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Funcionalidade de sistemas (ou "Porque não quero mais saber do d20")

Aviso: Este artigo apresenta um ponto de vista negativo sobre Sistema d20, OGL, Dungeons & Dragons, sistemas centrados em combate, ou de alguma forma calcados sobre regras rígidas. Se você os ama de paixão e não suporta que se coloquem defeitos, não prossiga. O texto é total responsabilidade do autor — i.e. eu –, e tanto o .20 quanto seus demais colunistas não têm qualquer relação com o mesmo. (Estranhamente, o D&D 4e recebe algumas palavras mais amigáveis.)
Aviso meio exagerado, eu sei, mas é preferível evitar confusão.
Eu sempre professei minha predileção pelo Sistema d20/OGL, e pesquisei material das “terceiras festas” sobre esse conjunto de regras, e até estava cozinhando uma variante própria para o mesmo. Por que tão repentinamente, então, tal divórcio? Certa vez eu escrevi sobre a funcionalidade das classes no d20, e foi aí que as coisas começaram — tal raciocínio, se expandido, pode levar ao abandono do sistema como um todo.

É porque a coisa depende do tipo de jogo que se quer jogar. Dungeons & Dragons foi uma transposição das regras dos wargames para uma escala menor, a do indivíduo. Qual a conseqüência disto? Um jogo de combate entre personagens. O resto é resto.
Claro que, com o tempo, a coisa foi se expandindo — non-weapon proficiences no Advanced Dungeons & Dragons e, provavelmente influenciado por jogos mais modernos, as perícias na terceira edição. Parece bom, mas, há uma pegadinha na abordagem do Sistema d20. Ele é pesado, no sentido de “há regras para tudo”, algo de certa forma relacionado com a “obsessão pelo equilíbrio”, onde tudo deve ser meticulosamente quantificado e, se pesado na balança, deve ser equivalente a quaisquer outros fragmentos de regras similares.
Ao menos na minha experiência, notei um efeito colateral disso tudo (a pegadinha, afinal) — mesmo que isso não seja declarado, quaisquer ações que não sejam cobertas pelas regras acabam sendo, numa espécie de “seleção natural”, desencorajadas. Como disse o Monte Cook, “The designers of the newest edition [3.0] built so much reliance on rules right into the game, to make it easier to play. As one of those designers, I occasionally think to myself, ‘What have we wrought?’ ” A pergunta que ele se faz é pertinente — “o que nós fizemos?”
Sob o ponto de vista de empurrar suplementos, a coisa funciona muitíssimo bem — no momento que as ações necessitam de regras, e um módulo básico não consegue cobrir todas as ações imagináveis, vêm os livros com as regras para as tais ações “neglicenciadas”. Novos talentos, novas classes, novas magias de efeitos ultra-específicos… O sistema hipertrofia a ponto de não conseguir suportar o próprio peso.

