Malpetrim não foi o mapa mais complexo que já produzi. Outros haviam ganhado tal posto antes, e o trabalho que veio a seguir – Valkaria – certamente merece o título, de longe. Porém Malpetrim é um dos mapas mais prazerosos que já tive de fazer. Como em todos os trabalhos, eu demorei bastante tempo lendo e pensando sobre como deveria fazer seu traçado urbano, antes de realmente pegar lápis, pincéis e tintas.
Não trago aqui uma descrição extensa sobre a cidade, o texto de Caldela já se encarrega disto, e muito bem. Ao invés, gostaria de compartilhar algumas particularidades do mapa e, quem sabe, trazer algumas idéias divertidas sobre o local.
Primeiro, falemos dos portões. Claro que o público conhece – ou conhecerá bem – o portão principal e o famigerado portão sudeste. Restaria falar um pouco dos portões norte e nordeste. Ambos sempre foram portões mais caseiros, por assim dizer. Sua principal função era prover um acesso mais rápido a algumas fazendas e aldeotas no campo próximo. Posso, no entanto, destacar o portão nordeste como sendo uma espécie de entrada de serviço da aristocracia local. Em momentos difíceis este portão é muito bem guardado e, a qualquer dia, o que passar por ele será rapidamente relatado aos ouvidos certos.
E já que falei do portão nordeste, não há como deixar de lado esta parte rica da cidade, as Granjas dos Armadores.
O nome explica bastante sua origem e função: os armadores enriquecidos de Malpetrim começaram a comprar terras e granjas que lhes servissem de casas de campo, onde poderiam descansar da correria dos estaleiros. Com o passar do tempo estas granjas viraram uma mistura de mansões de campo e depósitos secundários dos estaleiros, enquanto outras personagens, que também compõe a elite de Malpetrim, compraram terras e formalizaram o bairro. É uma área muito bonita para um passeio de cabriolé, mas a felicidade não reina em cada mansão. Muitas, arrisco dizer, escondem mais crimes que os becos do porto.
Há um riacho cortando a cidade, é verdade. Ele não consta nos mapas de Petrynia e, do ponto de vista planetário, é absolutamente insignificante. Como serpenteia desde os lados do Planalto dos Kobolds, e de fato possui águas bem azuis (ao menos são azuis enquanto cruzam as Granjas dos Armadores, mas bastante poluídas quando chegam à primeira ponte, ainda nas Granjas. A Ponte das Lágrimas), eu decidi chamá-lo de riacho Cobalto. A propósito, a ponte das lágrimas nunca foi considerada uma grande obra de engenharia e permaneceu sem identidade, até que foi batizada como “das Lágrimas” por Henrique Souza, paladino de Lena. Ou após a passagem deste e Cyrandur Wallas pela cidade… há quem diga que deixaram algumas donzelas chorosas.
Algumas ruas de Malpetrim foram calçadas com pedras (em alguns trechos com tijolos de cerâmica!) e formam uma vala única, no meio da rua. Estas ruas mais modernas são as que ligam os portões principal e sudeste, o centro da cidade e a zona portuária. As outras zonas, mesmo as mais abastadas, são ligadas por estradas de barro. E é precisamente quando começa o calçamento de pedras que o riacho Cobalto entra em um canal a céu aberto, para logo sumir em uma galeria subterrânea que recebe algum esgoto e deságua em cinco manilhas de pedra, no porto.
E, vejam só… chegamos ao porto. Talvez seja bom explicar um pouco sobre como funcionam os portos e ancoradouros, antes de enveredar nesta área.
Quase toda orla é, do ponto de vista das embarcações de médio e grande porte, rasa. Mesmo que se construa um cais (algo como um calçadão elevado), é preciso escavar o fundo desta orla, para formar os leitos das embarcações. Não é impossível, mas requer muitos cuidados e tecnologia.
Então o que é mais comum é acrescentar alguns píeres ao cais. O píer é um tablado que avança até pontos mais fundos da orla, sustentado por pilares que também servem como pontos de atracação. Muitos barcos sequer chegam a atracar, bastando lançar âncoras numa Área de Fundeio. As áreas de fundeio são locais abrigados das correntes mais fortes, com profundidade apropriada ao calado das embarcações, e com espaço suficiente para que os navios girem livremente no eixo da âncora sem colidirem entre si. A saber: navios que lançam duas âncoras, uma de cada lado da proa, diminuem bastante este raio de deslocamento. Barcos na área de fundeio ainda podem carregar e descarregar, fazendo uso de botes e escaleres.
O porto de Malpetrim é justamente deste tipo… uma ou duas zonas de fundeio, um cais ao qual podem atracar os escaleres e que serve de ligação para vários píeres com espaços para atracação de barcos maiores. É pontilhado de armazéns, depósitos, casebres de pescadores e estivadores, numa miríade que se estende por algumas ruas e vielas.
E tem a rua das bengalinhas. Ah, sim… toda cidade grande tem uma rua como essas, uma rua estreita e tortuosa, às vezes mal iluminada, sempre mal afamada, próxima de alguma zona de grande movimento, como os portos e estações. Um local para alimentar os vícios e aliviar as bolsas dos mais distraídos. Onde as sarjetas possuem mais personalidade, com cheiro de vômito, fezes, bebida fermentada e um pouco de sangue. Ruas de gritos agudos e conversas abafadas e certamente um lugar muito menos alegre do que a piada de seu nome pode sugerir.
Por uma pequena confusão minha, enquanto terminava o arquivo final do mapa, a rua das bengalinhas talvez não venha a aparecer na publicação. Mas acreditem, ela sempre esteve lá. Eu já decidira sua existência bem antes de pegar o papel para traçar o primeiro esboço de Malpetrim.
E é claro que as moças da rua das Bengalinhas não estão sozinhas, na grande Malpetrim. Escondidas em lugares menos lúgubres existem casas bastante suspeitas. Até mesmo nas Granjas dos Armadores há uma mansão muito bem cuidada, reservada aos clientes da elite. Dizem que algumas escravas são mantidas na mansão e que o jugo dos minotauros não é nada perto disso.
Finalmente, gostaria de falar um pouco sobre as três figuras que compõem a borda do mapa, respondendo a uma pergunta do Tiago Ribeiro.
A figura de baixo é um dragonete marinho. O tipo de problema que não é muito estranho ao povo da região. As outras duas figuras não são exatamente, ou nem sempre são, ameaças. Mas todas as três remetem aos antigos estilos das aventuras fantásticas, como algumas velhas imagens de Porto Areia Negra. É uma maneira minha de traçar uma ligação entre Malpetrim e esta tradição de aventuras e aventureiros, um espírito dentro do qual ela certamente foi criada, há uns bons anos.
E por hoje é só, pessoal. Aqui está o mapa de Malpetrim, num tamanho um pouco maior do que o disponibilizado pela jambo. Estou em Petrópolis para o fim-de-ano, sem meu computador e foi graças ao socorro do Marco Morte que pude ajeitar a imagem neste tamanho. Para visualizarem-no em tamanho verdadeiro, por favor cliquem com o botão direito sobre a imagem e mandem abrir noutra janela.