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Combatendo a situação

Este artigo inicia a tradução de uma série de textos publicada por Rob Donoghue em seu blogue. Donoghue é um designer de jogos que trabalhou em títulos como Spirit of the Century (Evil Hat, 2006; a matriz do FATE 3.0), World of Darkness Mirrors (White Wolf, 2010), Leverage: the Roleplaying Game (Margaret Weis Production, 2010), Supernatural: Guide to the Hunted (Margaret Weis Production, 2010), além de também ter sido contribuidor do Dungeon Master’s Guide 2 (Wizards of the Coast, 2009).
Nestes textos — começaremos logo com os dois primeiros, Situação — O Problema e Combatendo a situação — Donoghue se propõe a repensar a implementação de uma das boas idéias do D&D 4a. edição — os skill challenges. Em sistemas como o FATE, não existe um sub-sistema dedicado ao combate — uma negociação, uma campanha para sujar o nome da marca de uma empresa ou um tiroteio usam uma mesma moldura mecânica de conflito. Assim, rumos de ação não-violentos tornam-se mecanicamente tão viáveis e interessantes quanto o combate.
A 4a. edição do D&D também traz um sub-sistema para conflitos de não-combate — os já citados skill challenges –, que, como os demais entes do “modo narrativo” deste título, são separados e distantes da mecânica usada para resolver os combates.
Donoghue parte do seguinte raciocínio: e se combates e skill challenges fossem mais próximos?

Situação — o problema

(Artigo original publicado em 12 de janeiro de 2011.)
Tudo começou quando @sarahdarkmagic levantou uma questão inócua no twitter: como mestrar a invasão de um castelo na 4e. Especificamente, o problema era que fazer disto um skill challenge não resultava no clima satisfatório, rápido e cheio de escaramuças, abatendo guardas e coisas assim. Posso argumentar que se pode fazer isto com um skill challenge, mas admito que é difícil. Fazer com que os skill challenges tenham um clima dinâmico é um truque por si, e um que não é fácil dominar. Quando você adiciona combate, as coisas se complicam ainda mais, uma vez que o mundo do combate e o das perícias na 4e são de fato distantes.
Um número de ótimas sugestões foi proposto, incluindo a incorporação de encontros diários e de encontro no desafio para conceder bônus (sempre uma boa prática), mas fiquei pensando na natureza deste problema específico e sobre como eu gostaria que as coisas acontecessem se eu fosse o jogador. Pensei em termos de jogos de computador de stealth, como Thief e Splinter Cell, em que o jogo é como uma montagem de badassness. Você espreita o guarda, encontra uma forma inteligente de contornar uma complicação, e então acaba com ele.
Em termos práticos, este é um encontro em miniatura — oposição + alguma virada interessante. E logo de saída, isto revela muito do que torna as coisas difíceis para o mestre. Enquanto este mini-encontro pode ter menos partes móveis que um grande, é ainda doloroso de projetar. O trabalho real no design de encontros não é preencher os detalhes, mas gerar um gancho que faça tal encontro se destacar. Criar uma seqüência destes seria trabalho o suficiente, e ter de fazê-lo para um único equivalente de desafio de perícia (centrado em apenas um jogador, ainda por cima!) é trabalho demais para o retorno que traz.[1]
Então você precisa cortar as beiradas. Limar o número de encontros. Talvez reutilizar alguns truques. E então se bate em outro problema, como de fato usar isso no jogo. Sim, você poderia fazê-lo puramente centrado em perícias, mas a realidade é que nosso jogador quer apunhalar alguns guardas (ou torcer seus pescoços, ou algo igualmente dramático). Isto demanda lutas rápidas e brutais. Sem problema, parece um trabalho para os Minions, certo?
Bem, não. O problema é que se você usar minions, os guardas deixam de ser uma ameaça crível. Por que se preocupar em ser furtivo quando se pode matar esses caras com uma bola de papel atirada com força? Mas se você os faz oponentes completos, então a coisa toda vai levar tempo demais. Você pode pensar em fazê-lo com oponentes de nível mais baixo, mas mesmo um inimigo de nível 1 pode ter 20 e poucos PVs, e é bem possível que este seja o número errado[2], para não falar do quão desinteressante é usar oponentes fracotes assim.
Então precisamos de alguma maneira para sintonizar os inimigos mais finamente do que fazemos agora, e foi isto que me fez pensar que talvez estejamos abordando o problema ao contrário. É isto que abordarei a seguir.
1- A menos que você também jogue vídeo-games de stealth e possui uma biblioteca mental de situações para roubar e modificar-lhes a aparência. Se for o caso, ótimo.
2- Dito isto, aqui está um truque sujo que funciona apenas com ladinos armados com adagas ou shuriken. O dano real destas armas é trivial, rapidamente sobrepujado por seus bônus de sneak attack. Para eles, descubra o dano mínimo de um ataque (todos os bônus +1 para um 1 na rolagem) e adicione 4 a isto. Este é seu número perfeito de PVs. O oponente vai provavelmente sobreviver a um ataque inicial que não seja furtivo, mas quase certamente morrerá se for.

