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Marcas, sua força e o produto em si

My, oh, my! O que nós temos aqui? Uma marca famosíssima, vista como referência em seu campo de atuação. De quebra, tem uma estilização de réptil. No momento em que vemos o jacarezinho (crocodilozinho?) bordado em uma peça de roupa, nós sabemos de imediato a procedência.
Já à direita temos outra marca. Também famosa, também com réptil estilizado. Também vista como referência em seu campo de atuação e também imediatamente reconhecível.
Quando analisamos um pouco mais a fundo, vemos que as semelhanças vão além das logomarcas com répteis. Que semelhanças são essas? Que implicações existem além daquilo que o olho capta de imediato?

Força da marca

A Lacoste de certo faz as roupas mais maneiras que se pode conceber. Os designs mais inovadores imagináveis, peças que, em si, são objeto de desejo. Sim e não. As peças são, de fato, objeto de desejo de muitos — mas não pelas qualidades do design — ou projética — da roupa em si, que é o mais lugar-comum possível. O único valor agregado que justifica os altos preços de uma peça da Lacoste é, no fim das contas, o bordado de jacarezinho. O mesmo vale para as aclamadas calças da Diesel — é possível pagar mais de R$500,00 por uma calça deles. As calças em si não possuem nada de especial — qualquer outra marca tem uma modelagem similar ou melhor, a durabilidade não é maior –, excetuando a marca.
Imagine agora o seguinte cenário hipotético: o conjunto de regras do Dungeons & Dragons 4a. edição não foi feito pela Wizards/Hasbro, mas, sim, por uma Fiery Dragon ou Green Ronin, e não se chama Dungeons & Dragons, mas, sei lá, Fight & Fantasy ou Hacking & Slashing. Não precisa ser gênio para supor, com boa margem de segurança, que o mesmíssimo conjunto de regras, mas com outro nome, muito dificilmente (para não dizer que é impossível) ficaria entre os mais vendidos da Amazon.com; a adesão seria, no máximo, periférica. Fãs de Dungeons & Dragons provavelmente rejeitariam o sistema, talvez até dizendo de se tratar de um rip-off de regras “emburrecidas” do medalhão criado pelo finado Gygax.
De volta à realidade: o jogo foi feito pela Wizards/Hasbro, possui o nome Dungeons & Dragons — e isso fez toda a diferença. É a marca fazendo sua magia, transformando algo de outra forma ignorável em sucesso meteórico.

Produtos

Os produtos de marcas “mamute” são os melhores, certo? Talvez não. Muita gente assim pensa por serem os únicos que realmente conhecem. O consumidor se fixa a tais marcas e não mais larga. É fácil cair em alguma marca grandona porque elas são mais visíveis — não é preciso qualquer esforço de pesquisa. Elas vêm até você. Isso sem falar no apelo de informes publicitários com dizeres do tipo “o maior” ou “o melhor” — é sedutor poder estar do lado dos “vencedores”, e não com aqueles “fracassados” que consomem aquele produto de quem ninguém ouviu falar e, por isso,  provavelmente é ruim.
É a grana falando: marcas com mais dinheiro investem mais em propaganda e conseguem distribuir melhor seus produtos. Se você vai em um bar, qualquer bar, sempre terá acesso à Skol, à Brahma ou à Kaiser. Isto quer dizer que essas são as melhores cervejas? É evidente que não. Na época em que morei em São Paulo, tive acesso à Devassa, uma cerveja deliciosa, cuja marca e produção me parecem ser pequenas (só a vi no menu de um dos bares a que fui, e também no refrigerador do Pão de Açúcar da Consolação). Caso não tivesse provado, não teria apostado um centavo nessa cerveja — mas experimentei, e a qualidade da bebida faz uma Kaiser parecer o mijo gaseificado que é.
Você, cervejeiro, é “brahmeiro” convicto? Se sim, pode dizer com 100% de veracidade que sua decisão foi baseada nos méritos da cerveja em si? Conseguiria distinguir a Brahma da Skol sem auxílio do rótulo?
E o Dungeons & Dragons, vende mais porque tem as melhores regras e cenários? Na época da edição 3.5, havia uma infinidade de jogos d20 com regras melhoradas (alguns com decisões de design incorporadas à 4a. edição), mas não vendiam mais que o RPG da Hasbro — este vendia mais, justamente por se chamar Dungeons & Dragons. O mesmo vale para os cenários — nomes como Forgotten Realms e Dark Sun são poderosos. Há veteranos que afirmem que as encarnações de cenários consagrados para a 4a. edição pouco têm a ver com suas versões originais. Segundo um deles — o Júlio Leal –, seria mais honesto que dessem outros nomes para estes cenários que têm apenas similaridades nebulosas com os cenários que lhes emprestam o nome. Discovered Realms ou Red Sun, talvez. Ou que bolassem um cenário original para nova edição logo de uma vez. Mas daí não haveria a vantagem do uso de nomes fortes — jacarezinho.
Não se engane com o Pathfinder também, que se beneficia do nome Dungeons & Dragons, ainda que indiretamente. Eles, afinal, editavam a revista oficial do antigo RPG da Hasbro, logo, seriam os “herdeiros legítimos” do legado 3.5. OGL por OGL, o Pathfinder é apenas um dentre muitos. Quer um que faça mudanças? Tem o True20 e, menos genérico, o Fantasy Craft — lançado recentemente e, mesmo sendo um produto similar, não causou tanta hype quanto o Pathfinder. Quer um OGL que mantenha as coisas praticamente iguais? Arcana Evolved do Monte Cook, talvez? Por que, então, tanto destaque pro Pathfinder? Nome.

Experimento maluco

Já pensou em um teste cego entre sistemas similares, como aqueles que usam d20? Todos os sistemas com texto em Times New Roman — pode ser Arial –, mesma formatação, sem identificação de nome. Mestre usando cada um deles para um número suficiente de grupos e depois compute os resultados. Como tal resultado será? Não sei. Mas seria uma forma interessante de testar o mérito do conteúdo dos jogos em si, sem parcialidade proveniente de marca.
Isso tira o mérito das ilustrações, claro, mas essas são advindas do dinheiro. Uma editora com um jogo de nome vai conseguir garantir a venda de grandes tiragens, logo, consegue fazer tudo colorido; há grana suficiente para bancar ilutrações coloridas de desenhistas hypeados como o Wayne Reynolds (que nem por isso deixa de ser ótimo artista), coisa inacessível para editoras menores com marcas menos conhecidas.
É mais seguro investir naquilo que se conhece, mas leva à pura estase. É bacana encarar as coisas com uma mente aberta, evitando discriminar ao se deparar com aquela marca que você desconhece. Por trás das pouco atraentes páginas P&B e marca “chinfrin” pode se esconder material de ótima qualidade, para o qual falta apenas a maquiagem que a grana possibilita.

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