John Kane & O Beijo do Dementador – Parte 2 (Final)

Eu nunca havia sido capaz de invocar um patrono antes.
Como qualquer colegial imberbe sabe hoje em dia, para conjurar esse feitiço é necessário que o bruxo se concentre em um pensamento feliz. Uma única lembrança, ou recordação alegre, basta.
Mas minha vida nunca foi uma aquarela de cores vívidas, nem de contrastes nítidos entre claro e escuro. Apenas uma medíocre escala de cinza, sem grandes emoções. Uma repetição de mil manhãs cinzentas, iguaizinhas a aquela que noticiei o incidente com os Morgan.
Curioso como essa incapacidade emotiva, aos olhos de todos, havia me esquivado da morte certa, mas ao mesmo tempo, causado sérios problemas para minha carreira no departamento.
Após aqueles últimos ataques de violência peculiar por parte dos dementadores, o Potter tornou obrigatório o uso de sinetas-sirene para todo bruxo morando em centros urbanos.
As sinetas-sirene são instrumentos mágicos que se assemelham a pequenos sinos. Mas quando acionadas, seu som, um barulho infernal, se manifesta imediatamente através de sinetas idênticas carregadas por todos os aurores que estejam de patrulha na região. Trouxas, é claro, são incapazes de ouvir esse som. Não sabem como são abençoados por sua ignorância e surdez!
Mapas mágicos, que cada oficial carrega consigo, também são ativados pelo horrível barulho e passam a sinalizar em si mesmos com uma marca luminosa em qual lugar da cidade se encontra a pessoa que pediu socorro.
Fui obrigado eu mesmo a escrever em meus relatórios sobre as duas vezes em que havia de acordo com meu chefe, falhado em atender tais pedidos de ajuda a tempo e portanto, como todos haviam insinuado, mas não haviam ousado dizer em voz alta, fracassado em cumprir meu dever.
A primeira foi o ataque aos Garloff. Eu estava nas redondezas, mas quando havia chegado lá já era tarde demais. Foi o que escrevi. Poderia ter afirmado que o mesmo aconteceu em relação à família Lang, mas a verdade é que eu estava próximo demais ao lugar do ataque para não ter visto nada.
Então relatei o que  presumidamente teria observado. Dezenas e dezenas de dementadores invadindo sua propriedade, uma luxuosa mansão de ar vitoriano.
Poderia ter me aproximado e tentado ajudar os Lang é claro, mas justamente minha inaptidão com o feitiço do patrono, uma das poucas magias realmente eficientes contra um dementador, havia me convencido a ficar ali mesmo aguardando ordens. Eu estava sozinho e não havia reforços.
Com mil raios e trovões! Ninguém nos paga o suficiente para sermos heróis! Está lá no maldito protocolo. “Em caso extremo de risco para vida do auror, evitar agir sozinho.” Fiz tudo dentro das regras. Chamaram-me de covarde, é claro, mas me defendi dizendo que estava apenas seguindo o manual.
Logicamente não coloquei no relatório o que presenciei em seguida. Mesmo que tenha sido de uma distância considerável.
Os Lang lá dentro gritando, apontando suas varinhas em todas as direções, conjurando magias e tentando sobreviver. Em questão de minutos suas vozes emudeceram e os lampejos azuis-prateados reluzindo freneticamente através das janelas abertas apagaram-se. Foram sobrepujados pela vantagem numérica dos vorazes oponentes. A Sra. Lina Lang, morreu de uma maneira grotesca, que prefiro não descrever aqui, estrunchada enquanto certamente tentava aparatar para longe dali.
Mais uma vez não me arrependo de nada. Eram apenas uns sonserinos filhos da mãe e todos sabem que eles tiveram o que bem mereceram. Will e os outros aurores só chegaram um tempo depois. Não havia mais nada a ser feito.
Embora eu não tenha sido punido por isso, minha “falta de ação” foi devidamente repreendida pelo Potter. Imbecil. O cicatriz de raio acha que só porque ele salvou o mundo arcano uma dúzia de vezes tem o direito de bancar o juri e o juíz. Se Williams não tivesse me segurado teria socado sua face, de tal maneira, que ele precisaria comprar uns óculos novos e eu arranjar um novo emprego.
Menos mal.
Foi um momento difícil. Mas alguns dias depois de todo aquele stress, algo mudaria em minha vida. Tudo se tornaria muito diferente, embora tenha começado numa outra manhã cinzenta exatamente igual à de todos os meus outros dias.
Havia acabado de me barbear e preparava a dose diária do enjoativo cacau adocicado, quando, como relatei depois, a sineta teria soado mais uma vez.
Disse que me dirigi de imediato para o local. Supostamente eu estava pronto para o pior.

