Personagens poderosos, ação épica, monstros gigantes… É, Scion daria um ótimo cenário de 3D&T! O que eu pretendo com este texto, enfim, é fazer uma pequena apresentação do mesmo, com o seu conceito básico que você pode expandir com pesquisas a respeito das religiões e mitos de povos antigos, e algumas sugestões de regulamentos e vantagens extras para incrementar a experiência no cenário.
Além do Manual 3D&T Alpha, recomendo o uso de Mega City para complementar a sua campanha de Scion 3D&T. Além das regras de Pontos de Destino, ele apresenta boas novas vantagens e elementos de jogo para cenários modernos, além de que a própria Cidade das Cidades é um ótimo palco para as aventuras dos herdeiros divinos, misturando-os ou não com os outros mini-cenários do livro. Mas se quiser, é claro, nada impede que você aproveite os seus elementos fundamentais em outros cenários – tente imaginar como seriam os herdeiros do Panteão de Tormenta, ou o que aconteceria se os deuses antigos decidissem começar a agir no meio dos conflitos da Constelação do Sabre.
Inspiração para histórias envolvendo herdeiros divinos não faltam na literatura e ficção modernas. Há livros como Deuses Americanos, do mestre da fantasia moderna Neil Gaiman, a série Percy Jackson e os Olimpianos, ou mesmo, para quem gosta de algo mais alternativo e exagerado, o cyberpunk mitológico das histórias estreladas pelo hacker místico Ravirn. Os remakes modernos de Fúria de Titãs, por mais que estuprem a mitologia grega original, também servem de um exemplo razoável de como um herdeiro pode mudar o Destino do mundo, o papel da Visitação e mesmo das relíquias e Patrimônios divinos. Nenhuma inspiração deveria ser maior, no entanto, do que as próprias histórias originais dos mitos que as inspiraram – então corra atrás das obras de Hesíodo, do Livro dos Mortos egípcio, do Kojiki e do Nihon Shoki, e todos os demais.
A Fuga dos Titãs
O mundo de Scion é muito parecido com o nosso próprio mundo. Estamos no começo do século XXI, em uma sociedade predominantemente urbana, e temos os mesmos países, problemas e contextos gerais. No entanto, há algo mais escondido nas sombras: deuses, titãs e criaturas míticas de diversas religiões e culturas são verdadeiros, mesmo que tenham abandonado o nosso mundo há muito tempo.
Tais seres vivem hoje no chamado Mundo Superior (Overworld), uma realidade superior da qual a nossa é apenas uma sombra, um reflexo das suas idéias e conceitos fundamentais. Lá habitam seus mundos divinos – Asgard, o monte Olimpo, as planícies iluminadas de Takamagahara -, observando e tomando partido no nosso mundo quando necessário ou interessante, envoltos nos seus próprios jogos e intrigas particulares.
Nem sempre foi assim, é claro. No passado, a própria existência foi ameaçada pelas criaturas primordiais conhecidas como titãs – os pais dos deuses que conhecemos, além de outros monstros e seres ancestrais de puro caos e destruição. As grandes batalhas contra eles aconteceram no nosso mundo, e são contadas em detalhes nas lendas e mitos da maioria das culturas.
Com o tempo cada um dos titãs mais perigosos foram vencidos e aprisionados nos Mundos Inferiores. Estes eventos em geral coincidiram com o retiro dos deuses no Mundo Superior, deixando o mundo material para as pessoas comuns e dando início à Era dos Homens para a maioria dos povos.
Mas os séculos passaram e as amarras que prendiam os titãs enfraqueceram. Seus agentes e descendentes voltaram a ter poder no mundo dos homens, e a ameaça de que eles de fato venham a se libertar passou a ser bem real. Felizmente, os deuses também possuem seus agentes entre os homens: seus próprios filhos e herdeiros com amantes mortais, como aqueles que os ajudaram no passado – Hércules, Perseu, Krishna, ?namuji e tantos outros -, e a quem podem recorrer novamente quando a necessidade surge.
Estes herdeiros são os personagens principais de Scion. Após descobrirem a verdade sobre a sua origem e receberem seus Patrimônios, eles devem tomar partido nos conflitos divinos, e quem sabe na própria guerra final pela existência. E dentro de cada um deles ainda há uma centelha divina que, se bem alimentada com o desenvolvimento de uma Lenda repleta de feitos épicos e heróicos, pode permitir que ele próprio ascenda um dia ao posto de deus.
Scion apresenta seis panteões principais que podem ser escolhidos pelos jogadores como a origem dos seus personagens. A regra geral é que eles existem simultaneamente: o Mundo Superior é grande o bastante para acomodar as terras míticas de todos eles, assim como os Mundos Inferiores para onde vão os mortos de cada religião. O mestre pode, no entanto, restringir a sua campanha a apenas um panteão se quiser, embora eu pessoalmente não veja o porquê disso – a graça está justamente na mistura, ora!