Mitos do Sistema d20

Suponhamos que você seja apanhado pelo aparato de repressão de um governo totalitário. Eles prometem que não vão te matar, e você fica aliviado — mas é tudo uma armadilha semântica, já que eles vão enfiá-lo em um campo de trabalhos forçados, de modo que se mantêm fiéis ao prometido, ainda que com resultados pouco agradáveis.
Ainda que de forma bem menos nefasta, o sistema d20 e sua Grande Promessa(TM) se valem de uma armadilha semântica similar. Você nunca mais precisará aprender outro sistema de regras é verdadeiro — mas eles não falam nada sobre o volume de minúcias que devem ser aprendidas e a infinidade de novos sub-sistemas trazidos nos suplementos. E nem estou falando das variantes de regras das third parties — os próprios suplementos da Hasbro-Wizards têm disso.
O que são os tais “truques” (aqueles que se compra pois dois pontos de perícia) do Livro Completo do Aventureiro? E os reserve feats do Complete Mage? Isso sem falar em adições mais ortodoxas, como novos talentos, classes e magias — em um sistema complexo e baseado em equilíbrio, mesmo adições assim inocentes mudam o andar das coisas, um gérmen de cristalização na solução super saturada. Nos fóruns da vida eu sempre vejo citado um talento específico do Complete Divine que, pelo teor do que é relatado, tem um impacto enorme em termos de regras, levando a repensar todos os demais builds e coisas assim, de modo a se manter o tal equilíbrio.
(Eu deliberadamente deixei de fora outras adições menos ortodoxas, como aquelas do Tome of Magic e o Book of Nine Swords, que, segundo o Sr. Cook — não sei precisar a fonte, desculpem — eram o tipo de lançamento de “final de edição”, servindo como termômetro para as inovações da próxima.)
Os “novos D&Ds”, isto é, os títulos OGL que têm como meta substituir os livros básicos da 3.5, com mudanças de regras (relativamente) mínimas, visando compatibilidade com o volume “mamútico” de material prévio, como o Pathfinder, não ficam muito melhor na foto. Dadas as mudanças, você terá de, de certa forma, aprender um sistema novo, mesmo que sejam mínimas — quando o sistema é minucioso como o da 3.5, mesmo as menores mudanças influem. Ou seja, é um sistema que é diferente, mas é igual — e vamos ver se vai mesmo ser compatível com o material prévio sem a necessidade de adaptações.
Não que adaptar seja ruim — mas é parte da proposta deles ter a tal da retro-compatibilidade sem a necessidade de adaptações. Ao querer conciliar conservadorismo e avanço, os “novos D&Ds” falham em ambos. É só ver o Pahtfinder — ele quis dar mais versatilidade, ao mesmo tempo que mantém um formato datado, tendo como resultado classes com listas infindáveis de habilidades, coisa que contribui para um sistema ainda mais pesado.

A 4a. edição chega para o salvamento

Sempre achei contraditória a oposição do pessoal do tal “old school” em relação ao Dungeons & Dragons 4a. edição. Ele voltou às origens do D&D, afinal — um jogo de combate entre unidades reduzidas (personagens individuais). Como me disse o Rocha no RPGCon, o D&D, na 3a. edição, acabou se tornando “genérico” — para fantasia com em enfoque mais narrativo, havia uma caralhada de jogos, dentro e fora do d20, que faziam um trabalho melhor; títulos como o Iron Heroes ofereciam um combate mais tático. A 4a. edição nada mais é que o D&D finalmente saindo do armário e assumindo um posicionamento mais claro — um RPG de combate tático.
Capa do Dungeons & Dragons original. Abaixo do título em vermelho, o que se lê é “Regras para Campanhas de Jogos de Guerra Medievais Fantásticos Jogáveis com Papel e Lápis e Miniaturas”. Lembra um bocado a edição nova, não? E, se pensarmos friamente, é um rumo acertado a seguir — mais franco, mais direto, sem tentar abraçar coisas feitas por outros RPGs, sem conseguir superá-los nestes nichos.
E as regras? Não emburreceram o jogo — elas simplificaram as coisas dentro deste novo paradigma mais específico. O jogo é (na verdade, sempre foi) centrado em combate, e o grosso das mecânicas está direcionado a isto. Mesmo as coisas fora do combate são confrontos, solúveis mediante skill challenges. Essa me parece ser a identidade do jogo — confrontos. E nada há de errado nisso — o jogo se propõe a isso e, se eu quiser jogos com outro enfoque, há um zilhão de outros sistemas por aí cujo o direcionamento é mais compativel com tais estilos. Se eu quero pneus, não vou procurar o Ronald MacDonald e encher os pacovás dele até que produza pneus — é mais simples procurar a “múmia” da Michelin.
O que muitos reclamam como “retardamento” do sistema é fruto de uma das considerações da 3.x que se tornou obsessão — o equilíbrio. Não se pode comparar com precisão maçãs e laranjas — como equilibrar satisfatoriamente as habilidades do ladrão, o bate-bate do guerreiro e as magias do feiticeiro quando são tão diferentes entre si? Fácil — transforme tudo em laranjas. Qualquer habilidade de classe agora é um poder e, sob o novo direcionamento claramente definido do jogo, tais poderes são manobras de combate. É o tipo de coisa de que eu gosto? Não. Mas é um direcionamento coerente, e não é como se eu fosse morrer por procurar outro RPG. Pelo contrário — eu o fiz (tratarei disso mais adiante), e foi uma das melhores coisas que já me aconteceram.
Pessoalmente, o sistema ainda parece pesado, mesmo com todas as melhorias. São listas intermináveis de poderes, com efeitos específicos. Não que isso não existisse na 3a. edição, notem bem. Eram listas enormes de talentos, habilidades de classe, magias… E as descrições destas eram bem menos ágeis e diretas. Para remediar isso, a Hasbro-Wizards fez as Power Cards, que dispensam consultas (coisa que prejudica a fluidez da sessão), mas que são mais quinquilharia para você comprar. Claro que você pode imprimir ou confeccionar as suas, mas é aumento no trabalho de preparação.

