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Romância – Fantasia Parnasopunk: Retour

Ou, em bom português, “retorno”. Muitos dos leitores daqui devem estar familiarizados com Romância, o meu projeto de caráter autoral para um cenário de fantasia. O Romância foi apresentado publicamente em 2005, neste artigo na RedeRPG — tendo gerado interesse, simpatia de alguns, e até mesmo encarado como ofensivo (!) por outros. O último artigo publicado (Antagonistas: a Feiúra) data de 2007. Depois disso, mais nenhuma palavra.
Mas engana-se quem pensa que o cenário morreu. Quer dizer, morreu em parte. Da forma como foi apresentado, havia, como notei após um distanciamento oportuno, muitos problemas na proposta: em especial, coisas que não fazian sentido e apego excessivo a certos clichês de fantasia (mesmo com a temática pouco usual). Nesse meio tempo, muita coisa foi modificada. Pelo teor de alguns artigos meus daqui (como o sobre raças e magias de cura) e pelo tipo de leitura a que aderi (como China Miéville), você pode imaginar o tipo de modificação. Se não quiser apenas imaginar, prossiga com a leitura.
Romância é um pastiche dos infernos. Começou com a idéia de fazer um cenário de fantasia mais “estético”, com toques de Oscar Wilde aqui e Sex Pistols ali — daí a denominação parnasopunk, que remete ao Parnasianismo (o movimento literário da “arte pela arte”, de foco formal) e ao Punk (rebeldia e músicas raivosas de não mais que três acordes). Ficou até bacana, mas acabou saindo um cenário de fantasia padrão com uma roupagem de visual kei japonês. Era toda aquela coisa — magia sem explicação, deuses criando coisas… Outro erro foi o maniqueísmo — formou-se uma polarização, com tudo o que representava ordem (belas formas, civilização…) representando o “bem” e o caos (a natureza, principalmente, e a barbárie) fazendo as vezes de “mal”. Isso é ruim. Em um cenário que bebe do romantismo (literário), focar apenas no aspecto decadentista do romantismo é um exercício incompleto. O culto ao artifício e o repúdio à natureza que vemos no romantismo do final do século XIX (como o À rebours do Joris-Karl Huismans), embora parte importante do romantismo, não o é na totalidade. E, ao ler A História da Beleza, do Umberto Eco, me deparo com uma frase que clareou tudo, “Romantismo não é razão ou emoção, é razão e emoção”.
A natureza deixou de ser antagonista. Por mais “desordeira” que pareça, ela tem uma ordem, um equilíbrio inerente. E que formas são! — milhões de anos de evolução pôs o design natural à prova, e ele prevaleceu. O conceito de beleza se expandiu — na verdade, ele sempre foi amplo, mas como muita gente insistia em não conseguir ver o sentido da palavra além do nível “beleza é ter um rosto bonitinho”, resolvi mudar a nomenclatura: o ideal é agora a Arquiforma. E a forma é tudo — afinal, eu e você somos o que somos graças à geometria das moléculas que nos constituem e à maneira como elas se organizaram! Somos algo como uma enorme (e bota enorme!) “colônia de bactérias”, cuja harmonia organizacional nos faz essas máquinas metabólicas de cérebros grandes demais e polegares opositores que somos hoje. Não é pouca coisa.
Nada de “bem” ou “mal”. Os “pilares” aqui são psicológicos, por assim dizer. São três: Razão, Paixão e Decadência. A Razão é como o superego freudiano, ele é todo sobre controle e regras. Sozinha, leva a construções maravilhosamente organizadas — mas estáticas e uniformes. A Paixão é o ímpeto, o fogo que faz agir, a atração — é o Eros freudiano, e como tal, se não for regulado pela razão, leva a explosões hiperativas sem objetivo. Assim como a Paixão faz nascer a ação, a Decadência traz fim ao ciclo das coisas. É o Tânatos freudiano — se ocupa da destruição, e, se não regulado pela razão, é apenas destruição gratuita e sem sentido.