Também não há razão para se limitar a apenas estes panteões, é claro. Muitos outros foram deixados de lado, alguns até bem conhecidos: os deuses hindus e chineses, os espíritos totêmicos dos índios norte-americanos, mesmo o imenso panteão de santos cristãos. Você também poderia ter personagens descendentes dos deuses indígenas brasileiros, ou então de panteões ficcionais como o de Tormenta ou dos Mythos de Cthulhu de H. P. Lovecraft.
Os seis panteões descritos nos livros básicos, no entanto, são os seguintes:
- Pesedjet. O mais antigo dos seis panteões de Scion são os deuses que eram adorados no antigo Egito. Sua mitologia parte da criação do mundo por Atum-Re (também chamado Amón-Rá), o Deus-Sol, e a disputa entre seus descendentes Osíris e Set. Possuem suas virtudes centradas no conceito de ma’at, que representa a justiça e a ordem social. Código de Honra: Honestidade.
- Dodekatheon. Os deuses do panteão grego, adorados na Península do Peloponeso e posteriormente assimilados pelos romanos. O centro do seu código moral é o arete, a excelência e realização pessoais, o que os leva a uma valorização da individualidade e uma crença na capacidade das pessoas de superarem o seu Destino. Código de Honra: Herois.
- Aesir. O panteão adorado pelos europeus do norte gelado, descendentes das antigos tribos germânicas. Seus deuses são aqueles que se vêem mais fortemente presos aos desígnios do Destino, enquanto esperam a batalha mítica do Ragnarök que marcará o fim da sua existência. Código de Honra: Herois.
- Atzlánti. Nome dado pelos outros panteões ao grupo de deuses adorados pelos astecas. Seus valores diferem bastante dos demais, e em geral eles são menos preocupados com os mandos e desmandos do Destino do que com manter o mundo funcionando corretamente. Sua principal fraqueza é a grande necessidade de sangue para a realização dos seus rituais de manutenção dos ciclos da natureza. Código de Honra: Caçador.
- Amatsukami. O panteão japonês, encabeçado pela Deusa-Sol Amaterasu e que tem como figura proeminente seu irmão causador de problemas Susanoo. São deuses ligados à natureza e que buscam sempre o equilíbrio entre todas as coisas, sejam elas divinas ou mundanas. Código de Honra: Gratidão.
- Loa. O mais recente panteão surgiu da mistura de crenças de diversas regiões africanas no contexto da escravidão nas Américas, dando origem à religião conhecida como vudu. Seu grupo de deuses ainda está em formação, e sempre há espaço para mais um herdeiro ascender ao status divino. Diferentes de outros panteões, no entanto, seus esforços e poderes costumam ser mais focados no caráter local, como na proteção de uma pequena vila ou aldeia ao invés de se preocupar em salvar o mundo todo. Código de Honra: Arena.
Note que os Códigos de Honra associados são mais sugestões do que qualquer outra coisa. Não há nada de errado que o seu filho de Set seja um assassino frio e calculista, ou que o seu descendente de Loki seja um covarde mentiroso. Todo herdeiro, no entanto, deve seguir algum Código de Honra, conforme a vantagem única que será descrita mais adiante.
Os Herdeiros
Os herdeiros são os descendentes divinos entre os mortais, fruto das relações entre os deuses de outrora com homens ou mulheres comuns. Provavelmente terão sido criados pelos seus pais mundanos, ou então, caso estes não possam fazê-lo, viverão sua infância e adolescência em orfanatos comuns. Muitos podem mesmo levar uma vida perfeitamente normal, no máximo com alguns olhares espantados frente à sua saúde perfeita e valores pessoais inabaláveis.
Tudo mudará, no entanto, no dia que receberem a Visitação. Este é o nome dado por herdeiros ao momento em que eles conhecem o seu pai ou mãe verdadeiro e são recrutados para tomar parte nas disputas divinas. A partir de então os deuses misteriosos do Destino tomarão conhecimento da sua existência, e passarão a persegui-lo com situações que o forcem a usar suas habilidades e a aumentar a sua Lenda.
Quando recebe a Visitação, o herdeiro também receberá do seu progenitor um Patrimônio. Pode ser uma relíquia como uma arma encantada ou amuleto mágico, ou talvez um companheiro e guia místico, como um pégaso ou gato de duas caudas. Este Patrimônio simboliza o reconhecimento pelo deus da sua descendência, e é a fonte de todas as habilidades impressionantes que ele se tornará capaz de usar com o tempo.
Via de regra, recomendo que uma campanha de Scion seja feita com personagens Campeões (10 pontos), ou talvez mesmo Lendas (12 pontos). Uma opção que pode ser interessante seria começar a história antes da Visitação – apenas construa o personagem normalmente, e deixe de lado os 2 pontos para a vantagem única descrita abaixo. Quando a Visitação acontecer nas primeiras aventuras e você receber o seu Patrimônio divino, enfim, apenas adicione os elementos recebidos com ela à sua ficha.
