Podemos identificar duas vertentes de crítica mais comumente direcionadas contra o RPG. A mais visível é aquela que fala de laços entre RPG e “satanismo”/culto ao “demônio,” etc. Esta é de teor tão ridículo que sequer vale a pena refutar — críticas de supersticiosos, incapazes de distinguir realidade de fantasia, só surtem efeito entre aqueles tão tolos quanto, e não deveríamos sequer levar a sério. Mas existe uma segunda vertente de críticas, esta não confinada exclusivamente aos círculos dos malucos sobrenaturalistas, que fala de violência. Dizem que RPGs contam com presença demasiada de violência, e até que nosso hobby incentiva isto. Sabem o que é mais assustador? Nesse ponto, nossos críticos estão cobertos de razão.
Há uma enquete no fórum da Jambô que se propõe a discutir o assunto, e o ponto de partida, acredito, revela um bocadinho a respeito do tratamento da violência em RPGs. A pergunta, e as respostas possíveis, são as seguintes:
O que seu personagem costuma fazer com seus inimigos?
Atacá-los até a morte!
Derrotá-los e humilhá-los!
Perdoá-los e ensiná-los a serem pessoas melhores!
Me parece um maniqueísmo um pouco preocupante. Dois extremos: ou seu personagem é um sujeito horrível — assassino psicopata ou apenas “levemente” sádico — ou é uma Madre Teresa. Tudo bem que é fantasia, mas mundos fantásticos funcionam apenas na base de extremos? Cadê a opção que representa decisões de verdade, tomadas por pessoas a partir de uma ética crível?
A pergunta que faço é: onde está a opção neutra? Aquela que diz algo como “Neutralizá-lo com algum plano criativo e sem precisar recorrer à violência?” Ou então “Criar um plano para evitar o embate, contornando-o de alguma maneira?” Pois é, não há. Por que será? Eu arrisco uma hipótese — não estamos acostumados a proceder desta maneira em jogos de RPG.
O culpado é o D&D (e seus descendentes diretos), claro
É outro dos casos que parece perseguição, mas não é. Como já vimos, jogos que, a despeito da intenção temática, seguem o modelo de regras do D&D (foco em combate detalhado, listas e mais listas de armas e magias violentas, etc.) acabam por se transformar em um D&D com roupas diferentes (ou você nunca viu aqueles jogos pavorosos de Vampiro com Brujah de Força 5, Armas Brancas (Katana de prata, claro) 5 e diversos pontos em Potência e Celeridade?). Isto, em si, não é problema — nos últimos anos, designers de jogos estão mais espertos e não costumam mais cometer esse tipo de erro. Mas nem por isso o D&D deixa de ter culpa em se tratando do excesso de violência nos jogos. Por quê?
É a maneira como o sistema é construído — o layout das mecânicas, por si, conduz ao combate (nada de errado aqui, é premissa do gênero) mas, uma vez dentro dele, as regras novamente pressionam na direção de combate letal:
– Todo o maniqueísmo cansado desse jogo (e seus descendentes diretos, friso novamente) não serve outro propósito que não etiquetar NPCs com “mate-me” e “não me mate” — somos ainda brindados com espécies inteiras que, mesmo sendo inteligentes, são mostros*, são maus, e podem, portanto, ser mortos sem problema. Ou seja, uma desumanização oportuna que visa a jogar setores inteiros pro abate.
– A abstração dos Hit Points, por sua vez, faz com que seja fácil ignorar o fato de que, quando sua espada acerta, pele, músculos e vasos sanguíneos são rompidos em uma bagunça bastante nauseante.
– Dano não-letal? Boa sorte! O sistema dificulta tal coisa, impondo redutores. E se eu agarrar e imobilizar o oponente? Bem, me avise se conseguir sobreviver à leitura das regras de agarrar.
*Aqui há outro ponto sem relação com esta discussão, mas vale ressaltar: aqui o jogo apela para outro traço nada nobre, a xenofobia — o monstro, o diferente, o alienígena é sempre visto como uma coisa totalmente indigna de consideração e que deve ser morta.
