4 – Corpo Docente
Descendo escadarias ocultas por uma passagem secreta da Torre D’Zilla, Maurice Maudit meditava sobre as opções que fizera. Aceitara o convite do Arcano Decano para compartilhar seu conhecimento com os alunos do Liceu, apesar de que ele mesmo muitas vezes gostaria de não ter aquele conhecimento pesando sobre seus ombros. Mas D’Zilla era perfeitamente capaz de defender-se e a seus alunos do tipo de consequência que sua linha de trabalho costumava trazer. Por duas vezes virou bruscamente para deparar-se apenas com formas ondulantes projetadas na parede pela iluminação bruxuleante das tochas, meras sombras inofensivas.
Ou não.
Chegou a um minúsculo recinto atulhado de quinquilharias, pilhas e montes de objetos cuidadosamente escolhidos por sua inutilidade ou aparência repelente. Alguém que porventura chegasse até aquele ponto seria levado a crer que encontrara apenas um depósito de velharias. Aproximando-se do que parecia uma feia moldura de madeira que mantinha ainda um caco velho de espelho, Maudit tocou na superfície refletiva cinco vezes em um ritmo preciso, e o espelho brilhou levemente, expandindo-se como um líquido até ocupar novamente toda a moldura.
Dando um passo para dentro do espelho, o demonologista desapareceu dentro dele, e a moldura rapidamente voltou a ostentar apenas seu velho e poeirento caco de espelho.
Do outro lado, um salão bem mais amplo estava contudo igualmente atulhado. O laboratório secreto do Liceu era usado algumas vezes para reuniões como aquela, mas via de regra seu principal ocupante era a menos provável criatura que se imaginaria aliada a um arcano em Arton.
— Sckirr! – chamou Maudit – Onde você se enfiou, goblin?
— No meu trabalho, Maurice, onde mais? – respondeu a voz roufenha da criaturinha, apontando a cabeça por entre um maquinismo de aparência canhestra – Estamos prestes a fazer um avanço muito importante aqui.
— Sei, sei… estamos prestes a fazer uma reunião aqui, se você estiver lembrado. D’Zilla e os outros não devem tardar.
De fato, os outros professores do Liceu TecnoMágico logo se uniram a eles no laboratório. Conduzindo os outros a uma sala anexa ao salão principal, mobiliada com uma mesa e cadeiras para todos, D’Zilla ocupou a cadeira à cabeceira e aguardou todos se sentarem.
— Vou direto ao ponto: pretendo iniciar a fase Dois.
Protestos imediatamente partiram de todos os seus colegas. A Qareen Dasrhyid, mais exaltada, até mesmo levantou-se e expressou suas objeções com as mãos espalmadas sobre a mesa.
— Por mais que deseje, D’Zilla, não estamos prontos para isso! O material ainda não tem as qualidades mínimas necessárias!
— Na verdade não sabemos disso! – contrapôs Sckirr – Teríamos que fazer mais testes, mas só temos mas um fragmento em nosso estoque de matéria vermelha. Com a Academia Arcana pagando tão alto por qualquer amostra, temos tido pouca chance de obter mais.
— Se tudo correr bem, é o que pretendo fazer. – explicou D’Zilla – Meu antigo grupo virá ter comigo para uma missão de resgate, e calculo que haja grandes chances de tal missão envolver a Tormenta de alguma forma. Até uma incursão periférica nos trará grandes vantagens, e subsídios para o prosseguimento do trabalho.
— É possível passarmos à próxima etapa com algum sucesso, mas há grandes chances de comprometermos os resultados futuros. – acrescentou Tanezul, a lefou de origem élfica – Sua tolice vai apenas alertar o inimigo para nossa existência e estratégia.
— Há muitos combatendo e incursionando na Tormenta hoje em dia. Uma operação a mais não se destacará tanto assim! – arrazoou Maudit, comedido – O fato é que temos feito progressos em uma taxa muito pequena. Concordo com D’Zilla, precisamos dar o passo seguinte logo, ou então corremos o risco de jamais fazê-lo.
— Temos uma posição clara, então, três a favor e dois contra. Mas não estou descartando a opinião das vozes contrárias. Por isso passei no cofre e trouxe… isso.
De dentro do manto, um fragmento de matéria vermelha, uma ponta de uma garra lefeu, foi retirado e colocado sobre a mesa, dentro de uma bandeja de cristal heféstio. A todos parecia que aquele simples pedaço do horror que era a Tormenta poderia a qualquer instante expandir-se e atacar a todos ali dentro. Mas estava simplesmente parada no centro da bandeja.
Ou não.
— Sckirr, uma barra da Amostra Sete, por favor.
Estendendo a pequena barra de metal azulado, do tamanho de um dedo humano, o goblin acompanhou (como todos na sala) a experiência com a respiração presa. D’Zilla apenas colocou a barra de A7 na bandeja, em contato com a matéria vermelha.
A7 pareceu reagir à presença da substância aberrante. A princípio com uma ligeira mudança de cor, esbranquiçando na extremidade em contato, e em seguida tornando-se como que líquida, escorrendo sobre a matéria vermelha e envolvendo-a. A ponta de garra pareceu também deformar-se, projetando espinhos e presas, e logo fumaça emanou da bandeja sob as amostras.
Quando a fumaça parou de subir, a Amostra 7 estava sozinha na bandeja, praticamente de volta à sua forma original, com uma pequena área chamuscada ao redor do ponto onde a matéria vermelha estava. Matéria da qual não havia o menor vestígio.
— Não sei se isso chega a ser prova suficiente.
— Nem eu, Tanezul. – concordou o próprio D’Zilla – Ordinariamente eu teria que concordar com a cautela que você e Dasrhyid aconselham. Mas se não fizermos a opção agora, ela será tomada de nossas mãos, é assim que penso. Eu e Sckirr temos trabalho a fazer, o restante está dispensado.
Rapidamente Maudit e os outros dispensados se retiraram do laboratório, deixando apenas D’Zilla e o goblin engenhoqueiro trabalhando. Grandes e grossas lâminas do A7 foram sendo posicionadas ao redor das forjas e das ferramentas exóticas, a maior parte delas criadas ali mesmo.
— Vai precisar tirar a armadura, D’Z. – disse Sckirr, apontando o peito blindado do arcano – Você reparou, naturalmente…
— Que parte da A7 foi destruída também. Sim, Sckirr, eu vi. O material ainda não está pronto, Dasrhyid tem razão… mas se não arriscarmos agora, nunca estará!