Era uma casa diminuta e colorida, espremida entre dois arranha-céus. Ninguém precisava ser exatamente um gênio para deduzir que aquela não era uma habitação trouxa.
Soei a campainha e aguardei, impacientemente, que viessem atender.
A porta se abriu com um breve rangido e foi detida por uma pequena corrente presa a um trinco, que a impediu de continuar seu movimento. Pelo vão da abertura entrevi um vulto feminino.
A voz rouca da moça saiu um tanto automática, um misto de cortesia sincera e descaso. Era seu jeito normal de se adereçar as pessoas, algo que descobri apenas mais tarde.
– Olá. Posso ajudá-lo?
– Madame Violinni?
– Sim?
– Inspetor auror John Kane, do ministério da magia.
– Do ministério você diz? Oh… bem, não fique parado aí fora! Entre.
O lugar não era muito grande e era até relativamente simples em relação a fachada exótica. Reinava ordem e limpeza, algo que eu me desacostumara ver após limitar meu espaço de vivência a apartamentos desorganizados como o meu e o de Williams.
Sentia-me um intruso profanando um santuário.
Ela ficou olhando para mim como se esperasse que eu dissesse alguma coisa, o que acabou me obrigando a corresponder aquela expectativa.
– Recebemos um chamado. Está tudo bem?
Ela pareceu confusa.
– Chamado, eu? Não. Eu não realizei nenhum chamado!
– Ora, não entendo. Minha sineta-sirene foi acionada. Não terá sido o seu marido então?
Uma longa e inesperada gargalhada se seguiu a minha pergunta, o que me deixou um pouco constrangido.
– Marido?! Não, não. Eu não sou casada. Meu deus!
– É divorciada? Não é o que consta em nossos registros! Sra. Galatea Violinni e Sr. Harmônio Violinni, rua dos…
– Então o senhor precisa atualizar isso aí! – ela me cortou rispidamente – Harmônio era meu irmão mais velho. Ele e sua mulher não se encontram mais.
– Se mudaram?
– Não. Eles morreram.
– Oh, isso é terrível! Eu sinto muito, não quis…
– Ah, não precisa pedir desculpas, está tudo bem! Foi logo depois da guerra. Eles lutaram do lado errado, sabe? Não foi fácil para eles depois. Cometeram suicídio. Bom, acho que eles tiveram o final que mereceram. Pagaram pelos seus atos. Não é mesmo?
– Bem, eu certamente evito colocar as coisas nesses termos mas…
– Herdei esse lugar. Alguma coisa boa pelo menos veio daquele traste. Sempre fomos muito diferentes. Não é a toa que ele foi pra Sonserina e eu para a Grifinória.
Só então eu percebi meu engano. Aquela era Ária Telmícia Violinni. Lembrava-me perfeitamente dela, dos tempos de colégio. Líder de torcida do time de quadribol grifinório, atleta vencedora seis vezes consecutivas do prêmio de balé relâmpago ginástico-rítmico com salto aéreo, tri-campeã de corrida de vassouras, co-presidente do clube de xadrez mágico e truco-explosivo, redatora do jornal de fofocas “O Bico do Grifo”, chefe de turma, porta-voz, monitora e aluna modelo.
Havia filas de garotos atrás dela, apesar daquele seu jeito agitado, tempestuoso e intimidador. Podia ver o porquê – sua silhueta delicada e magra, os cabelos de um castanho muito escuro, a pele levemente bronzeada.
Era mesmo bonita e, agora que tinha crescido e não estava coberta de hematomas causados pela sua frenética atividade juvenil, isso era muito mais fácil de perceber.
Fiz menção de sair dali e voltar ao meu trabalho. Mas ela não deixou.
– Bom, se está tudo bem eu vou indo. Desculpe pelo transtorno. Deve ter sido um defeito no equipamento.
– Não. Não vá! Não ainda. O chá está quase pronto. Certamente não deixaria uma dama desacompanhada beber tudo sozinha? Deixaria?!
A perspectiva de sorver algo que não fosse chocolate após todo aquele tempo me venceu. Precisava ir embora, mas não resisti. É como se uma força invisível tivesse prendido meus pés a aquele lugar.
Sorri.
– Se não for muito incômodo.
– Claro que não! Vamos, sente-se. E aproveite e me conte algum babado.
Segui ela até a cozinha, onde continuamos a conversa.
– Vejo que continua interessada na vida alheia. Sabe… eu lia aquele jornal! Você tinha um gênio terrível.
– Que maldade! Não tenho culpa se sempre gostei de histórias interessantes.
Ajudei-a com as taças e uma cestas de bolinhos e fomos para a sala, onde nos acomodamos no sofá.
– Eu também lembro do senhor! O Johnny da Lufa-Lufa. O Johnny bobão! Lufa-Lufa, todos daquela casa eram uma piada! Você cresceu hein? Era franzino e desajeitado.
Lembrar daqueles velhos apelidos me magoava, mas ela não parecia estar dizendo aquilo com maldade. Estranhamente a lembrança não me incomodou tanto quanto achei que me incomodaria.
– Cresci para os lados. Ossos do ofício.
Uma sombra de preocupação passou então pelo rosto de Ária.
– Entendi. Os dementadores. A coisa está tão ruim assim?
– Pior. Mas não precisa se apavorar. Nós vamos dar um jeito nisso – falei, esforçando-me ao máximo para parecer tranquilizador e acreditar em minhas próprias palavras.
 