No fim das contas, acaba sendo mais fácil matar o oponente logo de uma vez. A ação mais simples do jogo é “eu ataco.” E a comodidade leva à escolha de tal rumo — eu mesmo fazia muito isso quando jogava d20. E nunca vi problema, na época — RPG “sempre foi assim,” e a violência já estava tão banalizada que eu não via diferença entre matar outro ser inteligente por intermédio de meu personagem e assassinar o rei oponente em xadrez. Mas há um mundo de diferença entre ambos casos.
Mas o Counter Strike é pior ainda! (Ou “RPG não é videogame”)
De fato é. Assim como praticamente qualquer jogo de videogame. A diferença é que eles estão mais para xadrez. Explico. Você não sente qualquer empatia ou identificação com seu personagem de Counter Strike ou qualquer outro videogame. E nem teria razão — não são personagens, mas meras ferramentas. Um jogo eletrônico é tão centrado em matar pessoas quanto o xadrez é centrado em regicídio — ou seja, não é. Em ambos os casos, temos apenas peças que lembram vagamente um personagem porque, bem, costumam ser humanóides (menos no xadrez, dada a estilização em alguns casos). No Counter Strike, um head shot não está tão próximo a assassinar outro ser humano a sangue frio; é mais comparável a um xeque-mate — é questão puramente estratégica e “joguística.”
O RPG, penso, difere dos videogames pelo fato de o personagem ser, bem, um personagem. Não é um estereótipo pré-fabricado que você escolhe na tela de seleção apenas para servir como ferramenta dentro do ambiente tático do jogo — se parece mais com um personagem de romance, que você compõe com esmero. Cria-se uma história e uma personalidade para ele. O personagem aqui também é uma ferramenta, mas não uma ferramenta meramente tática — é uma ferramenta “avatarística,” que te permite experimentar um pouco da vida em um mundo totalmente diferente do seu, e encarar dilemas que envolvem valores também diferentes, “vestindo” a pele do personagem para uma jornada em um ambiente “alienígena” sob condições seguras e controladas.
Quando se encara o personagem sob esta óptica, fica no mínimo estranho fazê-lo sair matando gente a rodo, como se isso fosse tão perturbador quanto quebrar um copo na lavagem de louça.
Mas o mundo é violento!
Filmes e programas de tevê vertem sangue e violência. Afinal, é só assistir a qualquer um daqueles filmes do canastrão James Bond para vê-lo derrubar números obscenos de pessoas a tiros. Se todo mundo está fazendo, e fazendo ainda pior, por que o RPG também não pode?
Claro — é só ver o noticiário, tanta gente consumindo crack! Assim sendo, não deve ser assim tão ruim usar um entorpecente relacionado, mas de menor poder viciante e destrutivo, a cocaína. Certo? Claro que não — um é tão destrutivo quanto o outro, e o fato de “todo mundo estar fazendo” não é desculpa para que eu me junte ao bonde.
Os setores preocupados com a violência do RPG devem ter sacado uma distinção importante entre o RPG e estas outras mídias — RPG é muito mais envolvente. No videogame você apenas opera uma chave inglesa com formato de personagem; nos filmes, você apenas assiste ao que está ocorrendo, não toma decisões. No RPG, o envolvimento é bem maior — você projeta um avatar, que, quando bem feito, é algo próximo de uma pessoa, com história, personalidade, gostos, anseios, e, a seguir, entra na pele e na mente desse avatar.
E quando se direciona tal avatar para ações como assassinato premeditado (com o agravante de ainda, com todo o sangue frio, roubar os pertences da pessoa que acabou de matar), não é de espantar que mães ou psicólogos não vejam o RPG com bons olhos. E eu também não veria, sinceramente — se eu, desavisado, me deparasse com transcritos da maioria dos jogos, eu imaginaria que RPG é um jogo em que amigos se reúnem para fingirem ser Charles Manson, Richard Ramirez, e o Maníaco do Parque. Isso parece duro ou exagerado? Vejamos como são postos em prática a maior parte dos mundos de campanha, então.
Uma realidade de psicopatas e suicidas
Mais de um jogo de que já participei parecia se dar em um mundo totalmente estranho ao nosso. Não falo de magia e dragões, mas da freqüência de distúrbios psiquiátricos entre a população, que parece ser composta predominantemente de psicóticos violentos e suicidas. Os primeiros parecem sempre seguir a “carreira” de aventureiro; todo o resto da população, não psicótica o bastante para uma vida de aventuras sangrentas, simplesmente não dá lá muita importância para a própria vida. Hã? Cenários não são descritos dessa forma? Pois não parece ser o caso, quando vemos a coisa em funcionamento.