Videogame de papel

Tal denominação (bastante depreciativa) geralmente é direcionada à 4a. edição, mas ela não está sozinha nisso. Pode-se muito bem dizer o mesmo da terceira — afinal, praticamente toda a ação que se quisesse desempenhar estava atrelada a uma regra ou outra, e, dentro de um paradigma ortodoxo de equilíbrio total e observação à risca das regras-como-escritas, a coisa, sutilmente, poderia descambar para um clima MMMORPG. Nestes jogos (MMOs), você só realiza ações que tenham sido previstas pelos programadores.
Isto me acertou na cabeça como uma marreta (ainda que eu tenha demorado para digerir tal informação) durante o playtest do Sistema Shelley. Tão direcionado eu estava em ver se o sistema era funcional que não vi a floresta por causa das árvores — vez ou outra, quando confrontados com uma situação X, os jogadores consultavam as informações da ficha. De imediato, isso deveria ter tocado sirenes de evacuação na minha cabeça. O meu grupo lá do Rio Grande do Sul, do qual fazem parte alguns amigos com quem jogo RPG desde o início dos anos 90, nunca foi assim. Em jogos anteriores de Romância, quando usávamos — vejam só — o Dungeoneer como sistema, todos eram muito mais soltos e inventivos. Não há dados suficientes para afirmar, com segurança, que um sistema de regras pesado (o tipo que rege toda e qualquer ação mecanicamente) de fato seja “O Culpado” em transformar de um grupo de jogadores de estilo bastante freeform em observadores compulsivos de ficha de personagem. Mas posso concluir, com base na experiência, que pelo menos incentiva tal comportamento. Há algo de podre aí.
O Charles Stross, um de meus escritores favoritos de ficção científica (hard), deu uma palestra na conferência sobre games LOGIN 2009, na qual ele falou sobre jogos no mundo de 2030. Ele discorreu sobre possíveis influências de avanço na tecnologia e também sobre o perfil do jogador — que tende a se tornar mais velho, já que por vezes continua o hábito de jogos que lhe divertiram durante a juventude. Ele usou a RPG como exemplo da existência de hardcore gamers anteriormente aos jogos eletrônicos, e a descrição dele do nosso hobby, apesar de não muito lisonjeira, tem grande carga de verdade, e faz pensar:

We talk about the casual/hardcore split, but that’s a bit of a chimera. We’ve always had hardcore gamers; it’s just that before they had consoles or PCs, they played with large lumps of dead tree. I lost a good chunk of the 1970s and early 1980s to Dungeons and Dragons, and I’m not afraid to admit it. You had to be hardcore to play in those days because you had the steep learning curve associated with memorizing several hundred pages of rule books. It’s a somewhat different kind of grind from levelling up to 80 in World of Warcraft, but similarly tedious. These days, the age profile of tabletop RPGers is rising just like that of computer-assisted gamers — and there are now casual gamers there, too, using a class of games designed to be playable without exotic feats of memorization.

A necessidade de “feitos exóticos de memorização” para se jogar demanda um investimento muito grande no jogo, que muitos não estão dispostos a realizar. E mesmo jogadores hardcore se vêem com menos tempo — com a vida adulta vêm relacionamentos, curso superior, trabalho e, para uma vida adulta saudável, socialização, prática de esportes, outros hobbies. Um rules set ultra-complexo, que requer estudo de trocentas minúcias e horas de prepração por parte do mestre, se opõe tanto à sobrevivência do RPG entre os já adeptos quanto para a atratividade do mesmo em relação a novos jogadores.
Um sistema mais simples não é “emburrecido”. O que ele realmente é: apto à sobrevivência e propagação.

