“Seu mago é como a Magikarpa, exceto que em vez do Gyarados, ele evoluiu para o Mewtwo.”
– DivineDragoonKain, Usuário do fórum de RPG de mesa do GameFAQs
“Como se fosse culpa NOSSA você ter escolhido uma classe incapaz de fazer tudo.”
– Vaarsuvius, Order of the Stick
Classes de combate recebem poder conforme ganham níveis a uma taxa linear. Usuários de magia ganham poder conforme avançam de nível quadraticamente.
Uma peculiariedade em alguns sistemas de RPGs de mesa e eletrônicos compartilham é que classes combatentes são mais versáteis e poderosas que conjuradores em níveis mais baixos. Contudo, a tendência se reverte em níveis mais altos, quando os usuários de magia ganham uma vantagem tanto de poder bruto quanto de versatilidade sobre os combatentes.
O texto segue descrevendo o que isto poderia representar na ficção — um guerreiro, como um atleta profissional, está em melhor forma que um veterano, que, apesar de mais experiente, já não tem mais 20 anos — e que razões poderiam levar os projetistas a querer fazer as coisas desta forma.
São citados exemplos do trope em ação em diversas mídias (como o vídeo cômico Angel Summoner & BMX Bandit), com a maioria dos casos ocorrendo em vídeo-games e — claro — no Dungeons & Dragons, com direito a exemplos que traduzo a seguir. Em certa altura da continuação do artigo D&D 4a. edição, incompreendido, é abordado o mérito do equilíbrio — em que parto do pressuposto de que, no D&D, classes conjuradoras (mago, clérigo, druida) são mecanicamente desequilibradas em relação às demais. Os exemplos traduzidos visam a ilustrar situações de uso em que as capacidades dos conjuradores lhes permitem um grau de controle desproporcional sobre a ação do jogo.
Para a tradução.
Guerreiros Lineares Magos Quadráticos: Tabletop Games: D&D
Alguns RPGs de mesa, como Dungeons & Dragons, sofrem disto. O D&D, particularmente, assume a curiosa afetação de que, em uma típica aventura de dungeon crawl, combatentes são mais eficientes que magos em níveis baixos, mas o oposto é verdadeiro em níveis mais altos. O nome do trope se refere a isto em termos matemáticos: combatentes são lineares (y = 2x) em termos de crescimento de poder, mas magos são quadráticos (y = x^2), o que quer dizer que antes de atingir um certo nível (neste caso 2), guerreiros são mais poderosos… mas a cada nível posterior, magos se tornam quadraticamente mais fortes. O ponto preciso em que magos sobrepujam os guerreiros é entre os níveis 1o. (quando aprendem Color Spray) e 5o. (quando aprendem Fireball e Haste), dependendo de para quem você perguntar.
- Os “feitiços ótimos” de baixo nível como Color Spray e Sleep com frequência possuem limitadores que os fazem inúteis em níveis mais altos. Fireball, aliás, em virtude da inflação dos hit points ao longo dos anos, não é mais tão boa assim. Haste sempre foi um feitiço que todos utilizavam até a edição 3.5.
- O projeto de equilíbrio inicial supunha que magos possuem um número limitado de magias por dia, ao passo que combatentes podem golpear com sua espada o dia todo. Não funcionou muito bem (“Vamos descansar para o mago recuperar suas magias!”)
- “Equilíbrio” deveria estar entre aspas no parágrafo anterior. A TSR, e Gygax em especial, tinham uma tendência a defender algumas das mais bizarras decisões de regras com o mantra “equilíbrio de jogo equilíbrio de jogo”, mas permanece o fato de que eles não reconheceriam equilíbrio de jogo nem mesmo se fossem antingidos na cabeça por ele. Se o problema é “esta classe se torna muito poderosa em níveis mais altos”, a “solução” “então vamos matá-los antes que eles cheguem a níveis altos” piora o equilíbrio. (…)
- Há bastantes monstros que são taticamente eficazes contra o mago. Monstros que agarram e/ou criam áreas de silêncio são exemplos visíveis. Ainda, um bom mestre sempre há de encontrar formas de fazer o mago queimar seus melhores feitiços e ainda ser obrigado a continuar lutando (se se está preso em uma enorme masmorra, descansar nem sempre é uma opção).
