Mesmo assim, no entanto, é difícil não achar que há alguma coisa faltando, ou talvez mesmo sobrando, neste último volume. O mote da Liga originalmente era o de contar uma história de super-heróis com personagens clássicos da literatura do século XIX, e as duas primeiras histórias do grupo cumpriram ele excepcionalmente bem, não só montando um super grupo bastante funcional como também fundamentando as próprias tramas em enredos clássicos de Arthur Conan Doyle, Júlio Verne e H. G. Wells. E é justamente esse espírito que a série parece ter perdido, na minha opinião – há lá a dose obrigatória referências literárias e culturais, muito bem, mas elas parecem um tanto deslocadas e perdidas frente à ode ao estranho, o oculto e a magia que Moore parece querer realizar.
Os próprios personagens ilustram isso muito bem. Até achei a Mina Harker bem adaptada e interessante, mostrada como tentando se atualizar constantemente aos novos costumes para lidar com a recém adquirida imortalidade; e o Orlando, vá lá, também cumpre bem o seu papel. Mas o Alain Quatermain parece ter perdido completamente a razão de ser, e foi totalmente descaracterizado da sua persona original, do intrépido aventureiro viciado em ópio. Isso colabora bastante para a impressão de que o mote original da série foi abandonado, e eles se tornaram apenas mais um grupo genérico de investigadores do oculto e do sobrenatural.
As referências culturais atualizadas também têm a sua dose de questões particulares. Muitas delas, em especial as que envolvem o mundo da música, precisaram mesmo ser ficcionalizadas, por não se tratar mais de personagens de domínio público, mas sim de pessoas bastante conhecidas do mundo do entretenimento – me refiro em especial a banda Orquestra Púrpura, cuja inspiração deve ficar bastante óbvia durante a leitura para qualquer um que conheça um mínimo de história do rock. As que acabam se salvando mais são justamente as que não têm importância maior para a trama, e estão lá apenas para fazer um comentário rápido ou piada de humor negro com algum personagem conhecido.
A arte de Kevin O’Neill, enfim, também não colabora em nada para melhorar a impressão final. Tenho amigos que já não gostavam muito dela em primeiro lugar, mas a mim, pessoalmente, ela nunca incomodou, e a achava até bem legal nos primeiros volumes. Neste, no entanto, ele parece preguiçoso e desleixado ao desenhar, resultando em traços tortos e muitas vezes simplesmente feios mesmo.
No fim, em todo caso, não vou dizer que seja um lançamento simplesmente ruim. A história em si até é bem bacana, tem boas reviravoltas e momentos, e tietes do Alan Moore devem gostar dela de qualquer forma. Me pergunto se não seria mais interessante, ao invés de descontextualizar completamente os personagens da Liga original, criar versões atualizadas do grupo com personagens literários de cada época; mas, enfim, não fui eu que a escrevi, e é injusto também querer julgar os autores apenas pelo que a série poderia ter sido, e não pelo que de fato foi.
A Liga Extraordinária – Século: 1969, de Alan Moore e Kevin O’Neill.
96 páginas por R$ 48,50 (capa dura) ou R$ 35,00 (capa mole), ambos na Livraria Cultura.