Videogame de papel vs. RPG

Da citação do Stross: “[jogar D&D] é de certa forma similar a chegar ao nível 80 no World of Warcraft, mas similarmente tedioso.” Há verdade nisso, pelo menos do ângulo de que vejo — por que eu vou fazer praticamente a mesma coisa que se faz em um RPG eletrônico, mas sem os gráficos, a trilha sonora e, pra piorar, ainda tendo de resolver toda a matemática? Não me entendam mal — resolver problemas matemáticos é bom, deve ser feito, se você curte, mas, em termos de RPG, tudo o que se tem são algebrismos desinteressantes que são no máximo trabalhosos.
O RPG, ao meu ver, só terá relevância se proporcionar o tipo de experiência que os jogos eletrônicos não podem (ainda) reproduzir. Em uma época em que queríamos combates e quests (que envolviam doses cavalares de porrada), eu e meu grupo (aquele mesmo do playtest) combinávamos um horário e nos reuníamos para uma partida de Ragnarok Online. Nossos diálogos eram in character (pra estranheza de alguns dos outros jogadores nas proximidades), e nem precisávamos das quests do jogo — nós definíamos algum boss existente como nosso alvo, discutíamos a tática e depois íamos ao encalço da vil criatura. Não precisávamos fazer cálculos e preparações em termos de regras, as skill tress eram simples o bastante, e tudo o que precisávamos estava lá — “miniaturas”, “mapas”, criaturas… (Na época fizemos até um bloguezinho onde relatávamos os eventos mais emocionantes na visão dos personagens, quase uma capannha de mesa.)
O que pensei sobre o assunto — o RPG relevante se envereda por um caminho próprio, e deve ter como foco as características irreprodutíveis por um jogo eletrônico de “viés RPGista” baseado em combate. Ou seja, foco na história. E histórias que sejam realmente variadas, que realmente se comuniquem e influenciem o cenário em que se passam. Se o cenário nada mais é que uma seqüência de salas de masmorra, com intervalos na taverna ou em audiências para convencer o rei de algo — geralmente com rolagens de dados, com História sendo especialmente eficaz (esses reis nostálgicos!) –, é preferível migrar logo de uma vez para um jogo eletrônico, com todo o suporte áudio-visual que ele possui.

Sistemas indies

Eles costumam ser ignorados. Carecem de uma marca forte, não têm um marketing lá muito abrangente, e acabam passando batidos por nosso radar. O que é uma pena, pois a maioria costuma ser leve e extremamente funcional. What’s more, eles costumam trazer consigo estilos de história que, dentro desse meu raciocínio, seriam mais “genuinamente RPGísticos”* do que alguns mainstream que satisfazem um nicho que os jogos eletrônicos também suportam, com benefícios maiores.
*Esclarecimento importante: eu não estou querendo dizer qual o jeito “correto” de jogar. É apenas uma progressão do raciocínio “RPGs têm uma maior chance de relevância se fizerem algo só deles, de modo a não concorrer, assim, com os jogos eletrônicos, que têm tudo para levar a melhor sobre seus “primos pobres” de lápis, papel, poliedros e estatuetinhas.
Quem costuma me ler aqui sabe dos meus esforços em tentar construir uma variante do d20 mais abrangente, de modo a expandir o suporte mecânico para diferentes tipos de situações. Esta minha abordagem estava equivocada em diversos níveis. O primeiro estava em usar um sistema pesado — como, nos moldes do Sistema d20, toda situação deve ser regrada, ocorria um inchaço à medida que mais regras eram adicionadas para cobrir tais situações, o que elevava o volume de texto (e conseqüentemente o número de informações que o jogador deveria aprender) a níveis obscenos. (Sem falar em como isso, de certa forma, “engessou” os jogadores.) O segundo estava em querer adaptar um sistema de porrada para um tipo de jogo que não era porrada-cêntrico. E o erro que julgo o mais crucial: o uso de um sistema “simulacionista”, mesmo que o simulacionismo capenga do d20. (Se você quiser um sistema realmente simulacionista e bom nisso, vá de GURPS.)
O equilíbrio fica comprometido nesses sistemas simulacionistas, mesmo aqueles ruins de simulação, como o Dungeons & Dragons (pontos de vida, alguém?). A importância para alguma coisa ou outra dentro do sistema depende do tipo de jogo, e isso limita o sistema nas amarras daquele paradigma. Por essas e outras que o Sistema d20 é extremamente limitado — a valoração dos fragmentos dentro do sistema se dá com base no combate, logo, ele só se presta bem para isso. (E ainda tem a desvantagem de ser pesado.) Qualquer um que tente te vender o Sistema d20 como “extremamente adaptável” está te mentindo feio.
E mesmo nele a coisa não dá tão certo assim. Maçãs e laranjas, lembra? O que vale mais: voar, dar uma espadada desvastadora ou contar uma mentira infalível? Difícil de dizer, afinal cada uma dessas ações tem um peso diferente de acordo com o momento específico dentro da trama. O sistema, como “força externa”, acaba moldando a trama de forma que o próprio sistema possa exercer seus poderes com eficácia. Desta forma, aventuras dentro do d20 acabam sendo centradas em combate (momento para o qual a maioria das regras do sistema foi elaborada), com momentos de tarefas solúveis mediante certos testes de perícia ou magias específicas. Aventuras acabam sendo similares — uma viagem ou pequena investigação, seguida de combates menores, solução de enigmas, neutralização de armadilhas, e, com sorte, um combate grandão como clímax.