Aventureiros parecem sempre ávidos a remover do caminho qualquer pessoa inconveniente pelo método de matá-la — isso é lógica de sociopata, camaradas! Já os NPCs, parecem sempre zelosos ao excesso, visto que parecem ávidos por lutar até a morte mesmo pelos motivos mais insignificantes. Aventureiros se enquadram mais uma vez na sociopatia por não demonstrarem remorso algum por matarem outros seres vivos e inteligentes.
O mestre pode ser um pouco culpado — afinal, é ele quem põe tais “alvos de espadada” no caminho dos personagens, tão banalizados e rasos que poderiam ser confundidos com peças de xadrez. Por que não oponentes com personalidade? Sabe, personagens consistentes com motivações plausíveis para se oporem aos personagens, sem essa de “Central da Maldade.” Claro que isso também prevê mandar pro espaço o maniqueísmo das Tendências, varrendo pro lixo (destino bem apropriado) o pressuposto de que qualquer membro de uma dada espécie é “mal” e pode (ou até deve) ser morto sem remorso.
Ou seja, se queremos personagens que se parecem com pessoas que não matam outras pessoas por motivos torpes, faça seus NPCs se parecerem com pessoas, ora! Talvez os personagens tratem os NPCs como peças de mobília porque você os retrata assim. “Ah, mas se todas as pessoas (mesmo que tenham orelhas engraçadas, pele verde*, etc.) forem, você sabe, pessoas, não vamos as querer matar! O que eu faço em um jogo assim?!” O Sistema de regras, que não apenas gerencia situações no mundo de jogo, sabemos, mas também impele as ações para esta ou aquela direção, pode nos fornecer respostas.
*Aliás, se removemos a forçação de que “todo orc é maaau!,” o que resta? São humanóides cujo único “pecado” é ser feio sob padrões estéticos humanos e ter uma cor de pele diferente (verde, geralmente, mas já vi outras). Isso lá é motivo para se matar alguém? Claro que não. (Não, e o fato de eles serem, em geral, tecnologicamente “atrasados” também não é desculpa; vide “Colonização das Américas.”)
Sistema importa
Conflitos combativos não precisam acabar em morte, claro. Como disse o nosso ilustre “pai” Tek aqui do blogue naquele tópico que citei no início, “No D&D Terceira Edição você conquista pontos de experiência “derrotando” seus inimigos, não implica obrigatoriamente em matá-los. E sim em contornar uma situação imposta a seu personagem.”
Isso procede, já havia notado tal distinção ao ler o livro. O problema é conciliar isso com as ferramentas que o sistema te provê para agir dentro da realidade do jogo. Já citei como, por exemplo, o sistema ativamente dificulta o emprego de dano não-letal. São impostos redutores para tal e, embora deva haver algum feat que negue tal penalidade, isto pode acabar conflitando com a filosofia difundida de “otimização de personagem” nesse sistema. Por que vou “queimar” um talento só para causar dano não-letal quando eu posso usar o mesmo slot para algum talento mais efetivo? Pode usar ataques desarmados? Pode — mas boa sorte! A menos que se “queime” outro talento para tal, vai provocar ataques de oportunidade ao atacar dessa forma. Ih, e olha que dado de dano mixuruca (caso não seja monge)! Prefiro minha espada que causa 1d8!
Quer tentar usar Diplomacia para tentar dissuadir os oponentes de usar violência? Não recordo se tal coisa é sequer possível no D&D 3.5, mas recordo bem que isso é possível no True20, mas com um redutor realmente enorme — alguma coisa como -5 ou até -10! (Na verdade, acredito que era -5 se você contasse com um talento específico.) Isto para ilustrar algumas das “opções” explicitadas nas regras — ações menos usuais (“Eu o distraio passando por cima dele usando o candelabro como balanço, enquanto Maga Meg e Ladrão Lud jogam sobre ele uma lona, e o Bárbaro Bob o imobiliza”), conforme as partes constituintes, podem se tornar difíceis de realizar em se tratando de mestres menos experientes.