Dizem que o tempo não passa quando você está se divertindo. E aquela tarde na casa de Ária foi, com toda certeza, extremamente divertida. Jogamos muita conversa fora e relembramos muitos eventos em comum pelos quais passamos por nossa juventude. Alguns bons, outros terríveis.
Não acho que duas pessoas tão diferentes como nós poderiam ter chegado sequer à condição de amigos, se tivessem se esbarrado em um outro lugar e em circunstâncias diferentes. Mas naqueles dias sombrios, encontrar alguém que pudesse fazer você sorrir, encontrar alguém que estivesse ali para o ato frugal de compartilhar a mesma bebida quente e fumegante e para segurar uma mão trêmula, encontrar um par de ouvidos que estivesse ali apenas para te escutar, aquilo fazia toda a diferença.
E fez.
Todo aquele meu descuido, toda aquela minha distração, não me permitiram perceber que eles haviam chegado. Não estava certo. Aquelas coisas não deviam estar ali, naquele momento. Mas elas estavam.
Em um instante toda a cor e o calor foram varridos para longe e a casa se transfigurou num cômodo sóbrio e lúgubre. Foi como se o ar congelasse e dessa vez parecia que o tempo havia mesmo parado. Já estava acostumado à sensação. Era natural para mim e estava praticamente imunizado, mas pude sentir que ela, Ária, estava entrando em colapso ao meu lado.
Murchando, esvaindo-se, entregando-se rápido demais.
Alguns entraram pelas janelas, outros desceram pela chaminé. Dezenas de sombras famintas estendendo seus membros escuros e esqueléticos para frente tentando abocanhar uma presa fácil. Mesmo eu nunca tinha visto dementadores tão de perto. Alguns já não usavam o capuz para cobrir sua face hedionda.
Não ousamos olhar para eles, para frente, para o fundo do abismo nas órbitas vazias e negras onde morava apenas a loucura.
Calmamente tomei a mão de minha inesperada companheira e a conduzi para as escadas que levavam ao andar superior, buscando um cômodo onde pudesse nos entrincheirar. Correr e demonstrar exaltação só seria pior, faria com que eles avançassem em nossa direção ainda mais depressa.
As criaturas vieram se arrastando como um vento sombrio pelo estreito corredor. Foram se aproximando pela escada e por uma pequena janela aberta no fim do trajeto, na direção oposta.
De repente, estávamos cercados.  Presos em uma guerra em duas frentes, sem a mínima chance de vitória.
Ainda segurando a mão de Ária, tentei aparatar, mas não consegui. Na certa aquela velha casa que ela herdara de seu irmão estava protegida com alguma espécie de encantamento. O que não tornava as coisas mais fáceis.
Na verdade as coisas não estavam nada bem e para ser bem sincero, eu estava quase desistindo. Parecia natural que tudo fosse terminar daquela maneira, mas é claro, não terminou.
