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A outra resposta

Aprendi alfabetos impossíveis de escrever ao mesmo tempo em que me vi diante da necessidade de tecer proteções à minha sanidade. Sou um arcano e, como tal, mal posso descrever a quem está a minha volta a dimensão real da magia. Por quê? Porque é justamente na construção pessoal que essas coisas se realizam. O dom incomum da arte mágica é, mais do que tudo, uma experiência de metamorfose. Não ensino regras simplórias em minha escola. Ensino os passos e as consequências desta transcendência fragmentada.

Os demais se inquietam diante do meu silêncio. Inquietam-se porque não reagi ao som das armaduras e das lanças metálicas à minha porta. As forças de Tapista cercaram a Cidade, mudando o amplo jogo de forças que se descontina na antiga Arton. Mas mudaram mesmo? Mudaram o quê? Retiraram o bom rei de seu lugar e elegeram seu Imperador como “o” Imperador? Encheram de soldados as ruas e praças, espalharam sua lei, esclareceram a todos a quem pertece o poder e o direito de vergá-lo? Olho novamente o quadro…

Os fios da Dádiva são mais claros no pôr-do-sol. Uma visão restrita aos que alcançaram um grau alto e enervante no Oculto. Meus mais célebres alunos têm vislumbres da força mágica, fluindo da Grande Senhora e espalhando-se pelas mentes abertas de quem capta os sinais. Mas eu posso ver clara e cotidianamente o fluxo. E ele é enervante porque lembra a quantidade vasta de saber e de mudança que está além do observador. Falam do meu poder e ignoram o quanto a magia ainda reserva a quem deseja e se dedica a conhecer.

Tapista é o que vemos. Além dele e de sua raça prodigiosa de criaturas há forças que não estão visíveis, abertas ou fáceis. Forças que migram e que testemunham a fé mortal e seu pacto com as mais antigas entidades deste mundo. Cada ação, cada reação, cada vontade e cada crença envolvidas nesta guerra dizem algo sobre o Além da Cortina. Os demais se perguntam sobre o meu desinteresse no conflito e eu pergunto ‘como interferir no que não conhecemos e como tocar as cordas frágeis de uma trama que ainda está sendo tecida?’

Quando os comuns entenderem que magia vai além do que resultados, quando entenderem que a arte de que falo e que ensino é uma arte de mudança, de transições… Ah, talvez aí e só aí entendam o quanto as guerras são fundamentais. Vocês vem sofrimento, morte e tristeza… E esquecem que essas coisas são parte do conjunto vasto e pouco conhecido de um enredo ainda maior. Minha ‘neutralidade’ não é uma posição política diante das Guerras Táuricas. Ela é, em verdade, meu conselho de observador: vejo uma pedra lançada no lago. Ela produzirá pequenas ondas, mas não é nada diante de tantas e tantas outras e não é nada se pensarmos a grandeza das margens.

Os demais não olham o inimigo real. Não olham e não querem ver o real perigo que a Tempestade anuncia. A Tormenta, no absurdo de sua existência é, no fim, a real seca deste lago-mundo. O meu silêncio diante das lanças e das armaduras à minha porta tem sua melhor resposta aqui. Observo o Caos gorgorejante do Pesadelo Rubro e me lembro de como os elos do destino amarram de fato as pequenas guerras humanas à luta verdadeira. Estamos perto da verdade. Perto demais para nos deter e nos preocupar com conflitos de armas.

A Academia prepara jovens dispostos a dominar a Visão e lidar com o Poder. Mas o mais apto dos púpilos desta casa ainda não está pronto para fazer ambas as coisas. De tal forma que fecharei as minhas portas e os protegerei deles mesmos. Ainda não é a hora da mudança da maioria destes jovens. Só eu, que cruzei a seara intrincada deste aprendizado posso aceitar esta dura responsabilidade de tolher as liberdades dos que ainda não Viram. Guerras, forças, medos, sangue e terror… coisas para mais tarde. Para os que podem lidar com o fato de que a magia é, mais do que tudo, uma respiração serena antes do grito.

– Carta do Grão-Mestre Talude a Inomus Roz, Alto-Mago do Horizonte.

 

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