Há mais coisas entre a Chuva Encarnada e o Dragão Véi do que sonha o teu papo de boteco, Severina! E eu atravesso a rua sempre teimando em lembrar que “mão” é um conceito abstrato e que “carro” é um troço concreto. Para evitar a estripulia de um atropelamento. Meu amigão, o RPG Brasileiro, faz igualzinho!
2010 voou. Passou por cima das nossas cabeças e está dando um tchauzinho pra todo mundo, enquanto volta pro disco voador. 2010 foi a nossa Xuxa. Todo mundo adorou ver as paquitas, mas vai falar mal um dia, quando ficar velho. Enquanto isso, o compadre RPG tirou o dia de hoje pra me contar suas felicidades e suas mazelas. Eu, como tenho vocação de garçom nessa parte, topei ceder o ombro.
A primeira parte foi só de choramingo. RPGzão reclama que anda sem tempo, desde que casou com a D. Diz que ficou sério, que tem que ser mais profissional por causa da penca de filhos e que a responsabilidade agora está pesando na cabeça. Reclamou demais do imposto, da lei, da dureza de se manter no emprego. Lembrou, cheio de saudade cega, dos tempos bons, quando não tinha tanta regra, quando tudo era preto no branco, quando tudo que tinha que fazer era sair com a gurizada e acordar no dia seguinte sem pretensão alguma.
– Sou um cara das antigas, velho. Oldschool, saca?
Saco. Paguei a primeira rodada de cerveja. RPGzito sempre jura que vai acerta comigo na segunda. Do mesmo jeito que jura parar com o saudosismo. Aprendi a respeitar. Até que dá umas ideias boas.
Depois veio o jogo-do-contente. O cabra começou a se gabar das escapadas, dizendo que esse ano andou aí saindo de novo com a menina nova, gaúcha, bonitona, de apelido engraçado. “Ela tem livros divertidos” conta ele. Olhando a foto, deu pra sentir a simpatia. Pelo que ele me conta, parece uma guria teimosa, querendo ganhar espaço. Andaram fazendo muita coisa, os dois. Ele jura que foram 14 vezes, só com ela. ‘Tá esquentando.
Aí fala das pretensões. Andou pulando a cerca com mais uma (meio de sete luas), deu uns beijos noutra novata, metida a punk/retrô. Mas, com essas, até agora… nada. É um mulherengo, esse Brasileiro. E esperançoso.
Mas RPG é aquele tipo de sujeito que não pára o papo antes da vodka. Lá fomos nós. Paguei a mais barata e mandei o dono da birosca botar água. Pra evitar eu ter que carregar o bebum pra casa.
E continuou, contando dos planos pra 2011, falando de como anda todo-todo, de como nunca foi tão fodástico apesar dos aperreios. Mudou a conversa. Disse que tem que ter calma, que vai testando pra ver “qual é”. Que o segredo da vida é ir sem aperreio, ganhando terreno devagarzinho, sem alardear a vantagem aos inimigos. É um poeta. Medroso, mas poeta.
Da minha parte fiquei pensando… 21 vezes ao todo, em aventuras diferentes. O ano rendeu pro cara. Ou não. Parece sexo na terceira idade: você se gaba quando dá a quarta… no mês. Mas, como diz a minha mãe, RPGzão Brasileiro é novo! Tem o quê? 30, 33 anos…?
Somos gentis com os amigos. A gente tem que ser. Tem que dar corda, dizer que vai dar certo. Até ficar quieto pra não dar uma de pai demais. Amigo é aquele que vê a merda e diz “você é uma degraça, mas #euri!”. Amigo é aquele que torce para que as gabações sejam verdadeiras, pelo bem do outro. E que acredita, sempre, que o sujeito é tão pegador quanto ele conta e quanto a mãe dele acha. É parte do processo.
2010 voou mesmo e meu camarada aqui amadureceu umas pitangas. Falta lembrar dos outros, falta saber que ele só cresce mesmo, pra valer, se conseguir ficar mais conhecido pelo trabalho do que pelas cagadas, do que pelas festas do ano. Lembrar que tem que gastar dinheiro pra se promover, pra ganhar dinheiro. Lembrar que tem que fazer mais amigos, porque os antigos envelhecem e vão cuidar da vida.
Mas o cara melhorou, vai. Hoje ele até consegue tirar uma grana, pagar as contas das namoradas (a esposa? Também, claro. Dela, não sei se eu tenho pena ou raiva. Ela é meio lenta. A criatura ficou de fazer umas traduções pra mim, mas todo ano atrasa. Da última demorou seis anos, a maldita. Peguei uma raivinha, mas ainda gosto dela, no sério. Quando faz, capricha. Só que sou mais amigo do Brasileiro do que do casal, nesse caso. Solidariedade masculina, talvez).
Pensando melhor, foi um ano longo, de muita, muita coisa engatilhando. Eu quero ver o resultado, mais pra frente. Vamos torcer. Por enquanto, deixa eu levar RPGzito pra casa, que não teve jeito. Bebeu todas, hoje. De novo.