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Atuar ou não, eis a questão

O novo D&D não tem mais a perícia Atuação.  É comum ver jogadores estranharem esta notícia. Parece que ela era realmente queridinha de muitos jogadores por aí. Eu confesso que gostava muito dela, mas não posso dizer que achei ruim ela ter sido retirada.

Para quê que ela servia? Mostrava o quão bom seu personagem era para apresentar-se em público e fazer dinheiro com isso. Será que ela tem lugar num jogo de aventureiros ousados que riem na cara do perigo e esgueiram-se em masmorras atrás de fama, ouro e talvez um sentimento de que estão fazendo uma diferença neste mundo? Pergunto porque o novo D&D faz todo um movimento de voltar o seu foco para ser um jogo de aventureiros, e deixar de lado a proposta de ser um simulador de mundo. É. Se você queria um jogo para viver o cotidiano do padeiro de uma cidadezinha medieval, o D&D não é mais um jogo para você (se é que foi um dia).

Pode até ser legal. Mas não é isso o que espera acontecer sempre que vai jogar D&D, é?


Vamos consultar os usos para esta perícia que constam no livro básico:

Usos de Atuação

Você escolhe uma especialização e pode apresentar-se com ela em troca de dinheiro. Com muita sorte (CD 30) você pode ganhar um punhado de peças de ouro por dia de trabalho e atrair a atenção de patronos poderosos. Se você é um bardo, você testa esta perícia para ativar suas algumas de suas habilidades.
Vamos deixar o caso do bardo de lado, porque eu quero abordar isso mais para frente, e analisar os dois usos que não são atrelados a nenhuma classe.
Primeiro: você pode usar esta perícia para fazer dinheiro. O que é uma opção questionável para um jogo de aventureiros que saem por aí matando monstros que dão tesouros. Afinal, se o dinheiro já é conseqüência de seguir a proposta padrão do jogo (sair pelo mundo aventurando-se), para quê uma perícia que vai fazer você passar o dia todo numa praça em troca de bem menos dinheiro do que faria resgatando a filha do rei das garras do líder dos ladrões da estrada?
Além disso, segundo a descrição da perícia, com resultados bem altos você pode chamar a atenção de patronos influentes. Na realidade, com dificuldades bem altas, já que você primeiro define a dificuldade e depois rola para ver se consegue um resultado maior ou igual – e a margem de sucesso não faz diferença no D&D. Então não basta rolar alto, você tem que realmente tentar fazer o difícil.
E para piorar, em nenhum lugar há uma descrição mais detalhada sobre como se dá este processo. A descrição da perícia é propositalmente nebulosa. E isso é compreensível. A decisão de que um rei (ou até mesmo um ser extraplanar poderoso) gostou da atuação do personagem não deveria ficar a cargo de um punhado de rolagens de dados.
Isso muda muita coisa na dinâmica de qualquer grupo de jogo. De repente um dos membros (ou o grupo todo, quem sabe são uma banda) é uma celebridade. Mais que isso, é um artista que precisa estar disponível para apresentar-se para o patrono. Ou acha que a rainha das fadas vai ficar satisfeitíssima quando o cantor/mascote dela estiver por aí aventurando-se no lugar de estar apresentando-se na corte dela?
Enfim. Não é um tema que um mestre acrescentaria numa campanha sem pensar um pouco a respeito antes. Pelo menos não se ele realmente quiser explorá-lo. E se é algo que fica tanto na mão do mestre (e portanto, fora das mãos do jogador), por que é o jogador quem deve pagar com pontos de perícia? Isso para não mencionar que as regras não dão nenhuma noção de quantos sucessos o personagem precisa para atrair esta atenção. E portanto é um evento que depende tanto da vontade do mestre para aparecer que me pergunto se os sucessos do personagem farão qualquer diferença.
Então: Atuação é uma perícia que pode te render uns trocados sem estar aventurando-se por aí (o grande motivo de jogar D&D) e que também pode servir de pretexto para o mestre inserir uma temática diferente no jogo (que ele só coloca se quiser, independente das suas graduações).
Alguém pode me lembrar o porquê de usar esta perícia num jogo de D&D?
Ah, sim. Para mostrar que seu personagem é um bom cantor (exemplo, poderia ser qualquer especialização de atuação) e que ele agrada as pessoas com as músicas dele. Correto?
Muito bom. Mas pelas regras a perícia baseada em Carisma usada para mudar as atitudes das pessoas ao seu redor é Diplomacia, não Atuação.
Claro, você sempre pode adotar este uso de Diplomacia para justificar a Atuação. Inclusive, eu não acho uma solução ruim. Ainda prefiro a idéia de simplesmente permitir que testes de Diplomacia envolvam qualquer tipo de expressão, mas aí é escolha pessoal e eu também não quero entrar no mérito de regras da casa.
O ponto é que, pelas regras como estão, eu não vejo motivo para Atuação ser uma perícia separada. Ela não ajuda os heróis em suas aventuras, mas sim incentiva eles a não saírem por aí enfrentando perigos!
Mas e os bardos?
Que bom que lembrou! Eles são uns coitados! Os bardos precisam desta perícia (inútil) para ativar suas habilidades musicais. E o pior: habilidades que eles só ganham com níveis de bardo.
Então eles não podem pegar um nível de bardo, fazer multiclasse e continuar aumentando Atuação para ganhar os outros usos de música do bardo. Aliás, muitos dos usos de músicas de bardo que exigem um teste de resistência usam como base os níveis de bardo do personagem, e não as graduações em Atuação.
Se é algo tão integrado à classe, porquê atrelar a uma perícia? Igual acontece quando você tem de sobrepujar resistência à magia: você faz um teste de nível de conjurador, não um teste de perícia.
Então para quê manter a perícia Atuação?
De verdade eu não sei dizer. Se conseguisse encontrar um uso bom e exclusivo para a perícia, eu defenderia a manutenção dela. Mas não encontrei. Por isso achei bom a perícia ter sumido no Dungeons & Dragons 4ª Edição.

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