- Exceto, claro, até o mago aprender a criar dimensões de bolso quando necessário. O mestre precisa praticamente reescrever o jogo de modo a desafiar o mago.
- Outro fator de equilíbrio é a quantidade de trabalho que um mago requer. Em níveis mais altos, o jogador deve preparar 40 ou mais magias por dia (na tentativa de antecipar o que será necessário), construir o personagem de modo resguardar suas muitas fragilidades (e deve estar sempre taticamente consciente delas) e deve aprender por tentativa e erro que magias funcionam melhor em que monstros.
- Outro fator de equilíbrio são os encontros aleatórios. Eles são efetivamente uma penalização por perder tempo. Um bom mestre manterá as coisas andando, e rolará encontros aleatórios se o grupo fica constantemente parando para descansar.
- A coisa mais astuta que o jogador do mago pode fazer é preparar seu personagem. Os personagens estão em uma situação de vida ou morte. Faz sentido usar cada recurso ao máximo para poder sobreviver. Assim, os jogadores tomarão medidas para evitar encontros aleatórios, como fazer barricadas nas portas, usar dimensões de bolso. À medida que o mago sobe de nível, sua habilidade de evitar encontros aleatórios [secure shelter, guards and wards, magnificent mansion… N.T.] aumenta quadraticamente, então o problema permanece.
- O suplemento Tome of Battle: Book of Nine Swords atende àqueles que preferem seus combatentes mais sobre-humanos. As classes do Tome of Battle tiveram aceitação fragmentada, muitos jogadores parecem achar que são um passo na direção certa, mas uma minoria vocal as vê como “coisa de Cavaleiro do Zodíaco” ou não viam nada de errado com o equilíbrio dos combatentes em comparação ao CoDzilla ou magos em primeiro lugar.
- Em um refinamento adicional do trope, as edições 3.0 e 3.5 o transformaram em Guerreiros Lineares, Magos Quadráticos, Clérigos Geométricos. Clérigos e Druidas em particular levaram à criação do termo “CoDzilla” (Cleric-or-Druid-zilla), como quando um powergamer, só de olhar a classe, já vê características de classe mais poderosas que outras classes inteiras.
- Um exemplo notável é o clérigo de Holy Word. É um feitiço que permite paralisar qualquer coisa cinco níveis abaixo de seu nível de conjurador, normalmente o nível da classe, sem teste de resistência (ou matar qualquer coisa com 10 níveis a menos que você, mas paralisia = morte, de qualquer maneira). Apenas com os livros básicos, o clérigo pode conseguir um bônus de +6 em seu nível de conjurador, então qualquer coisa que não tenha mais de dois níveis acima do clérigo será paralisado por tempo o suficiente para ser morto. Com outros livros, pode-se especializar e chegar a um bônus tão alto quanto +35 ao nível de conjurador, o que se significa que seu clérigo pode matar qualquer coisas em alcance auditivo que não tenha 40 níveis a mais que você. Nada sobreviveria. (Por sorte, o mestre pode contornar isto com inimigos de alinhamento bom (…))
- Isto é menos culpa de uma falha em uma regra específica do que uma decisão de design. Feitiços de níveis altos frequentemente não oferecem chance de evitá-los. É por isto que originalmente a Resistência à Magia foi incluída: certas criaturas poderosas podiam resistir os novos feitiços irresistíveis. Claro que um feitiço que temporariamente reduz a RM de uma criatura logo foi desenvolvido…
- Outra decisão de design estranha foi dar ao clérigo acesso a armaduras pesadas e a maioria dos escudo. Isto, combinado a dois talentos (Persistent Spell e Divine Metamagic: Persist Spell) e um item (o Nightstick, geralmente em múltiplos[1]), permite ao clérigo, ao custo de um slot de magia por dia, ser tão eficaz quanto o guerreiro no corpo-a-corpo enquanto TAMBÉM é capaz de invocar poder divino quase ilimitado.