Enquanto os sistemas maiores costumam se ater a tais moldes tradicionais, o lado indie da cerca, alternativamente, apresenta modelos diferenciados que nos podem ajudar a alterar isso.

Paradigmas de sistema e a subversão deles

Os “sistemas grandes” costumam seguir, de um modo geral, pressupostos semelhantes. Em certa conversa, o Leonel Domingos questionou se havia real necessidade de todos os sistemas seguirem o esqueleto de atributos-perícias-outras coisas. Talvez seja assim porque o Dungeons & Dragons fez assim, mas é pertinente questionar por que precisa ser assim, ou, melhor ainda, se precisa ser assim. Nós vimos que o D&D é um jogo para combates, e que pode ser desejável expandir melhor a experiência do RPG para bem além disso (diferenciar dos jogos eletrônicos, etc.).
Essa ficha me caiu por “culpa” de um artigo do Shingo, em que ele fala do sistema PQD. Os links que eu ponho em meus artigos não costumam ser de leitura obrigatória — servem ou como referência ou como leitura suplementar para, se for do seu interesse, saber mais sobre o assunto. Este é diferente: você vai ter de ler. Estou com tempo para esperar.
Leu? Não sei quanto a vocês, mas, pra mim, foi um momento de revelação. Para quem não sabe ainda, é esse o sistema usado no Swashbucklers of the 7 Skies, que faturou o Ennie de prata de melhor cenário na edição deste ano. Se ficou curioso o suficiente, você pode baixar, gratuitamente, as regras do jogo, o PDQ#. A sigla deste sistema bacana significa Prose Descriptive Qualities, que, como o nome diz, se preocupa mais com a narração e a história em si do que regras ou simulacionismo.
O que eu achei genial nele? Apesar de indie (que, para os mais conservadores, poderia muito bem ser sinônimo de hippie), ele é surpreendentemente equilibrado, e sem esbarrar no problema de tentar balancear maçãs e laranjas do Sistema d20. Ele tem uma similaridade com a 4a. edição do D&D, onde tudo são laranjas — mas as laranjas no PQD não são algo “concreto” como o combate, mas sim, influência na história. Há uma espécie de “moeda” usada no sistema, que são os dados de estilo (que mudam de nome em outros títulos do sistema — no Truth & Justice (supers) são “Pontos de Poder”; em Monkey, Ninja, Pirate, Robot: the Roleplaying Game, são os “Pontos de Mojo”), que são usados para modificar coisas na história e são ganhos de acordo com ações em jogo — uma idéia impressionante em consonância com o conceito do personagem, descrever de forma interessante e evocativa uma falha nos dados…
Para usar magias no Swashbucklers of the 7 Skies (que, a partir de agora, chamarei de S7S para fins de economia), efeitos maiores custam Dados de Estilo de acordo com o impacto que o efeito desejado tem na história. Isso é liberante — se eu quero usar uma magia telecinética para, sei lá, erguer e arremessar uma carruagem, não preciso consultar uma tabela de modo a descobrir a massa que posso erguer, e a seguir cruzar essa informação com a massa aproximada da tal carruagem. É o mestre que vai decidir o custo disso de acordo com o impacto que essa ação terá na narrativa.
E tais dados também podem ser usados para manipular “elementos cenográficos”. De acordo com a quantidade de dados dispendida, meu personagem pode, por exemplo, entrar na taverna e declarar que ele é amissíssimo do estalajadeiro, transformando-o assim em um contato, ou usar esse recurso para “criar” uma passagem secreta no armário de uma mansão. Por que isso é bacana? Porque incentiva os jogadores a ter um papel mais ativo na história, em vez de apenas perguntar “há tal coisa?” e, a seguir, ficarem de lado quanto uma dada situação não tem espaço para suas perícias ou poderes específicos. Um cenário estático, ao qual você pode apenas reagir passivamente, como se estivesse lendo uma enciclopédia impressa, é algo que posso ter nos jogos eletrônicos; já um dinâmico, que me dá poderes de “editar” como se fosse uma Wikipédia, permitindo um diálogo real, me parece algo que realmente usa toda a potencialidade do RPG.
