seu universo mais famoso.
The Star Wars, enfim, é uma curiosidade muito interessante para os fãs da saga, um retrato da história que poderia ter sido mas nunca teve a oportunidade de virar uma trilogia e angariar milhões de dólares em merchandising. E A Fortaleza Escondida, além de ter o mesmo valor para os fãs de Star Wars, ainda vale muito para fãs de cinema de maneira geral, e da história do Japão dos samurais em particular.
The Star Wars, de J. W. Rinzler, Mike Mayhem e Rain Beredo.
200 páginas por US$ 12.60.

A Fortaleza Escondida – Edição Definitiva, de Akira Kurosawa.
139 min. por R$ 39,90.
 

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