Escutei um grito rouco.
Expecto patronum!
Era Ária, embora estivesse muito pálida ela havia se recobrado e agora uma espécie de ferocidade desesperada havia substituído a repentina apatia anterior.
A luz azul-prata do feitiço que ela conjurou tomou a forma de uma criatura equina, um guardião corpóreo. Permanceu ali, entre nós e os dementadores. Ainda asim, era impossível para ele investir para qualquer um dos lados e atrair as criaturas para longe. Um dos flancos ficaria desprotegido e seria nosso fim.
Pousei a mão sobre aquele fantasma translúcido, a barreira que estava impedindo a horda de horrores de avançar.
O patrono começou logo a perder seu brilho e se prostou ao chão. Estavam se alimentando dele.
– Cavalo? Seu patrono é um cavalo?
– Unicórnio! Ele é um maldito unicórnio! Está bem?!
Senti vontade de rir. Não fazia sentido nenhum, nós prestes a morrer no olho do furacão e eu sentia vontade de rir. Aquela era uma sensação nova para mim. Não, não nova, mas algo que eu nunca verdeiramente me acostumara. Era como se alguém acendesse uma chama, um pouco antes do início de uma tempestade.
– O que está esperando? Conjure um patrono. Podemos vencê-los! Por favor, John, você um auror! Faça alguma coisa!
Havia lágrimas umedecendo meu rosto. Como eu poderia contar a ela? Eu não podia fazer aquilo, pois eu nunca o havia feito antes. Meu instinto era abrir a boca e falar, falar e falar, explicar meticulosamente em detalhes nossa situação, encher seus ouvidos com uma torrente de desculpas. E o que eu iria dizer? Desculpe, eu não sou capaz. Desculpe, todos vocês esperam isso de mim. Um auror, um adulto.  Mas eu simplesmente não sei fazer, não sei.
Desculpe, Ária Telmícia Violinni, garota com nome estranho e musical. Não é a sua hora, mas adeus. Você vai deixar de existir aqui porque eu não consigo ver graça na existência humana. Por que quando eu olho para trás, para meus sonhos, não vejo nada. Absolutamente nada, apenas manhãs cinzas. E o que eram momentos felizes são agora apenas o pó velho de ilusões verdes.
Foi então, naquele exato momento, que ela me abraçou.
Durante aquele desajeitado abraço entendi o que Ária Violinni passara a significar para mim. Ela era o inalcançável, a promessa de uma vida nova que não está limitada por nada. Uma manhã interminável, um amanhã. Um novo sonho em meio a aquele pesadelo sem fim.
Queria sair com ela dali. Queria que ela visse outro dia. Mesmo que eu não fosse vê-lo.
E ao mesmo tempo queria muito poder ver esse outro dia junto dela. Casar, comprar uma casa, ter filhos, netos, cães, gatos, corujas e um carro voador.
Mas acima de tudo, acima de qualquer outra coisa no céu ou na terra, eu queria algo como nunca antes havia desejado.
Eu queria vencer, droga. Eu queria vencer.
 

