Resenha marcando o retorno do Bruno BURP
Orgulho e Preconceito e Zumbis conta a história de Elizabeth Bennet, jovem e inteligente filha de um pequeno proprietário rural na Inglaterra do começo do século XIX, enquanto ela se vê envolvida com as tramas e intrigas matrimoniais próprias do seu meio social. Tudo seria mais fácil, é claro, se ela também não tivesse que lidar com uma misteriosa praga que se abateu sobre o país, fazendo com que os corpos dos mortos se levantem dos túmulos e rastejem pelos campos atrás de cérebros frescos.
Como deve ficar bem claro já pelo nome, o livro é uma brincadeira com o clássico Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, um daqueles romances de costumes formadores da literatura inglesa e leitura obrigatória de segundo grau, uma espécie de José de Alencar ou Machado de Assis anglo-saxão. Basicamente, ele reconta toda a história original, com a ambientação de época, crítica aos costumes e tramas sociais, porém adicionando algumas cenas e elementos novos que mudam completamente o seu significado, geralmente envolvendo zumbis, canibalismo e artes marciais. O resultado final fez tanto sucesso lá fora que já foi transformado em história em quadrinhos e tem uma apdação para cinema em produção, além de ter gerado uma pequena onda de mashups literários, com novos lançamentos como Sense and Sensibility and Sea Monsters e Abraham Lincoln, Vampire Hunter ainda saindo com alguma freqüência.
Mais do que apenas a obra de Austen, no entanto, o livro faz uma sátira de toda essa literatura academicista, que transforma histórias muitas vezes surgidas de folhetins populares em complexos trabalhos de erudição e construção intelectual, ao mesmo tempo em que desdenha de outras justamente por serem populares e best-sellers. Pode-se ver isso na ironia das sinopses, como a da orelha do livro, que destaca como ele transforma uma obra-prima da literatura mundial em algo que você terá vontade de ler; em todos os absurdos criados pelo pastiche, com os personagens muitas vezes mais preocupados em manter a etiqueta e a formalidade do que lidar com o apocalipse à sua volta, o que é muito bem retratado nas ilustrações de recatadas damas inglesas abatendo hordas de mortos-vivos com golpes de kung-fu; e também na própria edição e formato, que não deixa de incluir até um conjunto de questões para debate, perguntando sobre os simbolismos envolvidos nos ataques de zumbis ou o significado do vômito em algumas cenas.
Há quem questione a validade da idéia, no entanto. Mais de 80% do texto, ao que parece, se mantém exatamente igual ao original, o que não representa um problema jurídico, já que ele possui quase duzentos anos e, assim, pertence ao domínio público, mas pode-se perguntar sobre o valor ético de ganhar royalties e direitos de adaptação sobre um trabalho assim. Por outro lado, há de se destacar também que o interessante no livro é justamente os novos 20%, que o tornam atraente para um público que não leria a versão original de outra forma e pode até ficar um pouco entediado com o pedaço considerável de romance de costumes que se manteve – gente como eu, pra resumir.
Em todo caso, esse é o tipo de discussão que só faz sentido de um ponto de vista editorial/acadêmico/crítico, e dificilmente chegará ao Leitor Comum, aquele que só quer um livrinho divertido pra ler no fim de semana. Para ele, basta saber que tem zumbis. E ninjas. E mestres Shaolin. E intrigas amorosas da aristocracia inglesa no início do século XIX.
Droga, como poderia ser ruim?