Uma das minhas definições prediletas para o jogo Mutantes e Malfeitores – produzida por um amigo jogador – é “tá’í um sistema que pode ficar detalhista… se você quiser”. Sem querer entrar no mérito da discussão sobre a “generalidade” desse mesmo sistema – publicado aqui pela Jambô editora por meio de licença assinada com a Green Ronin, para quem não sabe – , preciso dizer que a linha editorial de M&M ensaia algo bem próximo a uma tentativa de criar regras simples e ao mesmo tempo dotado de muitos caminhos de customização ou detalhismo. A publicação que pretendo resenhar aqui, registra ainda mais isso.
Agentes da Liberdade, o mais novo livro desta linha, conta com 128 páginas, distribuidas em seis capítulos – divididos, por sua vez, em seções claras e caixas de texto ilustrativas. O primeiro e o último apresentam, respecitvamente, as possibilidades de criação de personagens e de elaboração de séries (campanhas) com Agentes – aquelas figuras não necessariamente dotadas de super-poderes, mas tão famosas como qualquer Homem Aranha da vida: tipos como Solid Snake, Snake Eyes, Jack Chan e similares… Já os outros quatro capítulos apresentam organizações para uso em aventuras do gênero – e, já ouso adiantar, elas são o maior atrativo do livro.
Como eu disse, o suplemento começa descrevendo a alternativa de se jogar com personagens não super-poderosos em um mundo de conflitos diversos e mortíferos. A proposta é viver aventuras em cenários povoados por criaturas e vilões, sobre-humanos ou não, interpretando agentes secretos, soldados super-armados e investigadores profissionais. Seguindo os exemplos acima, junte G.I. Joe, 007, Metal Gear Solid e você vai ter uma bela ideia do que estou falando…
Os arquétipos e a criação de personagens, de um modo geral, exemplificam essa ideia. Agentes são basicamente pessoas comuns, armados com equipamentos ou tranqueiras extraórdinárias e treinados no limite das capacidades humanas. Mas eles variam essecialmente no tom da descrição e no conjunto de feitos e perícias que utilizam: temos oito Arquétipos, variando do Comando Brutamontes ao Espião Elegante. A maior carência parece ser uma diferença mais profunda na parte mecânica de cada um. Uma regra opcional na criação de PJs, chamada “proteção de nicho”, surge aqui para minimizar essa semelhança técnica.
A construção de um conjunto de histórias diferentes – alta espionagem, investigação e combates militares – como um gênero único não é a toa. As referências feitas no texto à Nick Fury, S.H.I.E.L.D e Capitão América registram a que tipo de narrativa o livro se filia. Em outras palavras, AdL surge para atender a uma demanda de histórias no mundo dos quadrinhos: aquelas que falam de heróis ou anti-heróis vivendo aventuras em mundos recheados de ocorrências incomuns ou, sobrevivendo em histórias onde ficção e realismo dançam muito perto um da outro (sim, James Bond, estou olhando para o senhor).
Os capítulos seguintes nos colocam frente a quatro organizações especiais: Esquadrão STAR (uma SWAT feita para lidar com super-ameaças), a AEGIS (um grupo militar norte-americano aparelhado com super-dispositivos de combate e digno das peripécias de Chuck Norris), a UNÍSSONO (uma versão mundial da AEGIS, com jurisdição nas diversas partes do globo e equipamento invejável) e a SOMBRA (um grupo terrorista/paramilitar envolvido com ataques ultratecnológicos, magia negra e história nazista – para uso como NPCs). Cada um desses conglomerados de agentes é divertidamente descrito, com direito a fichas de personagens e dispositivos, além de ganchos interessantes, histórias curiosas e mapas de instalações. Embora cada uma das organizações em questão seja parte do mundo de Freedom City (o cenário oficial de M&M) elas são apresentadas de maneira genérica – assim como o resto do livro, originalmente também parte de FC – tendo algumas informações, no fim de cada descrição, para os mestres que desejem situá-las naquela cidade.