Estiquei o braço e com um movimento simples e algumas palavras um fluxo contínuo de energia violácea jorrou de um único ponto luminoso e inundou o confinamento. A luz jorrou e jorrou, numa cascata infinita de ondas quentes, se esparramando por todo canto e tomando forma.
Algo se materializou. Algo com asas, escamas, garras e dentes .
O monstro de energia inclinou seu enorme pescoço e soprou em cada direção um único jato de pura radiância.
E as coisas estilhaçaram-se e uivaram e desapareceram saciadas com algo muito maior que podiam conter. Como era mesmo aquele velho ditado?
“Nunca acorde um dragão adormecido”.

Sentados no chão, exaustos, nos escoramos à parede. Trouxe com o meu braço Ária para perto de mim esperando sentir algum calor, mas ela ainda estava fria como um bloco de gelo e um pouco trêmula.
– Fique calma, o pior já passou. Eles foram embora. Isso que está sentindo vai passar logo. Você tem achocolatado lá embaixo na cozinha?
– Tenho.
– Vou preparar um pouco, para nós.
Tentei me levantar, mas ela me segurou e puxou gentilmente pela camisa, aproximando seu rosto do meu.
– Sabe, acho que eu sei de uma coisa que é bem melhor que chocolate.

No pandemônio que era o apartamento de Williams agora eu jazia novamente reclinado no sofá. Enquanto sorvia aquela que era minha terceira dose de bebida, terminava de contar a ele os detalhes do que havia acontecido na casa de Ária.
– Então, é isso o que você ouviu Will! Eu vou me casar. Eu e a Violinni estamos fugindo pra longe dessa bagunça. Não sei para onde exatamente, talvez para algum lugar no campo. Vamos comprar uma casa com uma cerca branca, um jardim cheio de rosas e ter filhos, netos, bisnetos… enfim, esse tipo de coisa. Estou pendurando o distintivo. Que se danem os dementadores, que se dane esse mistério do assassino e que se danem o Kinglsey e o Potter! Chega de toda essa merda pra mim! Você é meu amigo e achei que deveria saber. É isso…
Pousei o copo de bebida e me coloquei de pé. Fui até o banheiro, onde me aliviei um pouco do líquido no meu corpo. No caminho de volta para sala, entulhada de papéis, circulei pelo lugar procurando se não havia deixado alguma coisa para trás.
– Se está tudo certo, eu vou indo. Ária deve estar me esperando.
Apenas quando me virei para ir em direção a porta percebi que Williams já esperava por mim. Ele não estava  mais sentado e absorto em pensamentos, mas também tinha se levantado e agora segurava a sua varinha de uma maneira que denunciava uma leve embriaguez.
Ela estava apontada para mim.
– Maldito seja, John!
– Ora, ora Will. O que significa isso? Vire essa coisa pra lá!
– Foi você! Você é o assassino!
– Mas do que diabos está falando?!
Will mantinha a maldita coisa apotanda para mim o tempo todo e simplesmente não me dava tempo de falar.
– Foi você! Céus, como não percebi antes? Você sempre estava próximo a cena dos crimes. O seu trabalho como auror era o alibi perfeito! Perfeito. Foi um plano engenhoso, eu reconheço. Mas agora terminou. Por favor, entregue-se. Não me obrigue a usar isso! Posso não ter provas ainda mas com certeza você quer se poupar de um interrogátorio! Oh, céus!
Apesar de suas palavras, parecia chocado. A mão tremia. A mão dele tremia o tempo todo.
– Do que está falando Will?!  Por que eu mataria essas pessoas?!
– Não tinha entendido antes. Mas agora veio como um estalo. Você nunca aceitou ser mandado para a Lufa-Lufa não é mesmo? Sempre desejou ir pra Sonserina ao invés disso. Eu conheço você desde criança John, sei bem como pensa! Filho de pais puro-sangue como eu. Com certeza queria ser mandado para lá. Mas ao invés disso se tornou um lufariano e passou a ser menosprezado e ridiculizado por aqueles que, em tese, eram seus iguais. Johnny Bobão! Johnny da Lufa-Lufa! Lembra? Você sempre quis se vingar daquelas ofensas. Estava trabalhando no caso dos dementadores e viu uma chance de conseguir.
