Pois é. O filme foi lançado, é bem legal, mas tem alguns defeitos que são coisa de criança. Me pareceu uma obra do Zack Snyder diretor de 300 ou da Noiva do Chucky, não do Zack Snyder diretor de Madrugada dos Mortos.
Entretanto, eu acho que ele exemplifica bem alguns problemas que são relativamente comuns quando um mestre de RPG está no comando de uma aventura. Como o tema é super-heróis, vou comparar tendo em mente o jogo Mutantes & Malfeitores. Mas de verdade, muito daqui pode ser aplicado em qualquer jogo. Por favor, me acompanhem nesta resenha/dicas de mestre.
Longo Demais
O filme do Watchmen tem incrivelmente longos 163 minutos (2 horas e 43 minutos). Não é para qualquer um assistir um filme grande desses sem se entediar no meio. Eu compreendo que a história em quadrinhos é grande (inclusive, foi bastante mutilada para caber na telona), mas nesse tipo de caso acho que eu preferiria que o tio Snyder tivesse dividido em mais de um filme. Filmes grandes deste jeito precisam de um ritmo muito bem trabalhado para não ficarem entediantes, e infelizmente isso é algo que eu sinto que o quadrinho não oferece de onde tirar (afinal, ele foi feito para ser distribuído em várias revistinhas).
Trazendo para o RPG temos o problema das sessões de jogo muito longas. Você pode dizer que não existe isso de sessão muito longa, mas existe sim. Quando seus jogadores começam a cair de sono, são assolados pela fome (porque os salgadinhos acabaram há mais de duas horas) ou começam a preencher demais a sessão com histórias que não tem nada a ver com o jogo; pode ter certeza: sua sessão está longa demais.
Claro. Quanto de tempo uma sessão deve ter varia muito de grupo para grupo. Não, de jogador para jogador. O segredo é saber encontrar um ponto de equilíbrio. Se alguns dos jogadores acham que o tamanho ideal é de 4 a 6 horas e outro de 6 a 8, faça sessões de 6 horas.
Aliás, a diminuição da duração das sessões pode aumentar bastante o nível de ação delas. E por ação não falo em combates e perigos, mas sim os momentos em que os personagens tomam papel ativo na história e estão de fato fazendo alguma coisa, no lugar de apenas planejarem e esperarem o que pode vir a acontecer. Afinal, se esperarem muito a sessão simplesmente acaba.
O Espírito da História
Cada vez mais eu me convenço de que uma boa adaptação de outra mídia é aquela que não tenta ser uma transcrição fiel de cada momento apresentado no original, mas sim aquela que pega o espírito da coisa e constrói a sua própria história. Claro, existem exceções. Eu achei Sin City fodástico, e o grande mérito do filme é sua fidelidade quadro-a-quadro com a HQ.
Mas no geral, quanto maior for a consciência do diretor e do roteirista da adaptação de que estão trabalhando em uma mídia diferente da obra original, melhor.
Watchmen teve isso. Você sente que o filme não tentou ser maior do que a história em quadrinhos. E isso independe de Watchmen ser considerado a melhor história em quadrinhos de todos os tempos (coisa que eu discordo, inclusive). O filme sofre de uma falta de ganância que salta da tela. Você nota a falta de pretensão. E é triste ver uma obra de criatividade que busca apenas ser uma sombra de sua versão original.
Para o RPG nem é preciso falar muito mais. É comum inspirar-se em quadrinhos, filmes, video-games e outros produtos de outras mídias quando vai mestrar Mutantes & Malfeitores. Os próprios jogadores muitas vezes inspiram-se em super-heróis famosos para fazer seus personagens. E não há nada de errado nisso.
Mas quando for tomar essas inspirações e transplantar para o jogo, lembre-se de que está mudando a mídia. Coisas que funcionam bem em quadrinhos, filmes, etc., podem não funciona tão bem dentro de um jogo de RPG.
Claro, o Mutantes & Malfeitores faz um trabalho intenso para acomodar os lugares comuns das histórias de super-heróis. Mas o ideal ainda é você só pegar a idéia principal daquilo que deseja usar de inspiração e depois trabalhar com as ferramentas do próprio jogo para tornar aquilo possível dentro de uma campanha de M&M.
Não Imponha um Caminho
Obviamente, acusar um filme de impor que história siga apenas um determinado caminho – ainda mais um filme baseado em uma história já conhecida – é simplesmente imbecil. Mas, estranhamente, é uma coisa que você nota ao longo do filme.
Uma história boa normalmente é rica em elementos que não vão necessariamente contribuir para seu avanço mas vão tirar um pouco a atenção das pessoas do caminho que a trama segue para que elas não sintam que ele é tão retilíneo. Por mais que toda hitória seja, em última análise, retilínea.
O filme do Watchmen cortou muitos dos elementos mais marginais à trama. Elementos que não apenas tiravam um pouco da sensação de que a história está avançando com o passar dos minutos do filme, como também serviam para tornar o mundo ao redor dos personagens principais mais vivo (vou falar mais disso mais à frente).
Num jogo de RPG acontece algo parecido. Todo conflito normalmente se resume em sair da situação A e cumprir com o objetivo B de forma que construa a situação C. Entretanto, muito da graça do jogo é que o caminho trilhado para a resolução do conflito é em grande parte definido pelas ações dos jogadores.
Quando o mestre começa a levar os jogadores pelo caminho que ele quer, impedindo ou simplesmente ignorando demais os acontecimentos que não estão diretamente ligados à trama (claro, é bom cortar alguns deles para o jogo não ficar girando sem sair do lugar), o grupo todo perde este elemento importantíssimo da experiência de jogar RPG.