Desses pilares que saem nossas boas e velhas conhecidas (ninguém achou que eu fosse remover isso, não?), as Estéticas. A estética Celestial é o pináculo do artifício e da construção racional, nega o corpo e as emoções. A Elegante une Razão e Paixão, é a parte exuberante da civilização. A Gótica é a união de Razão e Decadência, a “doença da civilização”. A fervilhante e destrutiva Punk une Paixão e Decadência. E temos as novas adições, a Selvagem/Silvestre (ainda não decidi qual o nome a usar) que é Paixão pura, e a Grotesca, que é pura Decadência.
A moral e a ética não funciovam direito, e isto foi revisto. Esse é um assunto a ser tratado posteriormente, pois é complexo, mas teremos coisas bem estranhas — como o “Social-Individualismo” da nação de Vitória, um Estado que funciona nas bases de “o indivíduo deve perseguir e desenvolver seus talentos e inclinações ao máximo, de modo a atingir sua Arquiforma como pessoa” (o que conflita com a industrialização crescente; e as leis, um pouco permissivas, geram problemas — afinal, nada é perfeito). A necrópole de Vestérgia, lar da nação vampíria, por outro lado, sofre de uma “necrofilia cultural”. Já o Socialismo Teocrático de Warsteiner (der Klein Kaiser caiu, e o clero de Morgenstern tomou o governo em um golpe) funciona eficazmente sob os dogmas de “razão pura” da igreja dominante; a criminalidade é quase inexistente — mas a que custo?
E chega a parte que mais consumiu tempo: a magia. Para poder saber quais seus impactos sociais e como/quanto ela é aplicada e presente, era necessário definir como ela funciona. Achei a resposta em uma teoria científica vitoriana caída: o éther. Mas só o éter luminífero não bastaria — e com prazer (e certo assombro) descubro que existem várias teorias atuais sobre o assunto, por parte de fringe scientists — um pouco daqui, um pouco dali e, pronto, temos um “modelo físico” da magia. Muito disse veio de leituras de ficção científica, mas, ainda assim, Romância continua sendo fantasia — até porque, em parte, a magia depende de um componente de “psiquismo” (alguns odeiam a palavra, mas acalmem-se, ela não vai aparecer), que, em si, é totalmente fantasioso (por mais que eu goste, as pesquisas parapsicológicas russas não convencem). E isso fundiu magia e tecnologia — afinal, assim como magia depende do éter, também dependem (segundo a teoria do éter luminífero, gente!) eletricidade, luz e magnetismo. Magnetismo, aliás, é visto como uma força arcana — que significa “oculto, escondido”, ideal para uma força invisível. Há vários estilos de magia — incluindo um de bardos, cujas guitarras são ideais para realizar a magia que aqui é baseada em eletromagnetismo.
E entra a Feiúra. São deformações aberrativas mesmo. E causadas pelo que os estudiosos arcanos chamam de “Emanação Teratomórfica”, semelhante a um câncer ou radiação. Os demônios teráticos não são mais invocados de lugar algum — agora está mais para possessão, já que o teratomorfismo precisa de um “hospedeiro” para deformar. O demônio terático fica bem mais emocionante quando se trata da amada de um persogem, deformada, insana e com as pernas fundidas a uma matilha de cães sarnentos! Como a teratogenia se manifesta? Por quê? Quem pode ser vitimado? É aventurar-se para descobrir.
Os deuses. Existem mesmo? Ninguém sabe — não há como visitá-los ou coisa assim. Seguir uma religião é questão de fé mesmo. O alto clero afirma poder se comunicar com as divindades. Será mesmo? Há quem diga que os deuses existem, ocultos em locais pelo mundo. Outros dizem que estão nas esferas celestiais. Um grupo de cientistas arcanos diz que os deuses não passam de “padrões inteligentes e auto-replicantes” (como programas — ou vírus — de computador) no éter. Há evidências a favor, mas também muito contra. E se for esse o caso, o que pretendem?
Uma de minhas partes favoritas: as raças. Tendo sido ou não criadas por deuses, convém construí-las usando a evolução — é o que vemos (até que se prove o contrário) no mundo, logo, uma realidade ficcional criada nos mesmos moldes é mais plausível.