Minha voz emergiu da garganta, subindo em volume e tomando um tom de advertência.
– Will! Meu deus, Will! Essa é uma acusação séria! Você não está raciocinando direito hoje! O que aconteceu? Acalme-se homem! Vou servir mais uma dose pra gente.
– Fique parado aí John! Fique parado!
Dei de ombros e trocei da advertência de Will. Fui até o balcão de bebidas onde peguei dois copos. Minha mão alcançou a garrafa que agora se encontrava pela metade.
– OK, Williams eu admito! Sempre quis ser um sonserino. Não entendi por que aquele maldito chapéu me enviou para outra casa. Você tem razão, eu fui ridicularizado por aqueles de minha própria estirpe e sofri. Mas depois eu vi que estava errado. Vi que eu tinha ficado do lado certo! Quando aquilo aconteceu… quando Voldemort aconteceu. Eu estava lá… lutei do lado de vocês. Já se esqueceu do que passamos? As mortes e tudo mais? De como os professores nos usaram de bucha-de-canhão contra os comensais da morte?! Eu sou um do mocinhos certo? Um dos maldito mocinhos! Esse papo de “vingança” é uma idiotice! Abaixe isso!
– É mentira John! Ninguém nos usou. Você sabe, você sabe muito bem, que Minerva McGonnal deu salvo conduto para qualquer um de nós que quisesse sair dali… ninguém foi obrigado a lutar naquela batalha! Ninguém!
– Ninguém foi obrigado a lutar? Ninguém foi obrigado a lutar?! E você por acaso achou mesmo que tivemos escolha? Eramos crianças Will! Apenas crianças, droga! E aí alguém pergunta “E aí pessoal quem quer ser um traidor, hein!? Quem quer entregar nosso queridinho herói para as forças das trevas e fugir com o rabo entre as pernas. Quem vai ser um verme? Quem quer deixar seus amigos e irmãos para trás!?”. Não me parece haver muita escolha nesse caso. Não se você tem um pingo de decência ou um pingo de moral, e além disso…
– Orgulho. Você  ficou por orgulho.
– E se eu tiver ficado? E daí?! Ainda não vejo como…
– Você nunca perdoou os sonserinos pelos tempos de colégio. E você nunca perdoou sua própria covardia. É assim John? Assim que você tentou consertar sua falta de propósito no mundo? Matando outras pessoas? Inocentes?
– Ninguém é inocente Will. Mas eu sou. Dessa sua acusação infundada pelo menos. Acha que eu estou mentindo? Sobre Ária e tudo o que aconteceu?
– Você atraiu os dementadores para a casa de Violinni aquela tarde. Não estava atrás dela, estava atrás do seu irmão, Harmônio Violinni. Não sabia que ele havia morrido após a guerra. Quando ela se distraiu para ir a cozinha buscar chá, você rompeu o seu pacto mágico com as criaturas, com os dementadores. Mas eles se rebelaram, ignoraram seu pedido. E vieram buscar o alimento que havia sido prometido. Não duvido dos seus sentimentos por ela, mas infelizmente o relacionamento de vocês não tem futuro. Você irá para Azkaban.
– Tudo bem, já chega! Isso é um ultraje! Acusar alguém, seu parceiro e ainda mais sem provas! Mas tudo bem, você venceu. Eu venho com você para o maldito interrogatório. Vamos logo com isso.
– Me desculpe, John. Você é meu amigo, mas não posso deixar tudo isso passar em branco.
– Certo. Quem sou eu afinal de contas para ficar no caminho entre você e sua obsessão doentia por prender criminosos e resolver mistérios? É o nosso trabalho afinal! – estiquei meu braço para frente, levantando um dos copos – Um brinde a você, Williams Whisky!
O que aconteceu a seguir foi rápido.
Se alguém estivesse olhando, e tivesse piscado, provavelmente teria perdido toda a ação. O copo cheio que eu segurava saiu voando direto da minha mão em direção a cabeça de Will. Ele imediatamente reagiu com um floreio de sua varinha, atingindo o objeto em cheio com magia, e mandando centenas de cacos de vidro cortantes voando pelo ar.
