Arton é um mundo de heróis, e por mais que ser um herói traga uma montanha de responsabilidades, tem uma enorme vantagem. Não, não estou falando das raparigas e/ou rapazes dando mole para você na estalagem. Também não estou falando da fama, dos castelos, servos ou banquetes. Estou falando disto aqui:
“Sustento:[…]Trabalhadores treinados ganham uma média de 1 TO por semana, enquanto trabalhadores sem treinamento recebem em média 1 peça de prata por dia.” (do texto da perícia Ofício, Tormenta RPG Edição Revisada, página 89).
É isso mesmo, estou falando do dinheiro. Fama, amor e vida mansa só são possíveis por causa dos tibares de ouro que o herói conseguiu coletar em suas aventuras. Acima de tudo um aventureiro é alguém monetariamente afortunado, pois até para começar sua vida de aventuras ele precisa de um tesouro considerável.
Vamos colocar as coisas em perspectiva. Um trabalhador sem treinamento, isto é, o camponês comum ajudando na lavoura, ganha o equivalente a 3,65 TO por ano. O tesouro de um herói de primeiro nível, 100 TO, é o mesmo que mais de 27 anos de trabalho de um camponês comum! E vejam que nós estamos apenas considerando os ganhos brutos do pobre camponês, sem levar em conta seus gastos com alimentação, moradia e os temidos impostos. Se fizermos isso…
“Pobre (custo mensal de 10 PO [sic]): você fica nas piores hospedarias. A base de suas refeições é pão velho, e os trapos que você veste são… Bem, trapos. […]” (de “Custo de Vida”, Tormenta RPG Edição Revisada, página 244).
Vamos cortar esse custo em três quartos por considerar que o camponês não vive em estalagens como os aventureiros, mas provavelmente em uma choupana própria da família estendida (avôs, filhos e netos espalhados numa casinha de um cômodo). Ainda são 2,5 TO por mês de custos, e o pobre camponês ganha apenas um tibar de prata por dia! Não é a toa que toda família mantêm uma horta de subsistência no quintal, iriam morrer de fome de outra maneira!
E a coisa não melhora muito mesmo para um trabalhador treinado, isto é, ferreiros, estalajadeiros, comerciantes, etc. Eles fazem 1 TO por semana. Isto é o bastante para viver um pouco além da linha da pobreza de 2,5 TO mensais, mas não muito. No máximo, eles devem comer três vezes por dia, viver em uma casa apenas com sua família imediata e ainda guardar uns tibares de cobre mensais para a aposentadoria. Os 100 TO iniciais de um aventureiro provavelmente equivalem à poupança de uma vida inteira de alguém assim.
Então, em um mundo onde é tão difícil juntar dinheiro, é fácil imaginar porque tanta gente tenta ser aventureiro: “Para cada dez ou doze pessoas normais, há pelo menos um aventureiro com maestria em combate ou poderes místicos” diz o manual básico em sua página 17. Bem, considerando que essa é a melhor opção para subir na vida, quem não tentaria? De certa forma, tentar ser aventureiro é como tentar ser aprovado em concurso público no Brasil, você investe uma grana da pesada em treinamento e equipamento para ver se consegue aquele emprego dos sonhos que vai lhe garantir um estilo de vida confortável pro resto da sua vida. Claro que você pode virar comida de dragão ou bode expiatório de um esquema de corrupção que nunca ouviu falar, mas ninguém disse que era fácil ser rico, não é mesmo?
O que é importante considerar aqui é que existe uma história muito interessante a ser contada sobre ANTES dos aventureiros se juntarem para explorarem sua primeira masmorra e que você, jogador (ou mestre), pode explorar no seu histórico (ou em uma aventura solo): como diabos o personagem tirou a sorte grande e conseguiu essa pequena fortuna para investir na sua vida de aventuras? Afinal de contas, dinheiro não cresce em árvore, dinheiro tem história.
Em vez das longas e muitas vezes tediosas histórias sobre onde o personagem nasceu e foi criado, quem treinou ele e todas essas outras coisas de pouco interesse para o público (ou seja, o pessoal da mesa de jogo), porque não pensar em como a história do seu personagem realmente seria contada por um biografo? Um profissional sabe como o começo de uma história é importante para prender a atenção do leitor, então ele não vai começar uma biografia com “Sir Robert nasceu em 1290 c.e., sexto filho de Josefina e Zé Tropeiro, e foi uma criança chorona, incomodando muito dona Josefina…”, porque essa porra é chata pra caralho. Não, ele vai começar com algo mais ou menos assim:
“Tudo começou quando o jovem Robert, então um plebeu que não tinha onde cair morto, decidiu entrar para o torneio do duque de La Roc como um cavaleiro misterioso. Suas armas, armadura e escudo tinham sido feitos por ele mesmo de restos de metal na ferraria de seu pai, e o cavalo era um pangaré que ele “pegou emprestado” da fazenda de seu melhor amigo Eddard com a desculpa de que iria ajeitar as ferraduras. Contra todas as probabilidades, acabou ganhando o torneio, e junto com a glória veio o prêmio em dinheiro que financiaria o início da sua vida de aventuras. Infelizmente, o duque não apreciou muito saber que o filho do ferreiro não só tinha vencido os nobres cavaleiros do ducado, como entregado a coroa de Rainha da Beleza e do Amor para a filha donzela do próprio duque! Isto rendeu a Robert seu primeiro, e mais mortífero, inimigo.”
O que você pode fazer para tornar seu background mais interessante, portanto, é usar algo que eu chamo de Aventura Inicial. Ou seja, conte a história do seu personagem através da primeira aventura vivida por ele: inclua um desafio e um vilão, a recompensa sempre serão os 100 TO iniciais do personagem, narre o desfecho e você está pronto para começar a campanha. Talvez seu ladino tenha roubado uma pequena fortuna (digamos, 100 TO?) de um chefe do crime e fugiu para evitar represálias? Seu ranger matou um grande urso que ameaçava a vila e recolheu a recompensa pela pele do bicho (que por acaso era o companheiro animal de um druida de Megalokk que agora quer vingança)? Ou talvez a maga seja uma filha da nobreza que fugiu de um casamento arranjado, e agora tem um pai ou noivo furioso em seu encalço?
Desta maneira, você não apenas tem uma história que será interessante de contar aos outros jogadores, como algo que o mestre pode usar para entrelaçar seu background com a vida de aventuras que você vive agora. Os jogos de computador Mass Effect e Dragon Age fazem uso desta ideia, entrelaçando as histórias pessoais do personagem principal e seu “grupo de aventureiros” em side quests interessantes que acabam gerando XP e habilidades extras.
E é isto, baita volta a partir do que parecia uma discussão socioeconômica artoniana, hein?