No grupo dos Hominídeos temos os Humanos, Eloi e Trolls. Assim como muitos vêem o Homo sapiens como uma versão “mais refinada” dos “toscos” neandertais, os Eloi (Homo otiosus; você já viu esse nome antes, em A Máquina do Tempo de H.G. Wells) vêem os Humanos (Homo practicus) como neandertais. Foram os pioneiros na manipulação das forças arcanas, mas por serem ligeiramente mais frágeis e terem um tempo de gestação maior que o dos humanos, foram extintos em todo lugar, exceto uma ilha em que conseguiram prosperar. Já os trolls descendem de símios parecidos com os babuínos gelada (com a licença poética dos chifres), e são mais beastiais que os humanos.
Os Lemurídeos são humanóides descendidos dos lêmures. São os ninfos (Daoine e Leanan Sidhe) principalmente, mas há outras espécies como os Pixies (homenagem ao Frank Black!) e os Faunos. São espécies naturais de florestas, predominantemente notívagas — e expostas, em eras geológicas passadas (ao menos assim dizem os criptoarqueólogos) a quantidades relativamente leves de emanação teratomórfica — não se sabe se é por causa disso, ou simplesmente a disposição natural do cérebro, mas os lemurídeos possuem certas habilidades naturais de encantamento. Sim, sou picareta e usei isso para justificar essas “habilidades de fada” de ilusões e confundir sentidos. A teratogenia afetou principalmente os pixies — microlêmures de dieta insetívora, que acabaram por ter fundidos padrões de insetos em seu próprio (uma espécie de transgenia), e hoje têm asas e outras características anatômicas queratinosas (substância que sempre existiu em seus organismos, que ganhou formas diferentes).
Os Vampiros nada mais são leanan sidhe amaldiçoados por Armide, a grande taumaturga siamesa que sustenta, de sua torre, as nuvens negras que cobrem a nação de Funère. Amaldiçoados em termos. Os leanan-sidhe tiveram contato com a civilização graças ao necromantes de Flória, em expedições às florestas pantanosas dos leanan-sidhe em busca da turfa, conhecida por preservar cadáveres, para seu próprio processo de embalsamamento. Os cadaveri (singular cadavere) não são bem uma raça, mas humanos de Flória estudantes dos processos de vida e morte que, para sobreviver a ela, desenvolveram um processo para embalsamar seus próprios corpos, evitando assim que se degradassem. O contato com os selvagens leanan-sidhe acabou por abrir a estes as portas da civilização e, passado o tempo, ficaram sofisticados, e a astuta Armide, seduzindo os acadêmicos necromânticos, roubou-lhes o processo secreto. E ela o aperfeiçoou, aproveitando-se do fato de que os leanan-sidhe são naturalmente hematófagos, mas procurando evitar o aspecto ressequido dos cadavere — por pura vaidade. Desenvolveu, em seu próprio corpo, um agente (semelhante a uma bactéria) que altera os processos metabólicos, “congelando” o envelhecimento. Claro que por um custo — o processo, oneroso, transformou os já hematófagos leanan em beberrões de sangue. A “bactéria” é passada pela mãe, na gestação — como são as mitocôndrias, flora intestinal, etc. –, logo, é transmissível apenas hereditariamente. Com o passar dos séculos, toda a população da área acabou vampira, à exceção de focos bárbaros de leanan-sidhe, raros e isolados.
Já os Katze são os mais fáceis — felinos evoluídos. Conseguem ficar eretos a maior parte do tempo –embora desloquem-se mais sobre quatro membros –, usar os membros anteriores como mãos, e são capazes de linguagem e cultura (ainda que falem os idiomas humanóides de forma desajeitada). Não são gente com orelha e rabo de gatinho — são grandes e esguios felinos (semelhantes a cheetahs) que aprenderam a usar ferramentas, e cuja a inteligência se desenvolveu como conseqüência.
Há outras coisas, mas essas são as mais “urgentes” por assim dizer. O Romância não morreu — apenas estava na reabilitação. Esperem por outros artigos por aqui, aí com mais detalhes — e ilustrações (predominantemente nesse padrão, e o logotipo, que deixei nas mãos de um designer profissional. O Romância em si já nasceu estranho demais, logo, tudo o que fiz foi deixar mais estranho. Quem não gostou da estranheza do tema, continuaria não gostando, mesmo que eu tivesse mantido os elfos e o escambau; quem gostou talvez goste mais dessa nova abordagem puxada pro new weird pastichento. Não sei. Vocês é que dizem.

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