O esforço em regras que me parece mais promissor como maneira de resolver tal problema seja a tal resolução de conflito, como vimos em sistemas como FATE e PDQ, mas que forma alguma limitada a eles (podem ser também vistos no Mouse Guard, Houses of the Blooded, o HeroQuest de Robin Laws…). A natureza rules light de sistemas assim, combinadas com conflitos que abrangem não apenas combate, deixa o tráfego em tais águas muito mais fácil. Como não há distinções entre uma perícia, um bônus de ataque e um save, por exemplo, são todos quantificados exatamente na mesma escala, logo, pode-se usar qualquer de seus valores numéricos em um conflito, necessitando apenas de boas idéias aliadas a descrições para executar qualquer peripécia que seja. Se meu plano for bom e a descrição, convincente, nada me impede de usar minha Qualidade/Perícia/etc. que é, sei lá, Cozinheiro em conflito contra o cidadão desequilibrado que parte para cima de meu personagem usando Espadas.
Não há necessidade de vasculhar regras ultra-específicas; se eu quero agarrar e imobilizar, eu não preciso encontrar um fragmento de regras que se adeque à ação que bolei em minha cabeça. A relação é, na verdade, oposta — eu parto da descrição, e ela vai me permitir aplicar a regra, simples, que usa o mesmíssimo esqueleto para todos os casos. Vejo aí um claro incentivo à não-violência — se meu personagem não é bom em combate, mas tem bons valores em outras Qualidades/Perícias/etc., o sistema acaba me induzindo a tentar bolar soluções que usem esses números em que meu personagem é melhor. Eis algo que parece aproveitar realmente a potencialidade do RPG: um ambiente controlado que me permite realmente tomar decisões inusitadas e pôr em prática planos criativos em qualquer esfera, e não só combate.
Outra coisa que também vai bem são regras para rendição. Se a mecânica prevê tal possibilidade e fornece regras claras, inequívocas, para tal, é razoável esperar que este se torne um caminho mais trilhado. Isto já costuma vir “de brinde” em sistemas que se utilizam de resolução de conflito, mas é bem menos comum em sistemas tradicionais. A presença de mecanismos de rendição, suficientemente simples e práticos de se usar (ou seja, nada parecidos com agarrar), apresentados com maior destaque, talvez leve os jogadores a ter maior incentivo para se renderem ou criarem condições para a rendição inimiga, reduzindo assim a taxa de óbito. (E sem falar que rendição é legal porque leva a mais aventura.)
Rever condições de erosão, como dano, talvez seja igualmente desejável. A natureza abstrata dos hit points, aliada à sua enorme quantidade, apagam qualquer percepção de violência real — mas não apaga a percepção daqueles que ouvem seus relatos do tipo “então meu personagem matou 5 oponentes com seu espadão!” Podemos, talvez, diminuir a abstração, como faz o Mutantes & Malfeitores (e também o Blue Rose/True20) que se utiliza de condições. Você não perdeu 12 PVs — você está Ferido, ou Cambaleante (descrições mais gráficas), e leva até uns redutores para mostrar a gravidade disso. Ou se pode carregar mais na abstração em combate, mas não na abstração de ferimentos, como faz o FATE — o sistema de stress track nada mais é que PVs em quantidade bem menor, e representam algo mais próximo de “disposição;” à medida que eles são erodidos, pode-se interpretá-los como cansaço, ou até de outras formas, como “ir sendo encurralado.” Ferimentos só ocorrem quando, para evitar perder toda a disposição, se assumem Conseqüências, essas sim ferimentos, e descritas (bem graficamente) como “Talho no bucho,” ou “tendão rompido.” Assumir tais conseqüências/ferimentos é bom para continuar no conflito, mas elas perduram, conforme a severidade, por um bom tempo — eles se tornam, por conseqüência, mais sérios. No PDQ, dano “real” parece ocorrer quando uma das Qualidades é ou zerada, ou “atingida” pela primeira vez, gerando um gancho de estória.
Ou seja: no exemplo do FATE, se você derrotou seu oponente em uma luta de espadas e este não adquiriu conseqüência alguma, isso significa que você venceu sem sequer causar-lhe um arranhão. Como fez? Isso fica a cargo de suas descrições — você pode tê-lo exaurido, ou lutou tão melhor que não só o desarmou, mas o tem com a ponta de sua lâmina tocando-lhe a garganta. Um combate com uma derrota, mas sem o sangue.