[1] Nightstick é um bastão (rod) do suplemento Libris Mortis que concede ao clérigo 4 usos adicionais de sua habilidade turn/rebuke undead. (N.T.)
- Druidas são outro exemplo, capazes de combinar o devastador talento Natural Spell com suas formas animais, permitindo-lhes uma presença corpo-a-corpo no patamar dos combatentes mais fortes sem perder seu poder de conjuração. Pior, em níveis mais altos eles podem mudar de forma diversas vezes ao dia; transforme-se em uma águia, chova raios e fogo sobre o inimigo a uma distância segura, pouse, transforme-se em um urso atroz, entre no corpo-a-corpo… tudo isto enquanto seu companheiro animal está ocupado em fazer o trabalho do guerreiro.
- Como contraponto… especialmente nos níveis mais altos, muitos antagonistas são imunes a certos tipos de magia, ou têm resistência à magia colossalmente alta, trazendo frustração aos conjuradores. Mesmo levando em conta resistência a dano, contudo, poucas coisas são imunes a punhaladas… Só estou dizendo.
- Evitado na 4a. edição, que define “poderes marciais” ao lado de “poderes arcanos” e “poderes divinos” — os tipos combatentes recebem habilidades mais poderosas conforme avançam de nível, e equilíbrio foi um objetivo principal. Houve muitas reclamações de que o jogo não era mais D&D ou que se tornou um vídeo-game de papel. Conforme visto em seus desenhos animados, a Wizards não pensa muito das pessoas que fazem este tipo de reclamação. Como de costume, min-maxers fizeram o que fazem melhor e encontraram os quebradores de jogo.
- Uma parte chave disto é o fato de a 4E prover uma progressão de poder padronizada ao longo dos níveis para todas as classes, e que todas as classes avançam à mesma taxa (isto já era verdadeiro na 3a. edição, mas vale enfatizar novamente). Desconsideradas características de classe ou raça, todo personagem de 5o. nível, por exemplo, terá dois at-will de 1o. nível, um encounter de 1o. e um de 3o. nível, um daily de 1o. e um de 5o. nível, e um utility de 2o. nível, ponto. Ainda, os efeitos da maioria dos poderes individuais permanecem majoritariamente fixos em vez de se tornarem automaticamente mais poderosos conforme o personagem avança de nível, como costumava ser o caso das magias em edições anteriores; as exceções são principalmente habilidades de classe que não podem ser trocadas por outros poderes ao longo da carreira do personagem como é possível com os “poderes” padrão, e o fato de que o dano de ataques at-will — que, diferentemente dos poderes por encontro e diários, são recebidos apenas no 1o. nível — finalmente dobra no 21o. (!) nível de modo a mantê-los competitivos.
- O cenário Dark Sun da 2a. edição resolveu o problema de maneira interessante — combatentes de nível alto atraem seguidores de maneira similar ao talento “Liderança” da 3.5, enquanto magos são temidos e odiados por todos graças ao fato de que a magia arcana em Dark Sun suga a vida de tudo em torno do conjurador, e é por isto que o mundo é um deserto improdutivo.
- Na verdade, esta era uma regra básica no AD&D e não limitada apenas a Dark Sun. Infelizmente, era com frequência ignorada, pois requeria que o personagem possuísse um forte.
