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Esboços, planos e problemas: coisas de mercado?

Hora dessas, o Jaime Daniel da D3 Store e das bandas da Terra do Nunca, lançou uma proposta divertida: colocar blogueiros para, em mais uma investida safada, pensar a coisa do mercado de RPG no Brasil.
O Nume Finório, nosso amigo comedor de miojo com queijo aqui do .20, está trabalhando, nesse exato momento, em um post para atender ao convite do JD. Logo, logo você vai ver o resultado. Mas, enquanto a coisa não sai, decidi passar a perna nele e pitaquear um pouco, para não perder os costumes bandidos.
Nem mesmo fui convidado para a brincadeira, vejam bem, e, ainda assim, não resisti. Mercado de RPG? Aaahn, o quanto esse tema travesso tem nos movimentado, não?
A primeira coisa que me vem a mente nesse assunto é a tal procura desenfreada dos “dados”. Publicações, tiragens, vendas, lucros, percentuais… Aí está um gigantesco cofre cheio de segredos… A informação empresarial do ramo anda mais misteriosa que pêlo de freira. Mais oculta que caixa dois. Mais importante do que sexo antes do casamento.
É culpa das empresas? É nada. Você sabe: se uma editora divulga um balanço ruim o produto corre o risco de vender menos. Se falam muito de um “fracasso” comercial, implantam na mente do consumidor geral a ideia de que qualquer coisa parecida não vai funcionar. As pessoas tem uma tendência maluca de comprar aquilo que outros comprarm e de rejeitar o diferente – até o diferente cruzar a linha do “distinto”, do “cult”, do “eu quero isso para ser melhor do que a massa”. Paradoxos velhos da máquina.
Vamos pensar um instante no que temos. Jambô e Devir. Duas empresas detentoras dos direitos de publicação de algumas das maiores linhas de produtos internacionais. De dois anos para cá a movimentação estranha do mercado gringo, com o fim da “era d20”, acertou o Brasil de um jeito engraçado: a folga um tanto quanto paralisante do “sistema único” foi, lentamente, sacudida pela noção do “e agora?”. Vivenciamos um processo quebrado de adaptação.
Depois de oito anos sob o escudo OGL os mercados criativos (que estavam vivos, mas bem debaixo da gritaria dos d20nteiros) sairam de uma letargia ainda bambos. A Devir, rápida no gatilho como empresa antiga que é, se agarrou a nova edição de D&D e cuidou bem para que sua vinda tapasse os buracos reinantes. Ainda tem feito isso, lutando, com sucesso, contra a reação negativa inicial e gerando uma oferta forte – que, para quem não sabe, precisa vir antes da demanda ou não se tem mercado. Chegou mesmo a sacrificar outras linhas (GURPS?) e outras possibilidades para manter o foco – que só tem sido dividido, sem muito equilíbrio, com a linha do novo Mundo das Trevas (aparentemente, mais um luta pessoal de MC Zanini, editora responsável pela linha, do que um compromisso empresarial-institucional). Já a Jambô, nova, mas animadinha, detentora de marcas “alternativas” e com um jogo de cintura inegável, cuidou de trazer Mutantes & Malfeitores, na caça de um público composto por (ouso arriscar) 40% de fãs do jogo gringo e 60% de curiosos-compradores-de-novidades. Antes mesmo disso, já havia fincado aqui um dos cenários mais interessantes e inovadores (IMHO ou achoeu) da vida lá fora: Os Reinos de Ferro. Traçou a rota com 3D&T a partir de um contato autoral-pessoal (Marcelo Cassaro-Guilherme Svaldi) bem próprio de muitos negócios mundo afora e reavivou um público-amigo das antigas. Mas, nos dois últimos casos, não pareceu bem capaz de gerar demanda (RdF sofreu com a demora da tradução de um livro fundamental e agora sofre com vários abandonos: tanto o fim da 3.5 como do cancelamento da linha lá fora e 3D&T Alpha tem sido mantido pelos fãs).
2009 e 2010 parecem funcionar, seguindo a metáfora predileta dos psicólogos de esquina, como um tempo de retomada e reavaliação. Podemos usar uma imagem mais fílmica: o soldado vendo o resto da companhia morta pelo último tiroteio. Ele olha os bolsos, conta a munição, conta os inimigos ainda vivos e olha pra ver se ainda tem os dois braços e as duas pernas. Aí ou ele atira ou chora, dependendo do resultado dos cálculos.