Combatendo a situação

(Artigo original publicado em 13 de janeiro de 2011.)
O que são pontos de vida? [Hit points, “pontos de acerto” no original]
Historicamente, foram uma medida de saúde e resistência, mas com o tempo (da mesma forma que a classe de armadura), ficaram mais e mais abstratos até que restaram apenas resquícios incongruentes (como amarrá-los à constituição) e uma simples realidade: eles são um mecanismo de cadenciamento [pacing]. Eles medem quanto tempo algo permanece lutando, o que por sua vez é uma medida de duração de cena. Se você precisa de provas, veja como os monstros foram mudados no Monster Manual 3 — a mudança nos pontos de vida não ocorreu em virtude de os monstros terem sido escritos saudáveis demais, mas para resolver problemas de cadenciamento.
Na verdade, você poderia se safar ao realmente simplificar os pontos de vida, apenas registrando o número de “acertos” que um monstro sofreu ao longo do combate. Acerte-o com um ataque básico ou um at-will, ou cause algum dano contínuo real, é um acerto. Acerte-o com um poder de encontro e são dois acertos. Diário, três. Agressores em sua maioria fazem um acerto a mais. Simples, sim, mas tal luta seria virtualmente idêntica a uma normal na perspectiva do jogador (excetuando algum tipo de nerd matemático que registra o dano de todos o tempo todo), desde que o número de acertos feitos fosse próximo daquele que ocorre em um combate padrão. Os jogadores ainda registrariam o dano (porque, ei, eles podem), mas o mestre poderia ajustar a dificuldade das lutas mais facilmente com este sistema.[1]
O problema é que os jogadores não aceitariam isto. Nós gostamos de rolar dano. Uma das verdades mais bem estabelecidas do D&D é que a rolagem para acertar e a de dano são coisas separadas. “Margem de Sucesso” é uma destas idéias que podem se arraigar em outros jogos, mas que não têm lar no D&D. Há os críticos, e são legais, e um ou dois talentos que podem cruzar um pouco a linha, mas na maioria das vezes, os dados de dano são as estrelas. Um ótimo acerto pode causar dano ruim, ou um ataque pífio pode explodir tudo. É uma dessas coisas que fazem o D&D ser D&D.
Acredito ser esta a inversão de que precisamos. O instinto é o de expandir o escopo dos skill challenges, tirar vantagem de sua estrutura pois isto é intelectualmente estimulante, mas penso que isto está distante do que realmente empolga as pessoas em relação ao D&D. Queremos acertar as coisas com um machado e rolar dano: porque não podemos resolver todos os nossos problemas assim?
O que quer dizer, por que não dar literalmente pontos de vida aos desafios, e deixar que as perícias rolem dano?
Isto soa louco à primeira vista, eu sei, mas é um modelo surpreendentemente funcional. É óbvio que você deverá chamá-los de outra coisa que não Pontos de Vida — chamemos de Pontos de Situação, ou PS — e o dano pode ser algo como “Progresso”, mas todos reconhecemos uma rolagem de dano quando vemos uma.
Então aquele guarda ali? Ele é um desafio de 20 PS. Cada vez que você o sobrepuja com furtividade, você causa dano (desculpe, “faz progresso”) àqueles pontos. Uma regra rápida: perícias sem treinamento causam dano igual a d6 + Mod. habilidade + 1/2 nível. As treinadas causam 1d8, treinado mais Foco em Perícia, d10. Fácil. O personagem furtivo do grupo vai mastigar esse desafio em dois tempos, mas se ele falhar, o guarda é ativado, mas seus pontos de vida são baseados nos PS restantes (o que adicionalmente permite as pequenas escaramuças de que falamos). Este é um exemplo, mas é fácil ver outros, com o uso de perícias sendo livremente intercambiável com ataques reais quando apropriado,  em que se pode pensar na dificuldade de testes de perícia como uma defesa: você não rola apenas para evitar a tempestade, você rola para derrotá-la (o que quer dizer manter o controle da situação. Os jogadores podem não ser mais proativos nestas situações, mas eles se sentirão como sendo.
Isto, obviamente, requer uma reconsideração um tanto drástica de como estes encontros são construídos e orçados, mas tenho confiança de que isto pode ser feito, e mais, isto pode ser feito de uma maneira que se mantém dentro das regras e espírito da 4e. Mais sobre isto amanhã.
1- Ao fazê-lo, o mestre teria efetivamente transformado as lutas em desafios de perícia. O modelo de “acertos” é essencialmente o mesmo no âmago.

Fim da tradução

“Se mantém dentro das regras e espírito da 4e” — este me parece um dos pontos mais interessantes. Não por qualquer simpatia especial em relação ao D&D em si (muito pesado em partes que não me interessam), mas por se tratar de um sistema geral de conflitos no contexto de um RPG tradicional — que tem foco e modelo mecânico diferente dos vistos em um FATE, PDQ ou Mouse Guard da vida. Isto já foi feito no Mutants & Masterminds, mas este caso requer o equivalente a uma “segunda ficha” de combate — sem falar que o M&M não usa duas coisas que vemos na maioria dos sistemas, pontos de vida e pontos de experiência.
Este “dano de perícia” pode ser facilmente entendido como margem de sucesso — mecanicamente relevante. Na maioria dos casos, vencer a dificuldade com uma margem folgada apenas dá cor à descrição (“você tocou a alaúde muito bem“), mas benefício mecânico irrisório ou nulo. O efeito real é o mesmo visto nas jogadas de ataque — sim/não. O “quanto” dos ataques é função da jogada de dano, dissociada da margem de sucesso do ataque — bastante semelhante ao dado do dragão do Dragon Age (que pode ser visto como uma “jogada de dano embutida no ataque”, algo possível de fazer com 3d6, mas não com um d20).

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