- A intenção original do D&D era que o homem comum era um Lutador e que seria mais poderoso em níveis baixos, mas alguém que praticava magia (um Clérigo ou Magic-User) teria de fazer sacrifícios nos níveis baixos para se tornar mais poderosos nos elevados. Mas isto era equilibrado novamente pelo fato de guerreiros serem os únicos capazes de usar espadas mágicas. A maioria (60%+) das espadas mágicas eram inteligentes e carregavam poderes especiais similares a feitiços. Como o guerreiro era o único capaz de empunhar uma, as encontradas nos tesouros acabavam em suas mãos. As habilidades limitadas similares à magia compensavam a carência de magias do próprio guerreiro.
- Não nos esqueçamos de que os Fighting Men progrediam a uma taxa mais rápida que a dos Magic-Users, e do valor de um para um que o tesouro tinha na mecânica de XP . Ainda, era geralmente aceito que itens mágicos de utilidade arrecadavam um valor de XP de aproximadamente metade de seu valor.
- A diferença na progressão de XP foi, posteriormente (3.0+), considerada ineficaz, principalmente pelo fato de os designers de jogo terem aprendido matemática básica e senso comum. Eles se deram conta de que, dado o mesmo valor de XP, o mago estava, na melhor das hipóteses, um nível atrás do guerreiro, e mais tarde acaba por progredir mais rápido.
Fim da tradução
A saber: nenhum das versões “atuais” do D&D 3E — Pathfinder RPG na gringa, Tormenta RPG em terras tupiniquins — foi capaz de resolver completamente este problema de design. Por aderirem à “retrocompatibilidade” (que ainda requer, em ambos os casos, trabalho de conversão), operaram no sistema melhorias que se resumem majoritariamente ao campo cosmético. (Ou mudanças que de fato têm praticidade de uso como meta, mas que escorregam em alguma interação de regras imprevista.)
No Pathfinder — você encontra aqui um resumo das mudanças —, algumas magias podem ter sido um pouco enfraquecidas, e as classes não-conjuradoras podem ter ganho mais habilidades — mas ainda são habilidades lineares, e as magias não deixaram de ser quadráticas.
Já no Tormenta RPG, algumas magias podem ter sido enfraquecidas (como dano fixo da bola de fogo, mas que recebe um acréscimo de + 1/2 nível), mas o leque de opções continua o mesmo. O guerreiro acaba prejudicado com a redução dos itens mágicos (seu único acesso a efeitos exóticos), o que alegadamente é equilibrado pelo ajuste de nível das raças (que pode suprir a falta em termos de bônus brutos, mas não de habilidades exóticas). (Você até pode criar um qaren/meio-gênio guerreiro e ter acesso ao vôo e às magias de nível 0, mas desperdiça outros benefícios da raça como a redução no preço de magias quando pedidas por alguém e o alto bônus de Carisma — este último pode ser bem aproveitado pelo Swashbuckler e seu nebuloso nicho “guerreiro-ladino-monge”).
Os conjuradores são ainda auxiliados novamente pelo sistema com o fim da resistência à magia e dos ataques de oportunidade (que efetivamente adicionavam um custo/risco ao uso de recursos poderosos como magias e pergaminhos em combate). Os guerreiros mantêm seu BBA alto, mas perdem o principal benefício disto, os ataques extras por uma ação total (única expressão respeitável de dano do guerreiro — e que melhorava imensamente as chances do guerreiro baseado em acertos decisivos). Claro que eles recebem um bônus de 1/2 nível ao dano — mas este é associado ao nível, não ao BBA, logo, todas as classes recebem o mesmo benefício (conjuradores inclusos, que, em contrapartida, mantêm a enorme envergadura em termos de versatilidade).
Sobre se/por que equilíbio é desejável, proteção de nicho, e quais seus efeitos esperados na atividade do jogo, iste é assunto da segunda parte do artigo sobre D&D 4E (que deveria se chamar “considerações sobre a história do design do D&D“).
E deixando de lado a 4E, que mudanças você faria para de fato remediar o desequilíbrio entre conjuradores e “a ralé” no D&D 3E/d20 System?