Claro, é difícil deixar os personagens soltos para fazerem o que quiserem e ter de inventar em cima da hora situações interessantes para as decisões mais imprevisíveis tomadas pelo grupo. Mas um mestre de jogo tem de aprender a lidar com isso – nem que seja dizendo: “Ok. Eu não me preparei para isso. Me dêem quinze minutos.” ou “Este me parece um bom momento para uma pausa para o lanche.”
De qualquer maneira, você deve buscar o equilíbrio entre foco na trama principal e a presença de elementos marginais à ela. E esse tipo de coisa não há muito como aprender se não praticando. Tente perceber as reações dos seus jogadores e ver o quão dispersos eles ficam para se orientar.
Faça os Jogadores se Importarem
É. Eu disse jogadores. No filme do Watchmen não aparecem muitas cenas com outras pessoas além dos heróis. De fato, não lembro de nenhuma cena assim. E é raro você ver no filme algum personagem importante o suficiente para ser lembrado que não sejam os protagonistas. Eu mesmo só lembro do presidente Nixon, do Figura Pequena (é assim que ficou em português? Li Watchmen em inglês e não presto atenção nas legendas) e do Moloch.
O problema disso é que quando as pessoas que os heróis deveriam proteger morrem, os expectadores não haviam criado simpatia alguma por elas. Tanto faz se uma delas leva um tiro, é explodida pelo Dr. Manhattan ou se ganha na loteria.
Então, quando os heróis se deparam com o grande incidente no qual milhões de pessoas morrem, você, expectador do filme, não dá a mínima. Qual a grande tragédia na morte de milhões de pessoas ficcionais com as quais você não tem a menor empatia?
E o mesmo vale para o RPG. Quando um vilão megalomaníaco ameaça matar muitas pessoas com as quais os jogadores não têm empatia alguma, a ameaça sai vazia. Deixará os jogadores bem menos desesperados do que se a ameaça fosse de matar um único NPC do qual os jogadores gostam.
Então, se for ameaçar/matar/machucar pessoas num jogo de RPG para mostrar que seu vilão é mal, por favor, tente fazer os personagens sentirem algo pelas vítimas. Nem que seja só um pouquinho. Pode ser até raiva. Mata o repórter pentelho. Mas não mate o transeunte genérico número 33.
Mas não tem nada de bom?
Claro. Há lições boas que podem ser aprendidas com o filme. Eu posso apontar duas que eu lembrei enquanto escrevia isto:
Combates são seus amigos
O filme deu uma atenção bem maior aos combates do que a história em quadrinhos. Ví muita gente reclamar disso. Mas eu acho que os combates do filme foram uma ótima forma de injetar um pouco de empolgação nos momentos em que a história estava ficando simplesmente maçante demais.
Como já disse lá em cima, Watchmen é um filme muito longo. E a história em quadrinhos não tem muita ação, é mais cerebral mesmo. Isso não é problema quando estamos falando de uma HQ. Mas isso pode ser um problema bem sério quando falamos de um filme com mais de duas horas e meia de duração e adaptado de uma história já bem conhecida.
Eu te juro. Se não tivesse os combates haveria boas chances de eu cochilar ou simplesmente me levantar e sair no meio do filme. E não é pela história ser ruim, mas sim por ser monótona e longa. Não dá para manter mistério e suspense por tanto tempo num filme sem levar seu expectador a conclusões erradas ou sem ficar muito chato.
Então, para quebrar o gelo, o filme colocava uns combates mais exagerados para te manter acordado.
No RPG o mesmo pode acontecer. Quando sentir que o jogo está ficando meio parado, ou ao menos sem altos e baixos, coloque alguns combates, perseguições ou outras cenas de ação. Nunca subestime a capacidade de um grupo de ninjas aparecer para aliviar o tédio dos heróis.
Entre ser Fiel e ser Legal, Fique com o Segundo
Algumas das mudanças feitas no filme do Watchmen foram muito bem-vindas para mim porque, ao meu ver, elas tornaram a experiência do filme mais legal do que poderia ser com os elementos originais. A mudança na mãe da Laurie eu achei muito boa, bem como o flashback que substitui um diálogo entre o Dr. Manhattan e a Espectral, ou a cena de luta logo no início (apesar dela, para mim, facilitar muito matarem o final – mas pode ser só impressão porque eu já sabia do final).
E o mesmo deve ser usado no RPG. Às vezes os mestres pegam elementos para colocar no jogo e seguem com eles como se fosse uma religião, sem adimitir a possibilidade de trocar alguns deles para torná-los mais divertidos para seu grupo.
Isso acontece bastante quando o grupo joga aventuras ou cenários prontos. Parece que há um medo de inovar, de adaptar para algo mais do gosto dos jogadores. Como se a polícia do RPG fosse arrebentar a porta e janelas e invadir a casa para prender o grupo e queimar os livros.
Mestre, você (normalmente) conhece seu grupo. Tem uma noção do que eles vão achar legal ou não. Se detectar algo que o grupo não vai gostar tanto e acha que pode alterar este elemento para algo que seus jogadores gostem mais, por favor, mude! Esqueça o Dr. Tomorow, deixe o jogador do seu grupo ser o inventor das viagens no tempo. Ou faça que o manto de arquimago da Terra recaia sobre os ombros de um dos personagens jogadores.
Enfim, tenha sempre em mente que a diversão do grupo é o propósito primeiro de qualquer sessão de RPG.