Em um jogo assim, não precisamos de proteção de nicho — cabe à criatividade do jogador fazer seu personagem útil e relevante. Eis uma coisa que julgo genuinamente old school. Resolver as coisas com criatividade, não rolagens. Mas ao passo que isso nos sistemas antigos eram feito praticamente fora do sistema, enquanto que este era usado para resolver combates, no S7S e demais jogos da família PQD o sistema trabalha em conjunto com essas coisas.
E, mesmo que leve e freeform, o sistema possui regras consistentes. Há dois tipos de testes: os Desafios — que são uma rolagem contra uma dificuldade — e os Duelos/Conflitos, que são uma ação prolongada contra um agente opositor — as mesmas regras cobrem combate, conflitos sociais e até mesmo financeiros.
Falta a especificidade de “machado causa dano X, espada, Y” ou “trespassar ou derrubar em combate”? Sim e não. Não é porque não há regras específicas para tal que você não pode fazê-lo — você pode fazer isso, e muito mais, mas, em termos de sistema, o peso dessas ações é definido pelo peso que tem na progressão da narrativa. Mesmo falhas e desvantagens, se usadas de forma interessante, dão benefícios. Este sistema de regras não tem o intuito de ferrar o jogador e “forçar” builds de modo a sobreviver — é para se divertir, e mesmo coisas ruins que acontençam ao personagem, se ajudarem a história, são benéficas.
Você pode fazer essas coisas dentro de seu sistema porradeiro e/ou pesado preferido? Pode. Mas não é mais simples usar um sistema mais leve realmente devotado a isso?

Vou reforçar um pedido, de coração: leia a matéria do Shingo. Além de descrever esse sistema de que falei, é ainda um playtest report do mesmo. Leia com a mente aberta. Vale a pena.

Mas e a grana?!

Sob o ponto de vista de empurrar coisas pro consumidor, um sistema assim leve, ainda que perfeitamente funcional, pode parecer um mau negócio. Afinal, se o módulo básico tem de verdade tudo o que você precisa pra jogar em termos de regras, como vender suplemento em cima de suplemento de modo a fazer adições às tais regras? Não sou especialista no assunto, mas vou arriscar: venda outra coisa.
Tem um cenário? Elabore suplementos que expandam o cenário, em vez de listas e mais listas de Classes de Prestígio e talentos para o mesmo. Por que não outros elementos prontos para o jogo, como aventuras, uma cidade completa adicionável a qualquer cenário? Quem sabe suplementos temáticos, como, por exemplo, “Mortos-vivos” que, em vez de fichas e mais fichas de monstros, falaria sobre diferentes abordagens e origens sobre tais criaturas, como usá-las como gancho de história, ou, ainda como personagens jogadores — com nada ou um mínimo de regras, mas coisas como reação da sociedade e outros elementos realmente voltados à história. Um suplemento “Clérigos”, em vez de CdPs e listas de magias, poderia, de uma vez por todas, trazer material descrito detalhado sobre ordens clericais — convenhamos, geralmente só sabemos dos deuses e quais poderes de porrada que tais clérigos têm, mas muito pouco é dito sobre as igrejas e religiões em si, informações que podem servir como base para aventuras inteiras.
Em vez de vender a mestres e jogadores poderes e novas formas de bater em monstro, venda elementos de aventuras mais variados e saborosos. E estes, mesmo que não sejam usados para jogo, pelo menos servem como leitura interessante. E, mesmo que tragam regras, no momento em que as regras são mais leves, ocupam menos espaço — sobra mais para material descrito ou, alternativamente, uma redução do número de páginas, barateando o produto.

