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Falando com o mestre: Rogério Saladino*

O entrevistado dessa vez é ninguém menos que Rogério Saladino, um dos autores do cenário Tormenta e antigo editor das Revistas Dragon Magazine, Dragão Brasil e Dragon Slayer.
.20: vai a clássica pergunta que você deve ter respondido milhões de vezes, mas muitos fãs ainda gostariam de saber – Como e quando conheceu o RPG? E aproveitando, nos fale um pouco sobre Katabrok, afinal é verdade que você passou um bom tempo jogando com este personagem?
Saladino: Conheci RPG em 23 de Outubro de 1991, em uma convenção de Star Trek que um amigo meu estava ajudando a organizar, havia uma mesa demonstrando RPG de… Star Trek, e eu fiquei vendo o pessoal jogar, dando palpites e tentando ajudar aqui e ali. O pessoal da mesa depois me convidou para jogar na semana seguinte, que eles iam formar um grupo novo, de iniciantes. Começamos a jogar AD&D na semana seguinte. E depois fiquei um bom tempo jogando quase todo final de semana.
Havia uma loja que vendia RPG, a Forbidden Planet e tinha sempre gente jogando lá na sexta à noite e no sábado, no começo, eu achava meio complicadas as regras de magias arcanas, divinas e outras (como as Habilidades Ladinas) e preferi jogar com algo simples: um guerreiro.
Para agilizar, joguei várias aventuras com o mesmo personagem; Katabrok… Que acabou ficando conhecido pela quantidade enorme de besteiras que fazia. Não era um personagem exatamente sério… Depois de algumas vezes, fiquei conhecido como Katabrok, e não como Rogério ou Saladino…
.20: qual foi o seu segundo personagem?
Saladino: Na verdade, Katabrok foi meu segundo personagem. O primeiro foi um elfo (eu mal sabia o que era um elfo!) que morreu rapidinho e foi prontamente esquecido (tanto que nem me lembro de detalhes como classe, nome…).
.20: como começou sua carreira como escritor/editor de jogos de RPG?
Saladino: Comecei na Dragon Magazine da Abril. Eles precisavam de alguém que conhecesse o hobby e me indicaram… Eu trabalhava em uma assessoria de imprensa na época (nada muito legal, cuidava de arquivos de recortes e referências).
.20: e só saiu quando acabou a Dragon da Abril?
Saladino: Na verdade não. Eu saí antes, mais ou menos na edição 10. A Abril Jovem fez um corte de despesas e achou que fazer uma revista de RPG era razoavelmente fácil, que um outro editor poderia assumi-la. Daí me mandaram embora. Eu tinha menos de um ano de registro em carteira.
Foi uma decisão administrativa.
.20: depois veio a fase DB?
Saladino: Sim. Eu já conhecia o Cassaro do tempo que eu editava a Dragon e conversávamos numa boa. Ele chegou a fazer matérias para mim e eu pra ele na DB.Quando ele soube que eu tinha saído da Abril, me convidou para trabalhar com ele na DB. O Cassaro já sabia como eu trabalhava, o que eu achava do mercado, do hobby e etc. e em vários pontos a gente concordava.
.20: você assumiu como editor-assistente da Dragão Brasil em que edição?
Saladino: Poutz… Difícil lembrar sem as revistas em mãos… Acho que lá pelo número 14 ou 15, mais ou menos. Beeeeeem antes de Clube de Caça, Tormenta, 3D&T
.20: sobre estes projetos, quais foram as suas contribuições?
Saladino: Um pouco de cada em cada, como os três trabalhavam mais ou menos juntos, ao se juntar o material para cara uma dessas edições ficava meio misturado. Em Tormenta, tem alguns elementos que podem ser considerados como minha criação, como os arquimagos Talude e Vectorius (e Vectora), o deus Sszzaas e uma penca de seguidores dele, alguns dos Dragões-Reis e alguns reinos, como Hershey e Sambúrdia.
.20: sobre Tormenta, o que vocês esperavam na época do projeto e qual foi o tamanho da surpresa de hoje ele ser um dos cenários de campanha mais jogados no Brasil?
Saladino: Quando criamos Tormenta, era só para ser uma maneira de deixar as matérias da revista menos “genéricas demais”. Era para ser um cenário divertido de se jogar, onde tivesse todo tipo de oportunidade ou estilo jogo (dentro de certos padrões e limites, claro) ou campanha.
Queríamos um cenário que pudesse ser jogado por qualquer um, que servisse para campanhas sérias e longas, ou para jogos rápidos e divertidos. Pra aventuras introdutórias, de estilo clássico, de estilo mais cômico, de qualquer jeito; E, principalmente, que os leitores gostassem. Tormenta teve sempre o leitor e o jogador em mente. O que se tem lá no cenário é porque serviria para aventuras ou campanhas de alguma forma.
.20: na fase DB, quais seriam os pontos altos e baixos a serem destacados?