“Ah, mas não jogo esses sistemas.” Se seu caso for d20, eu sugiro, então, ir atrás do Mecha & Manga. Além de diversas variações interessantes de mecânica (onde os demais suplementos deste jogo se limitam apenas em montar “pacotes” com mecânicas do básico — Warriors & Warlocks, estou olhando pra você, sua porcaria que me custou dinheiro), o Mecha & Manga traz, pela primeira vez (até onde eu sei) regras de resolução de conflitos para o d20/OGL. Se você tem curiosidade pela resolução de conflitos, mas não quer largar seu sistema do coração, essa é uma boa saída.
Ah, mudanças de nomenclatura também pode ajudar a ver a violência menos como xadrez e mais como, você sabe, violência. O Houses of the Blooded, por exemplo, não banaliza as coisas com eufemismos sanitizados. Não há capítulo entitulado “Combate,” mas, sim, “Violência.” “Combate entre múltiplos oponentes”? Não, o Houses prefere o termo “Assassinato em Massa.” Quando a coisa é apresentada assim, com termos crus, fica muito mais fácil lembrar que meu golpe de espada não faz diminuir a “barra de energia” do “boneco” adversário — cada um destes golpes tem a intenção clara e inequívoca de destroçar a delicada arquitetura de seres vivos, rompendo as treliças de proteína dos músculos, arrebentando vasos sangüíneos, estalando ossos. Pense em como seu personagem deve ficar depois de um desses embates, todo coberto de sangue pegajoso, atraindo moscas. O mau cheiro, a sujeira. E tudo porque você decidiu assim.
Para fechar
Nosso hobby é riquíssimo em possibilidades. Pela natureza maleável e altamente interativa do RPG, ele possui diversos atributos que gostamos de exaltar — seu caráter cooperativo, o estímulo à leitura e à criatividade. No momento em que o transformamos em um mero “simulador de violência,” não só negamos (ou, pelo menos, diminuimos) tais atributos positivos como também justificamos as críticas baseadas no teor excessivo de violência. Nem toda crítica é arbitrária ou perniciosa (como aquelas baseadas no “satanismo”) — às vezes são construtivas. Em vez de tachar os críticos da violência no RPG de antiquados ou “Ursinhos Carinhosos,” não é melhor questionar por que RPGs se utilizam tanto de violência em detrimento de outros elementos? Talvez tais críticos nos estejam prestando um enorme favor — quanto do RPG não exploramos, sendo tão focadas em lutas e violência nossas estórias?
Lutas são legais e emocionantes? São. Mas quanto disso não se deve somente à tradição? Que outros conflitos estivemos perdendo por todos esses anos, que poderiam ser mais apropriados a certas situações e têm a capacidade de gerar estruturas de aventuras totalmente diferentes do costumeiro que, sinceramente, cansa depois de suficientes repetições. Nossos personagens dispõem de habilidades e recursos de que nós carecemos — por que exploramos apenas (ou muito predominantemente) a capacidade de violência em nossos personagens? Por que têm de se limitar a serem arsenais ambulantes quando poderiam empregar “armas” em frentes mais diversas, como posições de poder, conexões, planos geniais?
E quando o combate é inevitável, não deve ser apenas significativo e climático — varie um pouco, não termine o filme sempre com o mesmo final. Por que se limitar apenas ao óbito, que acaba banalizado, quando seria possível obter emocionantes desfechos como uma fuga fenomenal, um engodo de mestre ou uma inteligente negociação dos termos de rendição, com alguma lacuna a ser explorada posteriormente?
Quando sentir aquele comichão para recair em velhos e maus hábitos, lembre-se do seguinte: “neutralizar” uma pessoa “inconveniente” pelo método de matá-la é coisa de psicopata. E você, sujeito decente, consegue fazer muito melhor que isso. Não existe aquela crença de que jogadores de RPG são inteligentes/cultos/criativos? Então façamos por merecer. Ou então contente-se com o outro rótulo, aquele que nos tacha de desajustados, desequilibrados e com pendor para a violência. Moldamos nossa própria imagem.