Olá, pontovinteiros, leitores ocasionais e trolls de passagem. Saudações sertanejas a todos (e afiadas, aos últimos…). Não quero, nem de longe, assustar você, mas é isso mesmo: eu, Jagunço, sou um novo colaborador aqui do .20. Pare de gritar. Não é tão ruim!
Como tal, espero poder colaborar, de alguma forma, com algumas idéias neste nobre espaço rpgístico-comunicacional (chique, não?). Espero não ser expulso ou apedrejado muito cedo…
Antes de trazer para estas bandas sugestões e planos sobre o sistema de jogo que atualmente uso e pelo qual sinto, e não escondo, paixão: Mutantes & Malfeitores, pensei em lher oferecer algo mais… geral.
O assunto que trago, penso, é algo que entra no hall de temas multi-sistema, embora mais voltado para jogos de fantasia. Dentre alguns assuntos possíveis pensei nos que relacionam RPG e história. Decidi, então, começar propondo uma discussão mais ou menos específica: como Impérios desabam? Como isso, afinal de contas, afeta um mundo de jogo?
A Velha História da Civilização Perdida
A Era Hiboriana, o Império de Netheril (entre tantos em Forgotten Realms), as sociedades egípcia, grega, romana e persa… são tantas as referências, reais ou não, de míticos povos ancestrais, portadores de poder inimaginável, de força insuperável e de cultura particularmente instigante, que nos vemos em meio a uma certo fundamento da história humana. Símbolos de um passado apenas vislumbrado, do qual restam meros resquícios, cada um desses exemplos é prova de uma característica de nossa memória (prática ou fictícia): a de reavivar e consagrar o que se foi, fazendo de velhas tradições verdadeiros deuses sem rosto, como um registro de nossa “paternidade/maternidade” cultural. Se somos, por exemplo, descendentes dos “sábios gregos”, somos, portanto, dotados de algo “mágico”… um tipo de “gene” espiritual que nos dá grande potencial.
Além disso, além dessa marca de identificação e reverência, os mundos destruídos do passado conferem uma idéia de glória perdida, de exemplo pálido e de orientação para o futuro. Ainda que isso nem sempre se configure na prática. A noção de que um reino é parte de um grandioso império decaído é uma lembrança constante tanto da digna origem dos guerreiros de hoje, como de sua inferioridade para com os guerreiros de ontem.
Durante toda a Idade Média a sombra do Império Romano e da antiguidade grega pairou sobre os saberes na Europa. Monges copistas e clérigos estudiosos conheciam e guardavam para si muitas informações sobre essa anterior era de ouro. Isso sem falar da civilização árabe, que, como você deve saber, também guardou boa parte dos segredos da antiguidade. Claro que, a nossa Idade Média, não foi exatamente uma Idade das Trevas. Apenas parte dela foi.
Os primeiros séculos do desmantelamento do poderio de Roma foram ? entre outras coisas ? uma era de caos, desordem e violência. Imagine toda uma estrutura jurídica se desfazendo: magistrados perdendo seu poder, exércitos se transformando em legiões desunidas, cidades caindo com o ataque de povos militarmente preparados e muito pouco afeitos ao diálogo. Esqueça zumbis por um instante. Imagine o governo de seu país desaparecendo – não da noite para o dia, mas aos poucos, perdendo poder e respeito, sofrendo de separações sucessivas e enfraquedoras, ficando à mercê de uma população faminta e feroz. Pense em monumentais cidades sendo invadidas por culturas diferentes; cidadelas sendo pilhadas, queimadas ou desmanchadas. Veja hordas de homens cuspindo em estandartes antes temidos ? que para eles eram bandeiras de um inimigo pretensioso.
Havia, por toda parte, mármore, metais, seda e ouro sendo repartido por muitos ? literalmente “desconstruindo” um Império!
Pensando o Mundo Seguinte
Isso aqui não é aula de história, claro. 🙂 Você, provavelmente, sabe de muitas dessas coisas, inclusive, penso, sobre o que levou grandes impérios à ruina. A intenção aqui é apenas reunir as idéias. Os motivos da queda de um Império poderiam, então, ser resumidos em duas máximas: ou seus inimigos cresceram… ou o próprio Império cresceu demais… ou ambos.
