Relatos Selvagens se insere muito bem nessa tradição dos nossoshermanos. O filme é composto, na verdade, por seis histórias curtas, coladas por um mesmo tema: pessoas comuns que simplesmente perdem a paciência, e por um momento cruzam a linha tênue que separa a civilização da barbárie. Da história introdutória que lembra uma música do Chumbawamba à festa de casamento que acaba por dar certo de um jeito bem errado, as histórias tentam explorar um pouco desse absurdo que há no cotidiano, e o quanto ele é em realidade bastante frágil e fácil de se quebrar por motivos que podem ser tão banais quanto uma ofensa no trânsito ou tão sérios quanto uma propina policial.
Damián Szifron, o diretor, conduz cada uma das histórias com grande maestria, lançando mão de uma bela gama de recursos narrativos e visuais. Há uma influência tarantinesca bem evidente nos enquadramentos e na trilha sonora; mas, muito mais, há um quê kafkiano em algumas das tramas, e muito de tragédia grega na forma como elas sempre descambam rapidamente para o desespero generalizado dos personagens.
Subjaz, é claro, uma crítica não muito velada ao mundo moderno e as hipocrisias que permitem que ele funcione. Você pode sair da sessão refletindo sobre o absurdo das burocracias governamentais, os preconceitos do sucesso financeiro que te permitem comprar o carro do ano, ou o papel da fidelidade conjugal. Mas, mais do que tudo, há apenas o prazer de se contar e ouvir uma boa história: você com certeza sairá da sessão após dar muitas risadas de um humor negro que consegue ser crítico sem ser preconceituoso, e inteligente sem ser obscuro.
Assistam Relatos Selvagens, enfim. Posso dizer sem medo de errar que é o filme mais engraçado, e um dos mais imperdíveis, de 2014.