Putz… Atirei na Mamãe!
No recente tópico respondendo ao Meme sobre o dia Z, um dos nossos leitores – o Arcano – comentou algo interessante. Ele nunca havia pensado na Infestação na pele dos zumbis, preferindo o clássico “Eu saio explodindo as cabeças podres deles“. Aventuras envolvendo zumbis são comuns em todos os tipos de RPGs – do medieval D&D até o moderno Storyteller – mas quantas vezes vocês pensaram na pessoa que está ali, naquele estado? E se ao invés de apenas gemer e andar, ela pudesse estar pedindo socorro?
Sim, exite todo um simbolismo por detrás da infestação de zumbis, o retorno dos excluídos, a volta dos indesejáveis e tudo o mais. Mas não é esse o foco deste texto. Vamos pensar apenas no lado prático da coisa:
Por que um zumbi é menos humano que você?
Em filmes e nos quadrinhos, um dos pontos mais comumente trabalhados pelos roteiristas é o fato de que em sua maioria, as pessoas não possuirem mais um instinto assassino, tampouco conseguirem se desprender das emoções que os ligavam às vitimas enquanto ainda vivas. Ao perder um ente querido de forma tão trágica, quem ainda teria coragem para atirar e liquidar o pobre coitado de vez? Não seriamos vencidos pela vontade de ajudar, de tentar salvar o que não pode mais ser salvo?
Em Walking Dead – uma das HQs de zumbis mais duradouras que conheço, por exemplo, há um velhote que vai prendendo os mortos-vivos que encontra num rancho junto com seus filhos (que também estão mortos) para que quando a cura fosse encontrada ele pudesse tentar salvar os garotos. Durante a história, ele é convencido de que eles não podem mais ser recuperados e acaba por exterminar a todos. Mas, e se ele estivesse certo?
Mesmo que em alguns casos os corpos estivessem gravemente degradados, em outros a recuperação não seria de todo impossível. Pessoas que são infectadas por mordidas nas pernas ou braços, por exemplo. E se lá dentro a mente humana ainda estivesse trabalhando? Já imaginou que todos aqueles gemidos e chiados pudessem se tratar de um pedido de ajuda, nascido de um esforço impar?
Analisem. Em caso de um colapso do corpo, o cérebro humano resistiria intacto pelo menos por cinco minutos sem o oxigênio soprado pelos pulmões e levados pela corrente sanguínea antes de começar a sofrer danos irreparáveis. Em geral, os zumbis voltam à ativa antes desse tempo findar, o que nos poderia levar a crer que o processo de mutação (seja ele provocado por um virus, ou qualquer outra fonte) a urgência em manter o cérebro pelo menos parcialmente ativo, poupando no mínimo as funções locomotoras, de olfato e de audição. Porém, muito mais pode ser salvo. Memórias, conhecimentos básicos, instintos…
As mudanças causadas pelo contágio são de alguma forma alterações na função básica da massa encefálica, tornando-a independente de qualque outro sistema. Por isso, e apenas por isso, a única forma de parar um zumbi é destruindo-lhe o único órgão ainda ativo. Adivinhem, justamente o cérebro. Sob essa visão, mesmo em casos em que o retorno demore mais dias, nada impede de que o encéfalo continue funcionando a pleno emprego. Hoje, aparelhos sofisticados conseguem comprovar que ainda há atividade cerebral por horas após a morte. A análise clínica feita em hospitais é bem mais superficial do que isso (em geral, baseada apenas na não-reação do corpo há diversos tipos de estímulos).
É ainda verdade que alguns zumbis regressam apenas dias após a suposta morte, precisando cumprir a desagradável tarefa de escapar de seus túmulos. Isto ocorre devido a passagem do tempo de Rigor Mortis – o enrigecimento dos músculos pela falta de oxigênio, que dura em média três dias – novamente, lembramos que a mutação causou um desligamento das necessidades corpóreas e nada impede que o cérebro do zumbi continuasse funcionando no transcorrer deste tempo, enquanto o corpo pouco a pouco se adaptava a nova realidade.
Onde quero chegar? No fato de que, sim, é possível que ao atirar em seu vizinho “por que agora ele é um zumbi“, você pudesse estar matando um inocente, afetado por uma doença, um estado que talvez seja reversível e do qual você também pode estar infectado.
Mas ele come gente!
Sim, este tipo de comportamento é muito melhor compreendido se considerarmos que o Zumbi agora é uma nova forma de vida e não de uma criatura morta. A Fome é um dos instintos mais primitivos. A primeira coisa que as criaturas aprendem é a se alimentar. Se o contágio fosse causado por um corpo estranho – um virus no caso – e transmitido pela mordida, o fato de obrigar você a atacar quem apareça no caminho é uma das melhores formas de obrigar o hospedeiro transmitir o virus e este poder reproduzir-se. Também corrobora para o fato de um corpo infectado ignorar outro que já o possua. Por esta ótica aumenta e muito a chance do estado da criatura ser reversível, caso o corpo não seja muito prejudicado durante o período da infecção.
Há ainda um outro aspecto, um pouco mais trágico. O estado de não-vida pode se tratar de uma evolução humana. A evolução de um corpo como o nosso para uma forma de vida que independe de alimento significativo, sono ou qualquer outro tipo de suporte a não ser um cérebro. Sobrevivem a extremos de temperatura e se reproduzem muito rápido. Sem dúvida, são aspectos evolutivos. E, sim, não ser mais totalmente inteligente é um mero detalhe. Baratas são muito mais bem sucedidas do que nós como espécie em termos evolutivos.
Neste caso, os verdadeiros fadados ao fim seriamos nós, e não eles, seja pela extinção total através do contágio, seja pelo fim de nossa espécie no transcorrer das gerações, substituidos por um domínio pleno da “raça” zumbi.
Céeerebros… 😀