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Charles Stross e a nova cara da ficção científica

Se você é um daqueles que torce o nariz para o gênero de ficção científica, sob alegações de que não suporta viagens espaciais, robôs, duelos de raios laser no vácuo e a coisa toda, talvez é porque não conheça o Charles Stross. O que me atraiu inicialmente no trabalho dele foi a indicação que recebi certa vez de que ele consegue fazer maravilhas sem sair do escopo da hard sci-fi — chama-se usualmente de hard a ficção científica que se apóia apenas na ciência comprovada, aquela que se sabe que funciona. Logo, nada de psiônicos, espécies alienígenas à Star Wars, etc.
Por mais que eu adore o Isaac Asimov, não podemos negar que se trata de ficção científica ultrapassada — além de ter sido escrita em uma época em que os avanços tecnológicos eram outros (nem internet havia sequer), ela assumia que muitas coisas continuariam praticamente iguais, mesmo séculos no futuro. Stross tem uma visão diametralmente oposta — da mesma forma que nosso estilo de vida, valores e engenhocas como um laptop pareceriam alienígenas, ou, no mínimo, bizarras para um vitoriano do século XIX, deveríamos supor que o nosso futuro nos venha a parecer tão estranho quanto, se não mais. É este o assunto que ele aborda no romance Accelerando — que, com o consentimento de suas editoras, Ace e Orbit, ele disponibilizou gratuitamente em seu site (em vários formatos, como html, pdf e até mesmo txt).

Como o nome já diz, o livro fala sobre a singularidade, que, bem simplificadamente, é o evento em que o desenvolvimento tecnológico torna-se tão frenético que se torna impossível intuir o que virá pela frente, nesta ocasião em que as constantes se tornam variáveis. De acordo com Stross, computadores são o futuro de ontem — o futuro agora está ligado à informação. Com a melhoria das tecnologias de armazenamento, transferência de dados e gadgets portáteis (aparelhos como o iPhone são apenas o começo), a internet torna-se onipresente na vida das pessoas. Junte à mistura a possibilidade de fazer upload de cérebros (padrões das sinapses emulados em ambiente virtual) nesta internet turbinada, avanços brutais na nanotecnologia (que, por tabela, abrem novas portas para avanços em um catatau de campos científicos). E isso é o início do livro — à medida que a história se desenvolve, as coisas ficam bem estranhas. Mesmo.
E é claro avanços dessa magnitude não ficam quietinhos e isolados. A sociedade sofre enormes impactos, do quotidiano dos indivíduos às instituições estatais. Economia como conhecemos deixa de existir,substituída por algo alienigenamente distinto — e era de se esperar, quando temos um ambiente virtual onipresente na vida das pessoas e inteligências artificiais autônomas na forma de empresas, golpes de pirâmide e outras espécies da fauna financeira-especulativa.
E a coisa vai além — com a sociedade assim em mutação, transmutam-se conceitos como privacidade, sexualidade, direitos humanos, continuidade histórica e, quando as coisas ficam realmente quentes, o conceito de vida e morte.
Portanto, se você está cansado de sagas planetárias, robôs e o centrismo em máquinas que a) não são novidade alguma ou b) sabemos que são totalmente inverossímeis e, portanto, não convencem, aproveite a gratuidade deste excelente romance de ritmo frenético e conheça uma ficção científica realmente abrangente e futurista — e o melhor de tudo, um futuro que já mostra sinais de estar nos trilhos e que, caso seja parecido com esta peça de ficção, vai ser fodidamente legal. (Não exatamente em passeio na parque, admito, mas nada daquela choradeira pessimista pós-apocalíptica.)
Se tiver curiosidade em relação a outros títulos do mesmo autor, recomendo o outro que li Singularity Sky — que compartilha vários aspectos com o Accelerando, mas em que há uma presença maior de viagens espaciais (sem os clichês) e um futuro bem peculiar para a Terra em virtude da ação de um… deus? A seqüência, Iron Sunrise, da qual já devorei 1/5 do livro, também parece que não vai desapontar.

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