Saladino: depende em que sentido. Acho que a criação e o lançamento de Tormenta foi um ponto alto, assim como todo o processo de criação de Holy Avenger. Sem mencionar outros quadrinhos, como Lua dos Dragões, Mortal Kombat, Street Fighter, U.F.O. Team, Capitão Ninja. E todo o sucesso da revista foi um ponto alto. Claro que infelizmente houveram pontos baixos, como os crimes envolvendo RPG.
Passamos por umas três ou quatro crises envolvendo crimes que foram relacionados à RPG. Infelizmente, o pior ponto baixo foi a mudança de administração da Editora Trama, que depois mudou para Editora Talismã e depois mudou para Editora Melody.
.20: após a saída de Marcelo Cassaro da equipe de edição da DB, você e o J.M.Trevisan continuaram por quanto tempo como editores?
Saladino: Hmmm… até toda a bagunça criada pela nova administração. Ou seja, até o número 111.
.20: e depois migraram para a Dragon Slayer? Como foi essa fusão da antiga equipe DB com os editores da D20 Saga?
Saladino: A equipe da D20 Saga sempre teve um bom relacionamento com a gente. Mesmo muito antes, eles vieram conversar com a gente, dizer que gostavam do nosso trabalho e queriam fazer coisas juntas e etc. Quando ficaram sabendo do que tinha acontecido na DB, eles nos perguntaram se não queríamos participar do novo projeto deles. Esse projeto acabou se tornando a DragonSlayer.
.20: por que optaram por trabalhar exclusivamente com o Sistema d20?
Saladino: Já era a proposta da Mantícora. Eu sempre preferi me especializar em um único sistema (apesar de gostar muito de outros), o que bate com o que eles achavam. Com a Licensa Aberta, o sistema d20 é uma excelente opção para se popularizar um cenário, uma idéia de jogo, um estilo de campanha. Eu continuo acreditando nisso, escrever e criar para o sistema d20 é como escrever para o meu RPG favorito, o D&D, e com a vantagem que mais jogadores utilizarão o material. O sistema d20 foi uma excelente idéia pra se aquecer o mercado, até mesmo fortalecendo-o em várias partes.
Hoje em dia, é difícil se manter uma revista que consiga abranger todos os sistemas de RPG satisfatoriamente. Boa parte dos RPGistas joga d20. Seria um tanto errado dedicar a mesma quantidade de páginas para eles e para sistemas menos jogados. Muita gente disse que a DS não se manteria, que não tinha tantos jogadores de d20 assim. Bom, esse pessoal estava errado. A proposta da DS é fazer uma boa revista de RPG, voltada para o sistema d20. Eu acho que estamos conseguindo.
.20: como você avalia Tormenta D20? Hoje temos novos nomes trabalhando com o cenário como Leonel Caldela, Guilherme Dei Svaldi, o grupo O Círculo; Como decidiram abrir espaço para mais escritores mostrarem seu talento utilizando o mundo de Arton? E como foi a “migração” para a Jambô Editora?
Saladino: Na verdade, nunca fomos fechados a colaboradores novos. Se o cara fosse bom e escrevesse bem, a gente publicava, usava o material e dava o crédito. Com o tempo, fomos encontrando esse pessoal que é muito bom e temos a sorte deles quererem trabalhar conosco. A Editora Talismã/Melody não queria mais publicar livros, e a Jambô nos procurou, pois sabiam do potencial de Tormenta. Eles queriam um cenário nacional para investir, depois do prejuízo que tiveram com uma outra iniciativa nacional que deu alguns problemas.
.20: existe algum projeto ou livro totalmente criado e desenvolvido por você?
Saladino: fiz dois pequenos suplementos para Tormenta: Academia Arcana e Vectora. Ambos tiveram, depois de escritos, umas coisinhas a mais que o Cassaro escreveu, o que eu achei ótimo, pessoalmente, eu prefiro não escrever um livro inteiro sozinho (no caso de suplementos e aventuras), porque diminui a chance de sair algo errado. Tenho muita vontade de escrever um livro de contos curtos, mas sobra pouco tempo. O pessoal da Jambô e da Mantícora me deram carta aberta, tenho liberdade para escrever o que quiser (desde que escreva!), Mas ando com pouco tempo mesmo… Tenho planos para, pelo menos, três suplementos para Tormenta, além da coletânea de contos… Se os leitores tiverem um pouco de paciência comigo, eu divulgo em breve… (ou não tão breve…).
.20: como foi a história que Marcelo Cassaro queria incluir Mechas?
Saladino: Não é desse jeito. O que o Cassaro sempre quis, e é um plot antigo dele, era que o Mestre Arsenal teria um equivalente a um robo gigantesco, uma arma de guerra originária do mundo dele, que estaria avarariada e ele colecionaria itens mágicos numa tentativa de consertá-lo. Isso é bem diferente de se “colocar Mechas em Arton”. Já li em publicações consideradas oficiais da Wizards, como a Dungeon Magazine, mais de uma aventura onde figuram um colosso gigantesco de metal que precisa ser derrotado pelos jogadores, e nem por isso estão dizendo que Forgotten Realms terá mechas.
.20: sobre Moreania, como foi criado? Qual a intenção?