O capítulo final de AdL discute implicações do uso de regras de M&M em séries com agentes e algumas soluções para lidar com elas. Inclui, então, dicas para mestrar aventuras no gênero, trazendo uma sensação de “cuidado autoral” interessante (aquela impressão boa de que os autores estavam preocupados, de fato, com a utilidade do suplemento). AdL conta ainda com uma anventura pronta, chamada “A volta da Sombra”. Plots interessantes e uma condução inteligente parecem colocar este texto como ótimo para mestres iniciantes, ainda mais se levarmos em conta as sugestões e orientações espalhadas por ele.
Visualmente o livro segue o padrão da linha: capa mole colorida e interior em preto e branco: um estilo que desagrada os amantes com acabamento “de luxo”, mas que parece ter encontrado um bom mercado nos que procuram opções acessíveis. As ilustrações são todas no estilo “quadrinesco” e variam do bacana/suficiente (como a capa) para o quase caricato (como no caso dos Arquétipos). No mesmo quesito temos um “ponto fraco” costumeiro: algumas das ilustrações são repetidas, retiradas do manual básico ou do Manual do Malfeitor, “pecado” conhecido também pelos apreciadores de outras linhas de RPG famosas.
Vamos a um balanço final da coisa: Agentes da Liberdade chega como uma tentativa de mostrar o potencial de M&M para aventuras e perspectivas diferentes. Acerta o alvo ao trazer informações e mecânicas novas (como uma contagem diferente de Pontos de Poder para personagens agentes ou subsistemas versáteis para uso de Equipamentos), mas titubeia ao trazer Arquétipos muito parecidos mecanicamente – culpa, talvez, da ausência de Poderes como determinante deles. Apesar disso, a dinâmica da apresentação traz um clima de multiplicidade na criação de históricos. Aliás, a maior contribuição de AdL está na parte “ideias para jogo”. A descrição das agências/organizações é bem instigante. Simples, sem grandes originalidades de enredo, mas fiéis tanto ao clima do jogo como ao universo mais amplo de histórias de espionagem. Elas aparecem com materiais e ideias para mestres veteranos e novatos, diversificando também esse ponto. Chamo atenção, particularmente, para a vilanesca SOMBRA, que não foge tanto do clichê “Os Nazis Modernos”, mas que consegue encaixar personagens e tramas diferentes em um único conjunto de motivações malignas – destaque para o personagem Máscara Rubra, um lorde feiticeiro imortal e amaldiçoado que escapou das mãos de Vlad Tepes, séculos atrás! Ele também é a prova de que o conteúdo do livro foge um pouco de caricaturas quando o assunto é background.
No fundo AdL cumpre bem o seu papel, que parece ter relação com trazer detalhes mecânicos e regras opcionais para a linha, na forma de nova perspectiva de histórias e campanhas de M&M centradas no herói “quase-comum”. Não é uma obra super-detalhada sobre o assunto, mas convoca boas sugestões para mestres e jogadores. Se compararmos com outros RPGs mais antigos compatíveis com o gênero – como o desaparecido Ação!!! e mesmo com os materiais traduzidos do bom e velho GURPS dos anos 1990 – a gama de opções do livro parece ainda melhor, em termos de customização e simplicidade (conceitos aparentemente opostos, mas que se casam bem aqui). Digo, sem medo, que esta é, atualmente, a mais interessante opção no que nos diz respeito a sistemas para aventuras modernas – no estilo aventuresco ou em climas mais investigativos. Agentes da Liberdade é a versão de M&M para os amantes das histórias de “pergunte ou atire” e está muito bem treinado para a empreitada.
Agentes da Liberdade (Jambô Editora).
128 páginas em P&B, capa mole.
R$ 35,00 com frete grátis na Loja Jambô.
O exemplar utilizado nesta resenha foi gentilmente cedido pela Jambô Editora.