Meu braço alcançou minha própria varinha e com um rápido saque desarmei o ébrio investigador, com um expelliarmus certeiro.
A varinha nas mãos dele voou para longe. Aproveitei  e me aproximei rapidamente e decidido, atingindo-com um soco preciso no nariz. Williams foi ao chão e permaneceu lá.
Andei calmamente até onde a varinha dele havia caído e me apopriei dela, tomando cuidado para não deixar marcas. Por sorte eu já havia afanado, sem que ele percebesse, sua sineta-sirene que estava sobre uma pilha de jornais e deixado no banheiro. Era uma explicação satisfatória, ao meu ver, de porque ele não havia chamado reforços contra seus futuros oponentes. Não deu tempo.
– É. Melhor colocar isso dentro de algum lugar. Ou eles vão dizer que um auror competente como você poderia muito bem ter se defendido de alguns dementadores.
Após colocar a varinha de Williams dentro de um criado-mudo, me virei novamente a tempo de vê-lo se erguer novamente. Dessa vez nossas posições estavam invertidas. Era eu que segurava o instrumento mágico e o apontava para ele. Mas minha mão, diferentemente daquela de meu amigo, não tremia.
Williams, com seu rosto sangrando, conseguiu se arrastar até o sofá e se sentar. Permanecemos em silêncio durante alguns minutos antes que ele voltasse a falar.
– Como você pretende explicar isso a eles, John? Você não vai escapar dessa!
– Irei sim. Tudo que eu preciso dizer é que vim aqui para conversar com você, trabalhar no caso. Então eu saí para, digamos, comprar cigarros. Quando voltei encontrei seu apartamento revirado, com as marcas de uma batalha. Vou contar para o pessoal do Ministério sua teoria do assassino, sua descoberta. E obviamente irão concluir que foi ele, o próprio assassino, que veio aqui para matar o chefe da investigação. Ele devia saber que alguém do seu naipe logo o descobriria e quis se prevenir. Mas você Williams era um oponente formidável, claro! Revidou. Então, após uma luta dramática, os dementadores chegaram e arrancaram sua alma. Foi uma perda terrível e devastadora para mim, da qual jamais poderia me recuperar. Uma pena. Aproveito para pedir contas e me mudar com a Ária para bem longe daqui. O fim.
– Simples assim?
– Simples assim.
– Quando os assassinatos pararem eles descobrirão o culpado.
– Renovei meu pacto com os dementadores.  Ainda há muitos ataques agendados para os próximos meses e que ocorrerão sem meu envolvimento. Alvos bem diversificados. Quando a ficha do Potter e dos outros finalmente cair não estarei mais dentro do alcance de sua juridição .
O ar começou a esfriar, o tempo a desacelerar e sombras que se moviam em ângulos curiosos começaram a surgir, vindas das janelas, dos corredores e da porta atrás de mim.
– Ah, eles finalmente chegaram! Já estava na hora. Faz alguns minutos que os chamei. Não aguentava mais toda essa conversa. Me desculpe Williams. Não queria que tudo isso tivesse acontecido. Tinha vindo aqui simplesmente para me despedir. Você foi um bom parceiro e o meu melhor amigo. Irei me lembrar de você…
Girei a maçaneta, abrindo a porta do apartamento, a medida que a cor e o calor da habitação se dissipavam abruptamente. Atravessei para fora e voltei a fechá-la, para então poder seguir em direção as escadas.
Engraçado.
Williams poderia ter tentando gritar, pedido por ajuda. Mas tudo que saiu de sua boca, antes que sobre ela se fechasse uma mandíbula gélida e putrefata, foi um gemido.
Um som que eu pude ouvir como um sussurro abafado ecoando na distância, apenas algumas palavras.
Não tenho certeza de quais foram. Mas certamente gosto de pensar que ele disse algo como:
“Parabéns, John. Você venceu!”