Saladino: A intenção de Moreania era ter um cenário simples, para quem comprou o Primeira Aventura.
.20: sempre pensaram em incluí-la oficialmente no cenário Tormenta ou isso foi tomando forma com o tempo?
Saladino: Foi meio que um processo natural. Para a gente era meio assim: Moreania era mais simples, para quem joga Primeira Aventura, depois tem Tormenta, para quem joga d20 ou D&D. Era natural que os dois cenários se juntassem.
.20: existem planos para a finada revista Tormenta?
Saladino: Na verdade não, porque o papel da Revista Tormenta era fornecer material para o cenário, coisa que estamos conseguindo com a DS e os suplementos da Jambô.
.20: pelo tempo que trabalha com RPG, como avalia o mercado desde a época que ingressou nele até hoje; Quais suas expectativas sobre seu crescimento? Positivas, negativas?
Saladino: O mercado cresceu muito, mas muito mesmo. Ainda não é o ideal e falta muita coisa a ser feita, mas hoje em dia o RPG já é imensamente mais conhecido do que quando eu comecei a trabalhar na área, pois haviam bem menos editoras e muito menos apoio de professores, educadores e pais (o que nós temos hoje em grande quantidade). Acho que foi um crescimento realmente positivo e acho terrível quando surgem pessoas afirmando que o hobby está ruim, está passando por um momento crítico com base apenas em eventos mais recentes. Assim fica parecendo que estão tentando parecer mártires com problemas pequenos. Eu presenciei várias crises sérias no hobby, mudanças drásticas nas empresas mais importantes, quase falências de pilares do hobby, quatro ou cinco crimes que usavam o RPG como bode expiatório, e apesar de tudo isso, o mercado cresceu muito em quinze anos; Ao ponto de podermos afirmar que temos um mercado de RPG ? tanto de jogadores como de profissionais da área ? com um grande potencial de se igualar aos europeus e americanos.
.20: você citou o apoio de professores; Você se interessa pelo papel pedagógico do RPG?
Saladino: Claro que sim. Vários professores perceberam que podem usar o RPG como atividade extracurricular na escola ou até mesmo na sala de aula, apoiando e incentivando o hobby. Temos livros escritos a respeito, e com o passar dos anos, muitos professores passaram a participar mais dos eventos de RPG e a ajudar no hobby.
.20: é verídica a sua fixação por Drows ? Como conheceu os Elfos Negros?
Saladino: Não é exatamente uma fixação. No D&D existem vários “assuntos” que eu gosto muito, e acabo lendo muito sobre esses assuntos. Li bastante sobre os drows de D&D, acho que praticamente todos os novels do R. A. Salvatore e mais alguns relacionados (deve dar uns quinze ou dezesseis) e curto bastantes os suplementos a respeito.
Também tem outros “monstros” que eu adoro, como os Tanar’ri/Baatezu e as histórias referentes a Blood War (li bastante coisa ainda da primeira edição!), os deuses de Forgotten Realms, os Dragões de Faerun, os Zhentarim, tudo que envolve Ravenloft, boa parte de Planescape e muito material de Spelljammer!
.20: defina Rogério Saladino como mestre, jogador, escritor e editor.
Saladino: Não sei me definir… acho que sou apenas um cara que gosta de contar histórias. criar personagens e contar histórias sobre eles. Fico muito feliz que outras pessoas gostem das histórias, personagens e coisas que crio.
E fico mais feliz ainda de saber que usam em jogo e se divertem com elas, afinal qual é a graça de se jogar, escrever e mestrar RPG se não há diversão envolvida?
.20: Em nome da galera do .20, agradeço a entrevista e para terminarmos, deixe uma dica para os futuros fãs que sonham em ingressar no mercado do RPG!
Saladino: Não tenho uma grande dica… mas quem quer entrar na área precisa lembrar de uma coisa muito importante: escrevemos para o leitor e é ele quem manda. Não criamos nada porque somos arrogantes ou por causa de ego, mas pelos leitores.
No final, escrever e criar têm que ser divertido.
Jogo rápido
Filme: As Aventuras do Barão Munchausen.
Livro: Todos da série do Elric.
Revista: Dragon Slayer, Dragon Magazine e Dungeon Magazine e os quadrinhos que eu edito.
Autor: Terry Pratchett
Sistema: D&D /D20 System (sou um defensor do sistema…)
Cenário:Ravenloft (embora também adore Forgotten Realms, Dragonlords of Melniboné e alguns outros).
Herói: Elric de Melniboné
Vilão: Muitos, mas muitos mesmo. Eu curto bons vilões… Jarlaxle, Grazzt, Larloch, Strahd, Strahd e Strahd…
Comida: Muitas, especialmente italiana. Adoro sabores exóticos e diferentes.
Música: Barulhenta e eclética. Minhas bandas favoritas são Devo, The Cramps e Rev. Horton Heat.
* entrevista originalmente publicada na edição #00 da E-zine Nível Épico, em dezembro de 2007. Essa entrevista é antiga, porém as respostas não poderiam estar mais atuais.

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