Um Mal Necessário?
Quantas vezes, ao ler aquele determinado livro, assistir a um filme ou ver uma novela, você teve a nítida impressão de que o autor acabou deixando pontas soltas de propósito para conseguir fazer com que os heróis triumfem sobre os planos dos vilões? E quantas vezes isso saiu tão forçado, mas tão forçado que acabou tornando toda uma boa história simplesmente babaca?
Um exemplo de nossa teledramaturgia recente, como muito bem me lembrou o Antônio-Casas-Bahia-Pop há alguns dias. A vilã com cara de anjo Flora, interpretada phoderásticamente pela atriz Patrícia Pilar. Na trama, após matar meia dúzia de pessoas e se apoderar legalmente de toda a fortuna de uma abastada família, a vilã conseguiu se livrar de todas as provas de sua culpa, matou ou desacreditou todas as testemunhas e no fim, triunfante, podia ter simplesmente aproveitado a boa vida que conseguiu através do crime, rindo de suas vítimas em algum lugar distante.
Mas ela, claro não fez isso. Porque passou a sofrer do que doravante trataremos como a Síndrome do Vilão Burro, ou apenas SVB (parece nome de inseticida…). Ou seja, ao invés de simplesmente ganhar a parada, passa a desejar coisas supérfluas por motivos idiotas. No caso da Flora, apenas para humilhar ainda mais a irmã, ficou no país para tomar posse de um rancho (!) e no fim foi enganada por uma boneca de pano (!!) para confessar seus crimes em um teatro lotado (!!!!) com direito a polícia gravando e tudo o mais que todo final de história da Globo tem direito.
Pode parecer tosco, mas isso acontece um número de vezes muito maior do que o necessário. E porque os vilões fazem isso? Por que ao invés de um balaço na cara do herói, eles amarram o cara em uma armadilha mortal que lhe dá uma chance remotamente remota de escapar, o que inevitavelmente acaba acontecendo? Por que os vilões em sua maioria são tão… mas tãaao tapados? Vamos conversar sobre isso.
SVB – Acontece nas Melhores Histórias
Convenhamos, todos querem que o bem vença no final. Mesmo quando os próprios heróis são fracos, tapados e sem graça, se espera que eles consigam acabar com os planos maquiavélicos dos seus inimigos. E por isso, as vezes por certa falta de planejamento o autor precisa empurrar um pouquinho o bom senso de lado para que consiga encaixar um fim na história, ou para deixar que os heróis escapem milagrosamente para poderem lutar outro dia.
Alguns exemplos? Voldemort, o bruxo das Trevas mais poderoso do mundo de Harry Potter, teve o moleque amarrado, imobilizado, amordaçado e indefeso diante dele dúzias de vezes. E sempre o deixou escapar pois ao invés de usar de uma vez Avadra Kevadra nas fuças do herói, fazia questão de lhe dar uma chance “para provar que era superior” ou algo do gênero. Sintomas de SVB.
Sauron, o Senhor do Escuro de Mordor e vilão mor da saga do Senhor dos Anéis precisava apenas roubar um anel de um hobbit para se tornar invencível. Ele era Imortal, tinha todo o tempo do mundo e um exército de milhares de orcs, homens e nazgul. Porém, ao invés de colocar toda essa turma atrás de Frodo, preferiu por algum motivo que nunca compreenderei atacar precipitadamente os poucos e desunidos reinos humanos, deixando que o Um Anel lentamente escorregasse até a Montanha da Perdição.
Diacho, não tinha ninguém de guarda na montanha para deter dois hobbits moribundos! Novamente, uma crise de SVB.
Ainda não está satisfeito? Quantas vezes o Vingador capturou os heróis, confiscou suas armas e ao invés de matá-los, aleijá-los ou simplesmente mandá-los de volta para o Parque de Diversões, colocou-os numa prisão mal protegida por orcs? E porque a Flora ao invés de puxar definitivamente o gatilho para vingar-se de sua irmã após o papelão no teatro ficou “saboreando o momento” até a polícia chegar?
Em todos estes casos (e muitos outros) o vilão não só poderia como deveria vencer. Mas foi derrotado por sua própria burrice para amarrar o fim da história e possibilitar a vitória milagrosa dos heróis. E como evitamos que isso ocorra o tempo todo em nossas campanhas? Como você tem lidado com o momento inevitável em que os heróis enfim chegam para atrapalhar e atazanar a vida do vilão final de sua história?
Vamos trocar algumas idéias… Flora, música de suspense, por favor.
Planejando alguém menos tonto
Não pretendemos aqui criar uma fórmula de vilão invencível, perfeito e infalível, pois o narrador em jogo pode fazer isso perfeitamente bem, apenas ocultando tudo de seus jogadores até aúltima hora e isso costuma ser muito chato. Não, essa não é a graça de um vilão bem planejado. Um bom mestre, ao preparar seu vilão, não pensa apenas nos sucessos de seu NPC. Ele planeja também suas falhas. E isso faz toda a diferença na hora de revelar os planos do inimigo.
O primeiro passo é traçar um objetivo final. Isto faz toda a diferença. Se você sabe onde quer ir, os passos que irão lhe levar até lá são mais facilmente traçados. Sempre comece pelo fim, pelo lugar onde ele efetivamente quer chegar.Vamos exemplificar: nosso objetivo vilanesco é… digamos, moldar a face visível da lua para que ela tenha a aparência da falecida avó do vilão. Um objetivo total e completamente plausível e justificável, pelo qual vale a pena derramar sangue inocente.