Para fechar

A morte do Sistema d20 é uma coisa boa. Foi uma manobra antipática por parte da Hasbro-Wizards a fim de cortar as asinhas da concorrência? Foi. Mas é melhor ver o lado bom — em vez de cortar asas, digamos que ela abriu a portinhola da gaiola, permitindo que se voe para longe dela e se veja o mundo em sua enormidade. O fim da terceira edição também serviu para mostrar que um sistema hipertrofiado desaba com o próprio peso.
Sistemas pesados, na generalidade dos casos existentes, atuam na mesma área dos RPGs eletrônicos de sigla feia (MMMORPG — tente falar isso rápido o bastante, soa mal), e esses são mais atrativos. A similaridade se dá, de certo, porque se apropriaram de muitos elementos de RPGs como Dungeons & Dragons. Não creio que o sentido oposto — o RPG de mesa se apropriando de traços do MMO — seja o melhor. Para essas coisas, a plataforma eletrônica tem vantagens muito maiores.
Para concorrer pela atenção, sistemas leves, fáceis de assimilar e práticos de usar. Aliado a isso, um formato que favoreça as coisas que são únicas no RPG de mesa. Se o MMO faz a maioria das coisas que um D&D faz, talvez seja oportuno explorar outras potencialidade inerentes ao RPG de mesa e (ainda) impossíveis nos eletrônicos.
E se a sua vontade é ficar no D&D, então prefira a edição mais recente. O d20, não importa afirmações contrárias, é voltado, sim, para combate. Por que não, então, um sistema de porrada mais leve e voltado mais francamente para isso? As cartas e miniaturas são, eu diria, indispensáveis para esse jogo, mas você pode elaborar ambos — o Newton Nitro, de acordo com umas fotos que vi no blogue dele, faz uns props bem bonitos, dê uma olhada. E você sempre pode usar as miniaturas do RPGQuest.
Se você é um dos poucos que se interessa pelo Romância, duas coisas a saber. A primeira é que o Sistema Shelley morreu. Foi abandonado. Não mexo mais nele — as razões estão espalhadas pelo artigo. A segunda é mais positiva: contactei o Chad — autor e proprietário do S7S e do sistema PQD –, e a licensa do sistema é acessível (se for para fins não-comerciais, é livre; se for comercial, ele pede para avaliar o material antes do lançamento — de certo para evitar coisas como livros de “fantasia erótica” ou horrores como F.A.T.A.L., imagino — e uma página de propaganda para os produtos da editora dele a Atomic Sock Monkey Press). Por que isso é bom? É um sistema que realmente combina com cenário, ocupa menos espaço — mais sobra para material descrito que será útil ao jogo, já que o enfoque é narrativo e, nesse caso, quanto mais informação melhor.
E quanto a vocês? Têm descoberto e jogados sistemas fora do eixo D&D-d20? Se sim, digam quais e se são legais. Não há nada de errado ou ruim em aprender novos sistemas — aprender coisas novas é bom. Basta que o sistema seja suficientemente leve para que aprendê-lo seja prático.
Assim que o tempo permitir, esperem por uma resenha do Swashbucklers of the 7 Skies, bem como uma matéria abordando os diversos títulos existentes na família PQD (eu sou obsessivo, e pesquisei um bocado sobre o assunto ultimamente).







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