Herdeiro (2 pontos)
- Lenda +1. O personagem recebe 1 ponto na característica Lenda, descrita abaixo, e pode adquirir pontos nela como uma sexta característica.
- Patrimônio. O personagem recebe 2 pontos (ou 20 PEs) para adquirir um Aliado ou Objeto Mágico concedido pelo seu progenitor.
- Destino. Um herdeiro é destinado a grandes feitos. Não interessa o quanto ele tente fugir da sua herança e ignorar a sua descendência, ela sempre irá atrás dele – desastres ocorrerão à sua volta, forçando-o a usar seus poderes; titãs e descendentes despertarão quando ele está próximo; e etc.
- Fetiche. O Patrimônio de um herdeiro representa a ligação que ele possui com o seu progenitor. Por isso, caso não tenha acesso a ele por algum motivo (porque o perdeu ou ele foi roubado), ele não poderá usar qualquer vantagem ou feitiço que consuma PMs.
- Virtude. O personagem deve seguir um Código de Honra ligado ao panteão de origem do seu progenitor.
A Lenda é uma sexta característica especial usada apenas por personagens herdeiros. Ela representa a sua história pessoal de feitos e realizações épicas, e o quanto ele é favorecido pelos deuses do qual descende. Um personagem com uma grande Lenda é capaz até mesmo de distorcer o destino à sua volta, alterando a própria sorte e causando eventos catastróficos por onde anda.
A característica é adquirida da mesma forma que as demais: 1 ponto / 10 PEs por ponto até 5; 20 PEs por ponto de 6 a 10; 30 PEs por ponto de 11 a 15; etc. No momento da criação, no entanto, nenhum personagem pode ter Lenda maior do que 5, como as demais características.
Em regras, o personagem pode a qualquer momento gastar 1 PE para somar a sua Lenda como bônus a alguma característica para uma jogada de dados. Assim, ele poderia receber um bônus em Força, Armadura ou Poder de Fogo para jogadas de FA ou FD, ou em Habilidade para um teste de perícia, ou qualquer outra situação.
Quando adquire Lenda 1, o personagem também recebe 1 Ponto de Destino extra, além de qualquer um que receba por sua pontuação (e mesmo que normalmente não tivesse direito a nenhum). A cada patamar de pontuação atingido na característica, ele receberá um novo Ponto de Destino extra – ou seja, ao chegar a Lenda 6, ele terá 2 PDs extras; com Lenda 11, serão 3 PDs; etc. Veja em Mega City ou Brigada Ligeira Estelar sobre como estes pontos funcionam e para quê podem ser usados.
Note que isto a torna uma característica bastante preciosa – apenas para exemplificar, usar 1 Ponto de Destino pode dar ao personagem um bônus de +5 em uma característica até o fim de um combate! Mas eles também demonstram justamente aquilo que deixa os herdeiros divinos acima das pessoas comuns: é o seu destino especial, os grandes feitos que estão reservados para ele.
Por fim, a Lenda de um personagem também representa o quão próximo ele está dos deuses que lhe deram origem. Na medida em que a sua Lenda aumenta, seus feitos se acumulam e mais pessoas começam a reconhecer as histórias da qual você tomou parte, mais próximo você chega de se tornar um deus também.
Assim, um herdeiro que atinja Lenda 6 possui seus poderes aumentados a níveis muito acima de uma pessoa comum, passando a pertencer à escala Sugoi. Caso chegue a Lenda 11, poderá se dizer legitimamente um semideus, pertencente à escala Kiodai. E chegando a Lenda 16, enfim, terá atingido o nível máximo: ele próprio se tornará um deus, pertencente à escala Kami! Dizem que escalas ainda maiores são possíveis de ser atingidas, mas não há registro das histórias das quais tais seres transcendentais tomariam parte.
Claro, possuir uma Lenda poderosa por trás de si também possui conseqüências. Ele será perseguido pelo Destino, causando desastres por onde passa, forçando-o a usar seus poderes para se salvar ou às outras pessoas à sua volta. Titãs e seus descendentes o perseguirão e tentarão matá-lo, ou irão tentá-lo a se unir a eles. Uma vida normal, enfim, será simplesmente impossível.
Se quiser colocar isso em regras, pode fazer um teste de Lenda sempre que as coisas começarem a ficar calmas demais para o personagem ou ele tentar fugir do seu destino e da sua herança divina. O melhor resultado para o jogador, neste caso, é uma falha – caso o teste seja um sucesso, alguma coisa acontece que o força a voltar para o caminho dos feitos épicos, como um ataque de titã, uma invasão de um exército inimigo, um terremoto ou tsunami, etc. Quanto maior a Lenda, afinal, maiores os inimigos…