Fui até uma loja de conveniência não muito longe dali e pedi para o balconista um maço de cigarros. Ele perguntou qual marca eu queria. Disse que podia ser qualquer uma, menos um daqueles excrementos mentolados. Enquanto ele apanhava na prateleira eu pensava em Ária e no nosso futuro, longe dali.
Quem sabe a África? Sempre quis conhecer os segredos que guardam o continente.
O balconista disse obrigado e volte sempre, mas era algo que obviamente eu não precisava responder. Deixei que ficasse com o troco. Agora estava na hora de voltar para o apartamento de Williams e tocar a sineta-sirene. Esperar que chegassem os reforços e explicar tudo para o Potter. Parecia um bom plano, estava confiante e me senti bastante tranquilo.
Retirei um cigarro do maço, acendi e o coloquei na boca.
Enquanto inalava a fumaça olhei em direção ao horizonte, para o sol que ainda não estava muito alto.
Era uma nova manhã, cheia de cores, em West End.
 
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A imagem que ilustra esse post é de Acácia Almeida (@Daamile) uma garota que tem nome de personagem do Stan Lee. Ela foi toscamente editada por mim. A imagem. Que eu saiba ninguém foi capaz ainda de editar pessoas. Espero.

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4 Resultados

  1. Di Benedetto disse:

    Está aí, a Parte 2. Poderia ter dividido em mais uma parte, já que tem o dobro de tamanho da primeira.
    Mas não o fiz por questões de narrativa. =/
    Quem se aventurar até o fim dela, irá entender meus motivos para isso…
    PS: Já peço desculpas adiantadas por eventuais erros ortográficos, fiz uma revisão apressada. Mas volto novamente ao texto mais tarde. Por enquanto já não aguento mais olhar para ele. XD

  2. Masamune disse:

    Porra, muito foda, nem parece comprido, o cara começa a ler e chega no fim sem perceber.

  3. Luiza disse:

    OMG PLOT TWIST!
    adoro plot twist ç_ç
    ficou muito bom! parece um livro da agata christie que li uma vez, em que o narrador era o assassino no fim das contas. você nunca suspeita de uma coisa dessas XD

  4. Letícia disse:

    Só então eu percebi meu engano. Aquela era Ária Telmícia Violinni. Lembrava-me perfeitamente dela, dos tempos de colégio. “Líder de torcida do time de quadribol grifinório, atleta vencedora seis vezes consecutivas do prêmio de balé relâmpago ginástico-rítmico com salto aéreo, tri-campeã de corrida de vassouras, co-presidente do clube de xadrez mágico e truco-explosivo, redatora do jornal de fofocas “O Bico do Grifo”, chefe de turma, porta-voz, monitora e aluna modelo.”
    Puta que pariu maledetto! UHASUDIAHDUHAUDHUIA

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