Guardadas as devidas proporções e as devidas ironias, o “mercado nacional” – ou, como prefiro pensar hoje, a comunidade produtora e consumidora relacionada a essas duas empresas – está fazendo as contas. Mas, como no Iraque, as coisas ainda continuam agitadas ao redor do comando. A pirataria tem colocado um problema dramático para os produtores: quando o público consumidor cresce até determinado ponto, ele atrai um público consumidor de pirataria. Quando o produto assume um lugar fixo no conhecimento geral, ele se torna facilmente copiado e distribuido. Em um primeiro momento, me arrisco a dizer que esse é um dano previsto hoje. Mas, com o passar do tempo, com a expansão maior do segundo público em relação aos pagantes, a coisa fica feia. A comunidade compradora ainda continua existindo mas, não demora para que se torne uma comunidade parcialmente consumidora; seletiva com relação ao que consumir e ao que piratear.
A saída recente tem sido uma já mencionada prática de aproximação dos públicos e estabelecimento de uma ética de consumo. Uma forma de garantir um mercado mínimo. Fóruns, listas, comunidades virtuais e blogs tem se construído em torno dessa dinâmica de fortalecimento e manutenção do consumo legal, legalmente falando. A própria blogosfera tem aparecido, no meio do puxa-puxa entre piratarias e empresas, como um mundo dividido: blogs “respeitáveis” e blogs “semeadores do pirata” (sendo os segundos conhecidos, visitados mas raramente mencionados – parte de um trato quase silencioso de todos).
As perguntas atuais são: que sistemas são capazes de agradar ao público envelhecido e chato dos veteranos? Que canais podem ser usados para atrair o público jovem e/ou leigo para as mesas de RPG, mas, mais especialmente, para dentro da “comunidade de consumo”? Até onde a venda de material virtual pode se tornar viável em uma internet viciada no freemium? Como lidar com os altos custos de produção gráfica brasileiros e ainda fornecer material de qualidade e barato?
Nos EUA, a mecânica parece se alinhar ainda em torno de produtos de consumo contínuo (como o próprio D&D). As pequenas e médias empresas do ramo ainda parecem se valer de uma estratégia comercial frutífera: sistemas que criam dependência de materiais (como cards, miniaturas, suplementos, etc). Mas elas contam com uma cultura consumidora diferente; pautada em mercado maior e há mais tempo acostumado a pagar pelo serviço alheio. No Brasil a coisa fica ainda mais enrolada, já que este é um país onde mesmo os usuários do sistema de consumo contínuo (e talvez até mais eles do que outros) se valem da pirataria ou da simples prática de ler o livro dos mestres pagadores. Como as empresas locais, funcionando sobre todos os custos relativos a manutenção de um empreendimento legal podem competir com isso?
Não é novidade que não temos respostas fáceis. Tanto quanto não é proibido fazer perguntas mais afiadas: o papel dos blogs, na formação dessa comunidade de consumo se cumpre? Ao produzir material e incentivar a criatividade geral, nós estamos alimentando um mercado ou pensando o RPG de forma cada vez menos comercial? Os gastos publicitários e as estratégias de criação de novos públicos, por parte das empresas ligadas ao RPG, tem sido significativos? Você ouve falar de RPG além desta blogosfera? O usuário típico de internet tem alguma coisa a ver com o jogador de RPG que compra livros? Existem materiais de peso, diferentes de RPG, mas que sirvam como iniciação para ele, hoje?
O bom 2010 traz estratégias novas. Pela primeira vez, em anos, vi livros de D&D expostos com destaque em uma livraria Saraiva. A Devir passa a distribuir o livro básico de D&D em bancas. A Jambô, em meio a publicação de romances (ainda aparentemente presos ao público RPGista) e livros-jogos, anuncia Tormenta RPG como um escape semi-tardio para os órfãos nacionais da 3.5 – uma linha perfeitamente amparada por uma subcomunidade consumidora felizmente apaixonada. Mas quais os próximos passos para agregar a vontade de comprar RPG? Sabemos o tamanho desse público? Podemos estimar, vagamente, a densidade deles pensando nas lojas “semi-especializadas”, mas é justo também perguntar se a existência de lojas do tipo não é um sintoma da dificuldade em ampliar o mesmo público.
O mais difícil de tudo isso, acredito, é o fato de que RPG é um trabalho de criatividade. Como tal, é bem difícil de ser “domado”, já que 80% de quem o consome também o “produz”, de forma artesanal, em sua mesa. A sorte potencial do “mercado” é que um livro bonito, com ilustrações coloridas, vale mais do que quatrocentas páginas bacanas e gratuitas para o desejo humano comum. E, nesse ponto, nessa toca da vontade bruta, mora um hobbit comercial que precisa, urgentemente, ser sacudido.

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