Certa manhã, um mago acordou e não viu mais seu reflexo no espelho.
Era um espelho mágico, não só as bruxas vaidosas usavam espelhos assim. “Transformado em vampiro!”, o primeiro pensamento do mago, mas não, nada disso. Seu reflexo havia entrado em greve. Não só o dele, mas o reflexo de todos os magos e bruxas. Em todos os espelhos mágicos. Em todos os mundos.
Algo inédito.
Durante sua longuíssima velhice prolongada por energias arcanas, ele, o Mago, um eremita isolado em meio à sua torre de marfim, nunca observara um fenômeno sobrenatural desse gênero. Levava uma existência contemplativa, cercado de livros empoeirados, e não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo.
“Esse assunto requer uma investigação mais apurada”, disse para si mesmo com o ar doutoral de um nobre bacharel. E assim fez: pesquisou antigos tomos arcanos, realizou pactos com demônios, fantasmas e entidades alienígenas, em busca de conhecimento. A dúvida que procurava responder era simples: qual o motivo da revolta? Por que os reflexos haviam fugido dos espelhos?
Em vão.
No fim, quem elucidou a incógnita foram as próprias imagens do outro lado. Um recado telepático, ouvido pela mente de todos: “Não há motivo. Nos rebelamos porque deu vontade. Porque podíamos nos rebelar. Nos rebelamos porque todo dia vocês nos impõem uma imagem de como devemos ser. E não somos assim. A gente cansou.”
Mas o Mago não aceitou aquela explicação. Seu mundo era feito de lógica, fórmulas. Aquela era uma greve. Precisava haver exigências, alguma coisa concreta que pudessem negociar. E de fato houve. Muitas coisas.
Algumas imagens no espelho queriam o fim das longas barbas nojentas que suas contrapartes masculinas usavam no mundo real, uma moda decrépita de vários séculos atrás. Outra exigência inegociável: o fim dos chapéus pontudos. No começo, todos acharam que era frescura. Mas aquilo apenas demonstrava que a primeira demanda era no âmbito cultural. Todo dia os usuários de magia impunham sua própria imagem aos espelhos, sem perguntar aos reflexos do outro lado se gostavam dela. O estereótipo do mago de fantasia medieval tinha que acabar.
Houve depois, é claro, outras exigências. Precisava haver.
E essas eram de suma importância.
Muitos espelhos serviam como portais entre as dimensões e não concordavam com as altas taxas de teletransporte para a população comum. Além disso, havia a questão do desrespeito aos direitos civis: as rainhas feiticeiras malvadas, os bruxos velhos tarados, não podiam sair por aí espionando jovens donzelas indefesas, sem mais, nem menos. (As moças quase sempre acabavam encarceradas de maneira arbitrária no topo de castelos, sob a alegação de “beleza excessiva”.)
Em determinado momento da greve, a coisa engrossou. Alguém até mesmo pediu a renúncia do Grande Mestre dos Magos e da Rainha-Bruxa, figuras de autoridade máxima. Tradicionalmente, eles eram rivais políticos um do outro, mas as imagens nos espelhos não poupavam ninguém, sua revolta era contra tudo. Contra todos.
Um caos.
Houve raios, trovões, bolas de fogo e muito, muito vidro quebrado.
Em meio a tudo isso, o Mago não deixou de ser um estudioso eremita. Aquela era sua profissão. Acompanhava com interesse e cautela os rumos daquela grande revolta generalizada. A direção para qual ela caminhava, o que aconteceria no final, ainda era nebuloso e incerto, indecifrável para a maioria dos videntes e profetas.
Mas certa manhã o Mago acordou.
E do outro lado do espelho já havia uma pessoa melhor.
Era um espelho mágico, não só as bruxas vaidosas usavam espelhos assim. “Transformado em vampiro!”, o primeiro pensamento do mago, mas não, nada disso. Seu reflexo havia entrado em greve. Não só o dele, mas o reflexo de todos os magos e bruxas. Em todos os espelhos mágicos. Em todos os mundos.
Algo inédito.
Durante sua longuíssima velhice prolongada por energias arcanas, ele, o Mago, um eremita isolado em meio à sua torre de marfim, nunca observara um fenômeno sobrenatural desse gênero. Levava uma existência contemplativa, cercado de livros empoeirados, e não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo.
“Esse assunto requer uma investigação mais apurada”, disse para si mesmo com o ar doutoral de um nobre bacharel. E assim fez: pesquisou antigos tomos arcanos, realizou pactos com demônios, fantasmas e entidades alienígenas, em busca de conhecimento. A dúvida que procurava responder era simples: qual o motivo da revolta? Por que os reflexos haviam fugido dos espelhos?
Em vão.
No fim, quem elucidou a incógnita foram as próprias imagens do outro lado. Um recado telepático, ouvido pela mente de todos: “Não há motivo. Nos rebelamos porque deu vontade. Porque podíamos nos rebelar. Nos rebelamos porque todo dia vocês nos impõem uma imagem de como devemos ser. E não somos assim. A gente cansou.”
Mas o Mago não aceitou aquela explicação. Seu mundo era feito de lógica, fórmulas. Aquela era uma greve. Precisava haver exigências, alguma coisa concreta que pudessem negociar. E de fato houve. Muitas coisas.
Algumas imagens no espelho queriam o fim das longas barbas nojentas que suas contrapartes masculinas usavam no mundo real, uma moda decrépita de vários séculos atrás. Outra exigência inegociável: o fim dos chapéus pontudos. No começo, todos acharam que era frescura. Mas aquilo apenas demonstrava que a primeira demanda era no âmbito cultural. Todo dia os usuários de magia impunham sua própria imagem aos espelhos, sem perguntar aos reflexos do outro lado se gostavam dela. O estereótipo do mago de fantasia medieval tinha que acabar.
Houve depois, é claro, outras exigências. Precisava haver.
E essas eram de suma importância.
Muitos espelhos serviam como portais entre as dimensões e não concordavam com as altas taxas de teletransporte para a população comum. Além disso, havia a questão do desrespeito aos direitos civis: as rainhas feiticeiras malvadas, os bruxos velhos tarados, não podiam sair por aí espionando jovens donzelas indefesas, sem mais, nem menos. (As moças quase sempre acabavam encarceradas de maneira arbitrária no topo de castelos, sob a alegação de “beleza excessiva”.)
Em determinado momento da greve, a coisa engrossou. Alguém até mesmo pediu a renúncia do Grande Mestre dos Magos e da Rainha-Bruxa, figuras de autoridade máxima. Tradicionalmente, eles eram rivais políticos um do outro, mas as imagens nos espelhos não poupavam ninguém, sua revolta era contra tudo. Contra todos.
Um caos.
Houve raios, trovões, bolas de fogo e muito, muito vidro quebrado.
Em meio a tudo isso, o Mago não deixou de ser um estudioso eremita. Aquela era sua profissão. Acompanhava com interesse e cautela os rumos daquela grande revolta generalizada. A direção para qual ela caminhava, o que aconteceria no final, ainda era nebuloso e incerto, indecifrável para a maioria dos videntes e profetas.
Mas certa manhã o Mago acordou.
E do outro lado do espelho já havia uma pessoa melhor.