Acho que posso resumir toscamente o livro como um “X-Men feito ao modo Harry Potter” – quer dizer, o próprio título já parece uma referência ao Instituto Xavier para Jovens Superdotados, e é impossível não pensar nos mutantes da Marvel conforme você avança os capítulos e vai descobrindo os segredos que o local esconde. Ao mesmo tempo, o tom é o de uma história de fantasia juvenil clássica, daquelas em que um garoto solitário aprende a superar suas limitações ao ser confrontado com um mundo sobrenatural secreto. Você pode até fazer o bingo da jornada do herói do Joseph Campbell se quiser.
Claro, tudo isso é feito com cuidado e esmero, com personagens cativantes caracterizados de forma bastante vívida. No entanto, o que realmente torna a leitura única e, ahem, peculiar, é o uso que o autor faz da fotografia. Fazem parte do livro cerca de cinqüenta fotografias de época retratando cenas bizarras, como crianças contorcionistas, vestindo fantasias macabras e outras. Todas são verdadeiras, vindas do acervo de colecionadores, e estão espalhadas ao longo dos capítulos para ilustrar seus personagens e situações. São o ponto de partida do enredo, sendo as pistas iniciais que Jacob possui para ir atrás dos segredos do seu avô, e é de se imaginar que o próprio livro e seus personagens tenham sido estruturados pelo autor a partir das imagens que encontrava.
O resultado é um cenário extremamente atmosférico, em que as imagens são usadas para intensificar o senso de mistério, tornando em especial os dois primeiros atos da história bastante envolventes. Com o tempo talvez até fique um elemento um pouco cansativo, com algumas fotos que talvez poderiam ser cortadas por não adicionar nada de realmente relevante à trama, e passa a ser até um pouco previsível quando uma nova imagem irá aparecer; mas não há como negar que é isto que torna o livro realmente único e tão cativante.
Há que se destacar também que é o primeiro livro do autor, e isso é visível pela forma como ele faz algumas escolhas não muito boas ao longo dele. A narrativa em primeira pessoa, por exemplo, não parece combinar com a história que ele quer contar, quebrando muitas vezes o clima. A ânsia em caracterizar os personagens vividamente também passa do ponto algumas vezes, em especial na Miss Peregrine do título, que parece sob todos os aspectos uma espécie de Mary Poppins genérica. Todo o terceiro ato, comprimido inteiro em um único capítulo de tamanho desproporcional com os demais, é um pouco dissonante do resto, parecendo às vezes ter sido pensado sob medida para um filme de verão (e, não surpreendentemente, parece que já há um em produção, com provável direção do Tim Burton). E, claro, há o final em aberto para a óbvia continuação…
Mesmo com esses detalhes, no entanto, ainda é uma leitura bastante única e envolvente, e mais de uma vez até um pouco assustadora, daquelas que você devora rapidamente em um par de noites acordado. Vale uma olhada.
O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares, de Ransom Riggs.
336 páginas por R$ 39,90.