Prossigamos com a tradução da série de artigos do Robert Donoghue sobre desafios de perícias. (Leia o primeiro e segundo artigos que precedem este.)
O desafio contra-ataca
(Artigo original publicado em 17/01/2011)
Se você passar algum tempo projetando monstros na 4e, rapidamente há de descobrir que, enquanto algumas partes do design são bem padronizadas, como pontos de vida e defesas, outras são mais uma arte que uma ciência. Especificamente, habilidades de monstros seguem poucas guias bem definidas, sendo, em vez disso, algo a que se chega mesclando suas idéias com uma visão geral das habilidades de monstros de nível similar.
Isto é importante porque “combatizar” os desafios requer um raciocínio similar. A simples realidade é que todo desafio será um pouco diferente. Sob diversos aspectos, criar um desafio é mais semelhante a criar um monstro (em que os elementos devem ser criados do zero) do que construir um encontro (onde elementos pré-existentes devem ser arranjados de maneira inteligente). Esta pode parecer uma distinção excessivamente detalhista, mas ela é crítica.[1]
Já tomamos alguns dos elementos mais importantes para que façamos os desafios de parecerem mais com combate — ferramentas para cadência, ação e determinação de vitória — mas todos estão sob a perspectiva do agente (nesse caso, os PJs). Para manejar o restante do modelo, precisamos de outras três ferramentas para arredondar as coisas: Seqüência, Situação e Conseqüência.
Em combate, estes são gerenciados pela iniciativa, o grid de batalha, as várias ações e ataques de monstros. Idealmente, queremos alguma equivalência com estas idéias (porque são familiares e confortáveis para os jogadores), mas não precisamos aderir tão estritamente ao ponto de nelas tropeçar.
Seqüência é o mais fácil de se tirar do caminho: iniciativa é um conceito muito flexível, uma vez que, no frigir dos ovos, é apenas a ordem em que as coisas ocorrem. Então, existem basicamente 3 possíveis modelos aqui:
1. Role iniciativa normalmente (possivelmente para cada elemento do desafio);
2. Toda a mesa age, e então o desafio o faz;
3. O desafio age após a ação de cada jogador.
São bem auto-explicativos, especialmente o fato de o número 3 ser muito mais perigoso pela óptica do jogador. Não vou discutir muito isto no momento porque penso que este é o elemento mais fácil de se lidar, mas pode também ser o mais “situacional”. De qualquer maneira, não faria sentido até termos o restante do modelo no lugar.
Situação, por outro lado, é bem crítica. Em combate, o mapa serve como uma resposta passiva para muitas questões importantes. Sim, há alcance e contagem de quadrados e coisa assim, mas há coisas mais abrangentes sobre a situação, como quem está em jogo, ou que áreas são ameaçadas (e por quais ameaças). Provavelmente não queiramos um grid de batalha litaral, mas ao mesmo tempo, queremos prover suficiente informação sobre o ambiente para deixar as coisas claras para os jogadores. Isto sugere que um modelo mais abstrato, como um diagrama ou modelo de card games pode ser útil.
Por últimos, conseqüências são possivelmente a parte mais sutil de todas, em parte por causa de seu papel. Enquanto estamos alinhando seqüência e iniciativa, estamos na verdade melhorando as conseqüências. Conseqüências de combate são geralmente limitadas a pontos de vida e morte.[2] Em um desafio, as conseqüências têm alcance muito maior. Certamente a saúde e segurança dos personagens pode estar em risco, mas muitos desafios hão de ameaçar coisas bem diferentes. O que quer que o desafio ameace, deve haver uma forma de expressar isto, provavelmente com a erosão de algum tipo moeda (pontos de vida são um exemplo disto). Então isto introduz dois problemas: representar a moeda em risco e então representar como ameaçá-la (o que quer dizer, como causar-lhe dano).
Então o próximo é esmiuçar estes elementos, e averiguar como lidar com eles.
1- Este é também um pensamento um tanto prematuro desta idéia. Se isto ganhar tração e uso, e houver um corpo substancial de exemplos de referência (semelhante a um livro dos monstros), então a dinâmica há de mudar, uma vez que desafios podem ser construídos a partir de vários “problemas” que foram utilizados e documentados.
2- Condições/status ocupam um nicho interessante aqui, visto que são conseqüências, mas apenas no sentido de um intervalo muito curto. Elas não são tiradas do combate, ainda que possam ter um impacto profundo no resultado da luta. Curiosamente, isto está mais para um elemento de situação — uma condição não é uma peça de geografia, mas seu impacto no combate é muito similar. Elas forçam decisões e conduzem a direção da ação. Penso que há um lugar para condições (e seus equivalentes) nos desafios, mas por este motivo penso que pertencem à esfera das situações, não da das conseqüências. Dito isto, jogos como Mouse Guard fizeram um ótimo trabalho em ilustrar maneiras de lidar com condições de longa duração, mas acredito que isto esteja um pouco distante do que pretendemos aqui.
Fim da tradução
É interessante a sugestão de um “livro dos monstros” composto de elementos problemáticos que servem de partes para a construção de um desafio/encontro. Isto supera dois problemas que vejo nos sistemas unificados de conflito. O primeiro é a possível falta de variedade — não só a mecânica, mas também a dinâmica, de um desafio diplomático é indistinguível da de uma luta de espadas. O segundo: se adicionamos diferenças mecânicas de modo a contornar o problema anterior, colocamos a praticidade de nosso sistema/produto em risco. Ou criamos um constructo mecânico distinto para cada elemento possível — o que gera um sistema pesado — ou operamos ajustes mais sutis e reorganizamos partes pré-existentes de maneiras inesperadas — que requerem um bom conhecimento de princípios de design para serem funcionais, o que não devemos exigir do consumidor (ele comprou o produto para jogar).
Se além das fórmulas para a construção de problemas o livro traz diversos exemplos funcionais — i.e. testados um suficiente número de vezes por um suficiente número de grupos –, remove-se a maior parte da carga dos ombros do usuário. Se o grupo estiver disposto a se ater ao tema proposto pelo jogo (imagina-se que sim; caso contrário, teria adquirido outro título), a grande maioria dos elementos de que necessitará para a construção dos desafios de alguma forma conectados ao tema já estará pronta. Em caso negativo, recorre às fórmulas fornecidas e baliza o ajuste fino com base em algum elemento pré-existente que seja semelhante — não é o ideal, mas é uma enorme melhoria em relação a construir do zero.
Isto leva às últimas conseqüências um dos bordões da 4E: “uma regra simples, várias exceções”. À medida que descascamos as mecânicas até chegar a seus princípios de funcionamento — cadência, progresso, seqüência… –, mais próximos chegamos de um sistema realmente genérico e universal. Sobre essa base, adicionamos elementos sobre aquelas partes que o jogo visa a enfatizar — no caso do D&D 4E, o combate. O restante do sistema usa apenas o esqueleto resumido desta mecânica — cada sucesso em um desafio de perícia nada mais é que um hit — jogada de dano e acerto são uma só.
Caso se tenha uma mecânica geral de conflito, não precisamos recorrer a um sub-sistema para cada situação: cada situação é, efetivamente, um “monstro” que interage com o sistema unificado. Se se quer adicionar uma nova situação, não é preciso fragmentar o sistema em sub-sistemas — basta criar o “monstro” específico. Uma equação, diversas variáveis: usa-se sempre a mesma mecânica, mas cada uso se dá sob condições distintas.