– Nós podemos mudar isso? Fará diferença? – o vento não perdoava. Ailan parecia cansada, as espadas gêmeas, belíssimas nas mãos, pesavam.
Trinta mil inimigos rufavam ao longe. Uma horda. A terceira da geração.
– Essa é a sua pergunta? Quer que eu diga o quê? Que esse é nosso papel? Que somos heróis? – Don arremessou o cachimbo longe e fez o cavalo girar meio círculo, a fim de olhar melhor a guerreira a seu lado. Cabelos em fogo, rosto suave. Linda.
– Quero que me diga que não estou aqui por nada. Que doze mil de meus conterrâneos não estão aqui por nada. – o cabelo ruivo brincou nas mechas. Desgraçado. Marechal maldito. Por que estou aqui?
– Não posso dizer isso.
– Não pode?! – explodiu ela. O garanhão que a levava repetiu o eco de raiva nos cascos – Como assim não pode? Você nos trouxe aqui! Você enviou seus embaixadores! Você jurou que deveríamos lutar e destruir essa raça de saqueadores e estupradores! VOCÊ!
– Esse era meu papel. Formar uma força. Juntar espadas, lanças, como quiser chamar. Juntar homens. – Don olhava as fogueiras distantes, onde milhares de pontos amarelos se espalhavam, engolidos pela massa grotesca de soldados que viriam para matá-lo. Perfume. Há perfume nela, mesmo aqui, no campo.
Ailan respirou, imitou a contemplação do Marechal e bombardeou uma vez mais:
- Seus diplomatas eram falaciosos e doces. Você? Você é o gelo. Olha a tudo com esse ar de superioridade. Esse ar de que esconde sabedorias gastas! Besteira! Você está com medo!
– Vi quarenta e nove outonos e dormi com centenas de mulheres, algumas das quais quiseram me matar à noite, ao saber que eu não as faria rainhas. Durmo sabendo de cada filho de nobre e jovem Nilor que deseja meu posto. Claro que tenho medo. Durmo armado, acordo armado e traço planos. Meus tratos no medo.
– Se lutarmos hoje… Venceremos?
– Sim.
– Como pode saber?
– Escolhi o terreno da luta, fazendo parecer que o inimigo escolheu. Sei o que eles farão, sei que o que eles acham que sei e farei o contrário. Paguei espiões e traidores entre eles. Sei onde quebrar o flanco e como.
– E ainda me diz que não sabe que isso vai acabar? – a fúria da mulher agora era surpresa. Quem é você? Um demônio?
– Não vai. Eles virão novamente. E novamente. E estaremos velhos, você e eu. Primeiro, eles se unirão aos poucos e nós os desprezaremos; porque é do feitio dos homens saborear a paz com regalo. Depois, algum novo líder os convocará, nova fome os encorajará e eles caírão, mais uma vez, sobre tudo, furiosos e assustadores.
– Vai me dizer que luta apenas porque só sabe lutar? Que, mesmo sabendo que não há futuro, é justo e importante lutar pela vida? Que é melhor que a morte?
– Não. Não direi essas coisas. Não acredito em nenhuma delas. Não conheço a morte. Como posso saber que ela é pior?
– Então… Por quê? Por que estamos aqui? Doze mil dos meus, dez mil dos seus? Por que, nobre Marechal?
– Quer um sentido para a vida? Os clérigos têm os seus. Eles lhe dirão que os deuses recompensam os corajosos. Que teremos um lugar no mundo futuro, porque somos melhores do que aqueles que fogem.
Aila cuspiu.
– Não preciso de sacerdotes! Quero a verdade! Ao menos a sua, Marechal. Por que está aqui?
– Estou aqui pelo tédio.
As fileiras deles se moveram. Vai começar.
– O quê?! – a atenção de Aila se dividiu. Tochas e estandartes se moviam na força inimiga e a expressão de Don estava mais calma, olhos nos dela.
– Foi o que você ouviu. Tenho ainda outonos pela frente. Ainda não caí em batalha ou em doença. Vejo homens me desafiando e fracassando. Eu vivo pelo tédio. Eu vivo porque sei que ainda vivo e preciso de algo para dar de comer ao tempo. Ainda viverei muitos anos.
– Você… Você não ama… Você não ama nada?
– Amo. Uma coisa. – o olhar dele foi mais fixo sobre o dela, por um instante. Então se desviou, de volta ao mundo da guerra que começaria. Respirou leve, outra vez e concluiu:
– Amo não ter suas dúvidas.
* * *
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