Roma era inacreditavelmente poderosa. Em seu auge, o Império cobriu a Europa, parte da África e da Ásia. Claro que isso não significa que era um Império monolítico, sólido, onde todos pensavam como um só. Foi exatamente a nuvem de diferenças entre os povos dominados e a cultura romana que desencadeou revoltas, guerrilhas e, finalmente, levantes pesados. As chamadas Invasões Bárbaras, são uma forma de simplificar o caldeirão de disputas que resultou na derrocada do monstro romano: generais descontentes e discordantes viveram e lutaram em muitos momentos da existência do Império. Em meio ao tumulto, às crises, à precária estabilidade, à divisão do Império entre Oriente e Ocidente, Roma perdia poder.
Em cenários como Forgotten Realms ou Reinos de Ferro, a queda de Impérios é algo distante, tratado como parte de um passado razoavelmente intocável. Em Toril nem mesmo é possível restituir a magia como antes, mas o mundo já mudou para se adaptar. Em Immoren, o Império do passado era inimigo e, como tal, merece ser deixado para trás – aliás, medida que o próprio inimigo tomou, ao partir do continente: os Orgoth queimaram quase tudo o que representava seu mundo, antes de sua derrota completa e sua fuga sombria.
Mas… como contar histórias sobre um tempo mais próximo da Queda? Como pensar os impactos do sumiço de um império em um cenário de campanha? Penso em alguns pontos. Vejamos se você concorda com eles.
1) Uma verdadeira idade das trevas é uma idade com conhecimento perdido, um hiato entre saberes antes amplamente divulgados. Podemos relativizar uma série de questões morais ou culturais sobre como a Europa desenvolveu novas sociedades sem o Império Romano. Mas uma coisa é curiosa: o saber técnico, em muitas áreas, durante um bom tempo, ficou perdido ou “quebrado”. Arquitetura, urbanismo, filosofia, direito, matemática e “engenharias” foram áreas que os novos reinos bárbaros não assimilaram de forma igual. Não significa que o mundo “desaprendeu”. Só que ele se “esqueceu”, em alguns lugares, de como realizar muitas, muitas coisas. Pense em magias perdidas, em itens mágicos raros e, talvez, escolas místicas inteiras cujo membros se reduziram a um punhado. E se o mago que seu grupo protege for o último Abjurante do mundo conhecido?
2) Uma verdadeira era pós-Império é marcada por vácuos de poder, por terras com pouca lei. Imagine só príncipes lutando pela supremacia ou exércitos sem pátria conquistando e pilhando regiões inteiras. Não há reis duradouros, nem juízes sem espada. Pense em como todas as formas de organização política se convertem em forças locais, sem governantes reais. Esqueça títulos de nobreza como algo importante: este é um mundo de líderes guerreiros, de senhores que se mantém na liderança, quase sempre, por competência bélica. As linhagens ainda existem, mas se transformaram em apenas um dos elementos do poder dos nobres. Os conhecimentos de guerra do velho Império ainda podem ser conhecidos, mas alguns dos recursos podem não mais existir (mestre: torne armaduras completas e ferreiros que sabem fazê-las coisas difíceis de encontrar e veja o grupo brigando para consegui-las!).
(Já pensou em Espadas Largas como armas exóticas?)
3) Uma marca adicional de um cenário assim é que ele possui religiões novas. Se os deuses antigos permitiram a queda do Império, podem não ser mais reverenciados por seus sobreviventes (ou, especialmente, por aqueles que nunca os louvaram de fato). Templos serão destruídos, enquanto novos santuários surgirão. O poder clerical se tornará motivo de guerras e escaramuças. No fundo das reconstruções sociais, as religiões vão rosnar para obter um lugar privilegiado na nova estrutura de poder. Credos diferentes, antes poderosos, decairão, mas não sem antes destruir os traidores. Uma história sobre sacerdotes de religões opostas subornando reis e disputando a fé dos líderes de uma Cidade murada é uma história possível nesse nicho.
Bem, talvez eu tenha me empolgado desta vez. O assunto nem foi arranhado, mas não vou cansar você, agora. Vamos encerrar nossa conversa por enquanto, certo? Algumas idéias foram esboçadas. Agora, claro, quero saber das suas.
Nota: este post foi, visivelmente, imagino, inspirado no livro O rei do inverno de Bernard Cornwell. Enquanto narra a saga de Arthur, o escritor nos convida a passear por um mundo decadente, fruto da perda de uma glória antiga. Quem não leu ainda, deveria. 🙂