O tema central do livro é o mundo corporativo e as suas normas e burocracias, mas extrapolados ao nível do caos absoluto, enquanto um determinado funcionário é gradualmente isolado na empresa pelos seus colegas de trabalho sem motivo aparente. Pense nos personagens e histórias em quadrinhos do Dilbert, mas jogados em meio a um cenário surreal repleto de horrores biomecânicos e criaturas monstruosas. O resultado final lembra algo dos Laundry Files do Charles Stross, com os seus horrores cósmicos perambulando em meio aos corredores de um órgão público; e muito dos pesadelos clássicos de Franz Kafka, tendo me remetido durante a leitura tanto às transformações psicológicas de A Metamorfose como aos labirintos normativos de O Processo.
Não sei exatamente como classificar o livro. É sim um trabalho de fantasia, certamente, mas me parece um pouco vazio querer classificá-lo com o mesmo rótulo de um Tolkien ou George Martin, por exemplo. Ele parte muito mais da nossa própria realidade, adicionando elementos fantásticos em situações pontuais; mesmo assim, não acho também que realismo fantástico seja uma boa classificação – não é a mesma cosia que fazem um Gabriel García Marquez ou Haruki Murakami, afinal. As imagens que me vinham a cabeça durante a leitura eram muito mais as das pinturas de artistas como Salvador Dali e Max Ernst: a fantasia usada não como justificativa de todo o enredo, e nem como ferramenta dele; mas sim como subversão da realidade, formando uma espécie de lente de aumento em que os absurdos da rotina em um escritório se tornam mais claros e evidentes. Por isso, acho que talvez a melhor classificação para ele seja mesmo o de surrealista.
Uma coisa que torna a leitura um tanto maçante, em todo caso, é justamente a forma como essa lente parece se aplicar a praticamente tudo. O TVTropes tem uma denominação própria para isso: Our Dragons Are Different (ou Nossos Dragões São Diferentes); é a tentativa de fazer com que uma coisa familiar e clichê fique subitamente original simplesmente trocando algum elemento dela por outro completamente diferente. Então se dragões normalmente cospem fogo, você irá fazer os seus cuspirem relâmpagos; e se arquivos geralmente são grandes armários repletos de papéis e pastas, você os fará como, hum, um tipo de mamífero exótico em estado de decomposição. VanderMeer faz isso o tempo todo neste livro, e depois de encontrar com besouros-espiões, lesma-elevadores e baratas-revólveres, é difícil se impressionar muito.
É interessante também destacar o trabalho gráfico feito pela editora. Até para dar um pouco mais de volume para uma obra que não é assim tão grande em primeiro lugar, foram adicionadas algumas imagens na abertura de cada segmento, sempre acompanhada de versão em negativo no verso da página. Misturando desenhos das criaturas descritas no livro com colagens de fontes, elas conseguem reforçar bem o clima de estranhamento e surrealismo da história, criando um efeito bem interessante como resultado final. Só a fonte escolhida nestas imagens talvez pudesse ter sido menos exagerada (podem ver ela na capa aí em cima), acho, mas aqui é só o meu designer amador interno dando palpites mesmo.
Em todo caso, A Situação é sim uma leitura bem interessante, que usa a fantasia como forma de nos fazer pensar e refletir sobre o nosso próprio mundo um pouco, além dar alguns sorrisos com algumas piadas de humor negro aqui e ali. Mas bacana mesmo seria ver uma obra como Veniss Undergroud, essa sim mostrando tudo que o autor é capaz de fazer, lançada por aqui.
A Situação (The Situation), de Jeff VanderMeer.
120 páginas, por R$ 32,00 ou R$ 28,80 com frete grátis na loja da editora.