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Resenha: Soon I Will Be Invincible

jacketlargeO que pode ser mais bizarro do que ficção em prosa sobre super-heróis? Trata-se de um gênero tão identificado – até confundido, na verdade – com as histórias em quadrinhos que, mesmo com a recente proliferação de filmes dentro dele, é impossível não associá-los diretamente a elas, mesmo quando utiliza personagens originais. E é realmente difícil imaginar uma narrativa do gênero sem o apelo visual constante dos uniformes esdrúxulos em quatro cores; acho que só tive uma experiência assim, e nem propriamente com um romance, mas um livro-jogo: Encontro com M.E.D.O., um dos clássicos da série Aventuras Fantásticas. Mas sei que existe também, e é bem famosa lá fora, a série Wild Cards, criada por Geroge R. R. Martin e que começou agora a ser publicada aqui pela editora LeYa.
Enfim, por isso tudo, não é difícil imaginar o que despertou a minha curiosidade quando vi este Soon I Will Be Invincible na livraria – e, vejam só, acabei descobrindo mais que o autor Austin Grossman é irmão gêmeo (!) do Lev Grossman, que escreveu Os Magos e O Rei Mago, além de roteirista de games como o recente Dishonored, entre outros. Com os bons preços das edições importadas, que nunca vão deixar de me surpreender por serem absurdamente mais baratas que as nacionais, acabei comprando para dar uma lida, mesmo sem ter lá muitas expectativas de que fosse uma grande obra. E, talvez justamente por não estar esperando muita coisa, posso dizer que acabei gostando bastante do que li.
A história não chega a ser surpreendente, apesar de ter lá sua dose de revelações inesperadas nos capítulos finais, seguindo aquela linha “Era de Prata revisitada” que tem sido comum recentemente. Pra quem não é versado no assunto, um resumo da ópera toda: as histórias de super-heróis costumam ser divididas pelos fãs diversas “Eras”, um pouco baseado nas Idades da mitologia grega. Há uma Era de Ouro no fim dos anos 30 e durante os anos 40, quando os recém inventados super-heróis eram em geral cruzados patrióticos defendendo a moral e os valores norte-americanos, inclusive tomando partido na Segunda Guerra Mundial (pensem no Capitão América); uma Era de Prata a partir de meados dos anos 50, quando, em resposta a um movimento conservador anti-quadrinhos que ameaçava o gênero, as editoras estabeleceram um código de conduta em que certos temas considerados imorais ou perigosos seriam evitados (pensem no clássico seriado do Batman dos anos 60, ainda que ele em geral se assumisse como sátira); uma Era de Bronze a partir dos anos 60, quando questões do mundo real passaram a ser mais presentes nas histórias, e os heróis passaram a possuir um lado mais humano e verossímil nas suas personalidades e motivações (pensem na Marvel da dupla Stan Lee e Jack Kirby); e uma Era de Ferro, de meados dos anos 80 até os anos 90, quando o que dominava o gênero eram os músculos, a pose de durão e a violência mais do que qualquer rascunho do roteiro (pensem no Rob Liefeld, no Jim Lee e nos primórdios da Image Comics). Atualmente se estaria em um momento ainda posterior, uma Era Moderna, ou Pós-Moderna segundo alguns (o livro, aliás, genialmente sugere o nome de Rust Age, ou Era da Ferrugem), em que se aproveita todo esse retrospecto de histórias e temas diversos sem necessariamente se prender a qualquer um deles, muitas vezes com um certo tom de nostalgia.
O que é interessante notar é que muitos destes autores modernos se voltaram justamente para a Era de Prata, que por muito tempo foi desmerecida como um passado esquecível, quando a censura auto-imposta obrigava as histórias de super-heróis, e os quadrinhos como um todo, a se limitar a roteiros inocentes e bobos, daqueles com vilões caricatos em planos temáticos esdrúxulos de dominação mundial. Não interessa que muitos deles sequer fossem nascidos antes da Era de Bronze; é lá que vão procurar o arquétipo fundamental de super-herói a trabalhar, desconstruir e reconstruir, em uma espécie de nostalgia do que nunca se teve, uma busca por algum tipo de “inocência perdida”. Isso é visível especialmente em certas obras mais autorais, como a Astro City do Kurt Busiek, a Freedom City do RPG Mutantes & Malfeitores, ou mesmo a deliciosa Grandes Astros Superman do Grant Morrison, todas repletas de referências e homenagens à época.
Pois bem. Soon I Will Be Invincible, como eu já disse, é outra que segue esta linha, estabelecendo um cenário razoavelmente detalhado repleto de referências e homenagens aos universos clássicos do gênero – é fácil reconhecer qual personagem seria o Super-Homem, qual seria o Batman ou qual seria a Mulher-Maravilha, por exemplo, e certamente o autor sequer se esforçou para escondê-los. Há até mesmo uma interessante referência às Crônicas de Nárnia, fugindo um pouco do tema principal. O que o torna interessante no meio de tantas obras semelhantes, no entanto, é a densidade de informação que a narrativa em prosa oferece, permitindo uma viagem mais profunda dentro da personalidade de certos personagens que não é tão fácil de se obter com a linguagem mais telegráfica de uma história em quadrinhos.
Nisso, mesmo o fato de a história ser contada em primeira pessoa e no tempo presente – normalmente um demérito técnico, especialmente quando há grande quantidade de cenas de ação, já que não costuma ter um resultado muito bom – acaba sendo passável, já que permite alguns bons momentos de reflexão por parte dos personagens principais. Os capítulos narrados pelo vilão Dr. Impossible, especialmente, são bastante cativantes, com ele expondo e tentando justificar as suas motivações para querer tão obsessivamente dominar o mundo, um misto de arrogância meritosa e lamento de adolescente crescido, e não é uma surpresa quando no final você se pega torcendo para que ele dê uma surra naqueles malditos valentões super-poderosos. Afinal, quando você tem o maior Q.I. do mundo, é capaz de resolver os maiores problemas da ciência moderna, e construir praticamente sozinho máquinas muito além da compreesão da maioria dos grandes gênios conhecidos, você não vai usá-las para ajudar a humanidade, promover o conforto e o bem-estar, ou combater o crime; não, você vai construir o seu próprio satélite espacial com raio da morte e usá-lo para chantagear os governos nacionais e conquistar o mundo!
O que nos leva, aliás, a outro dos méritos do livro. Ainda que não se assuma abertamente como uma história cômica, uma espécie de sátira ao gênero dos super-heróis, ele também não tenta em momento algum se levar mais a sério do que um bando de adultos fantasiadas com cueca por cima da calça destruindo cidades em combates épicos é capaz de ser. Há um certo aprofundamento no lado mais humano dos personagens, claro, com alguns bons conflitos de personalidade permeando o roteiro, além de algumas referências mais elaboradas na construção de certos elementos, mas nada que tente mascarar o fato de que, acima de tudo, a própria idéia de um super-herói já requer uma certa suspensão do senso de realidade para funcionar, e que o melhor que se pode esperar de uma história assim é que seja divertida e cativante.
Soon I Will Be Invincible, enfim, talvez não seja uma obra pra qualquer um. Quem não cresceu lendo histórias de super-heróis, e nunca amarrou um lençol no pescoço e imaginou que podia voar, talvez ache-a apenas uma história boba, idiota e previsível. Mas, para quem tiver as referências certas, e souber reconhecê-las e rir delas, pode muito bem ser uma leitura bastante divertida.
Soon I Will Be Invincible, de Austin Grossman.
336 páginas por US$ 15.00.

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