Agora que sabemos o que o vilão quer, escolha algumas ações que teoricamente irão lhe ajudar a cumprir este objetivo. O importante é que dali em diante, por mais remotas e absurdas que sejam, as ações de seu vilão tenham alguma relação com seu objetivo final. Porque ele escravizou aquela vila de camponeses velhos para trabalhar em suas minas? Pois naquele lugar o solo é rico em urânio, necessário para as bombas que irão moldar a superfície da lua.
Ele implantou uma bomba nuclear no coração de Nova Iorque? Estava apenas distraindo a atenção dos heróis enquanto as verdadeiras bombas eram transportadas para o local onde seriam lançadas. Ele explodiu os satélites de comunicação em volta da Terra? Precisava eliminar toda e qualquer interferência de sinal para evitar que uma bomba se desviasse do rumo e deixasse a cara da vovó com rugas no lugar errado…
Faça anotações consigo de cada uma das etapas do plano maquiavélico do seu vilão. A partir dali, pense com cuidado onde seus jogadores provavelmente terão sucesso (e aqui é importante que você lhes premie com alguma pista útil para que eles consigam desventar o todo da trama) e onde o próprio vilão precisará repensar seus atos. Um mestre que conheça seu grupo de jogo saberá prever com certa certeza quais serão as ações dos jogadores, e desta forma traçará um bom plano de reação nas entrelinhas.
Outra coisa importante. Evite mandar o vilão pessoalmente lidar com os heróis após o primeiro fracasso. Isso é burrice! Capangas existem para isso, e se eles estão sendo derrotados pelos heróis, você tem mais um motivo para agir com o cérebro e não com os músculos e se manter longe deles até estar preparado para o que vai encarar. Pense em quantas vezes o Esqueleto foi pessoalmente surrar o He-Man ao invés de aproveitar seus capangas para distrair o herói enquanto ele efetuava algum contra-movimento, nem que fosse desvendar a misteriosa identidade óbvia por detrás do seu inimigo jurado. Lembre-se. Errar acontece; mas persistir no erro…
Vamos a mesa de jogo. Primeiro, tenha uma coisa em mente: você que planejou a aventura é o único para quem todos os planos são óbvios. Para os jogadores ouvintes, tudo o que eles possuem são pistas vagas da trama. Eles naturalmente vão levar algum tempo até ligar todos os pontos, amarrar todas as pontas. E é nestes momentos em que você deve ter as idéias mais ou menos engatadas para poder liberar as informações para eles. Se as pistas chegarem assim, aos poucos, mesmo o plano mais mané vai parecer que só fracassou devido a intervenção dos heróis e não porque você como narrador lhes “deu uma força”.
De volta ao nosso exemplo esdrúxulo: A vila escravizada foi libertada? Os velhos agradecidos contam aos heróis que estavam garimpando minério rico em urânio. 1 X 0 para eles. Esta é uma pista que não diz nada, e ao mesmo tempo diz muito. Pois foi ela que possibilitou aos heroís descobrirem sobre a bomba em Nova Iorque. Infelizmente, se correrem para lá, eles estarão fazendo o jogo do vilão. 1 X 1 . E a campanha segue.
Planos malignos assim acabam invariavelmente chegando em momentos críticos. Pontos onde não podem haver falhas, de ambos os lados. No nosso caso, se os heróis não sacarem que está tudo preparado para explodir a lua, o vilão triunfará. Se descobrirem, poderão tentar impedi-los e ele deverá estar enfim preparado para o confronto direto.
Não tenha medo de ser justo. Se o seu vilão foi descoberto – repense sua linha de ação. Não seja protecionista com o personagem. Se os jogadores conseguiram realmente azarar seus planos, o mérito deles deve ser dado e o vilão deverá voltar a velha prancheta. Se não, se após as pistas terem sido apresentadas e o vilão conquistado todos os meios para triunfar – nunca volte atrás – exploda a lua, mate a princesa, conquiste o reino, puxe o gatilho! Ele – quanto NPC – também fez por merecer. Dali em diante seus heróis terão que lidar com a situação.
E a Verdadeira Sacanagem de um Vilão Esperto
Ele aprende com seus erros. Não continue dando com a cara na porta. Se os personagens venceram seu vilão aproveitando-se de um ponto fraco ou técnica poderosa, crie um contra-golpe e volte preparado em seu próximo encontro. Evolua. Heróis tem a tendência de se acomodarem na vitória, esquecendo que mostraram seus melhores golpes na última luta e não preparam nada novo para a próxima. E o melhor, aprenda a usar os heróis. Aproveite-se como vilão da bondade de seus jogadores para seus fins malévolos.
Tenha sempre um plano correndo nos bastidores, e que de preferência, precise da ação dos heróis para funcionar corretamente. Algo como matar um determinado monstro que impede seu avanço ou furtar determinado item que lhe atrapalha seus poderes. A falsa sensação de estar fazendo o bem é a melhor forma de coagir heróis a ajudarem o vilão.
Mas isso fica pra uma nova matéria.
Armageddon