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Série Castigo – 001 de 004

Castigo

Vestir o traje negro nunca foi um problema muito grande para o homem que sozinho nas sombras chorava. Não era no traje que residia o terror, não era naqueles pequenos pedaços de tecido e metal que o monstro do remorso se escondia. Era a máscara, e apenas ela que o assustava àquele ponto. O negrume gelado do metal. A profundidade rubra dos olhos vazios.Seu peso entre suas mãos. Sempre temia o momento de vesti-la. Pois era só após colocar a máscara que o mundo desmoronava sobre ele. No entanto, ele merecia aquilo.

A máscara era seu Castigo.

Saltando sobre os prédios, aproveitando-se dos ônibus e dos trens ele atravessou a cidade de São Paulo em direção a alguém que, assim como ele, nunca deveria ter existido. A jornada foi solitária até mergulhar no trânsito da Marginal. Dali em diante uma van branca de algum canal de TV que ele não conhecia o acompanhou, e podia ouvir o helicóptero do mesmo canal o seguindo do alto. O repórter dependurado pela janelinha quase caiu três vezes até alcançarem o congestionamento. Deste ponto em diante apenas podia ser seguido de cima. Menos inocentes para testemunhar a matança.

Os último quatro quilômetros tiveram que ser feitos a pé, saltando em meio aos carros. Quarenta e cinco minutos após sair de casa havia chegado a fonte do congestionamento e das notícias que ouvira no rádio. Um sujeito com pelo menos dois metros de altura e mais músculos do que qualquer fisioculturista apreciador de anabolisantes seria capaz de conquistar em anos de overdoses. Se não bastasse, tinha a pele verde, e estava arremessando os carros e seus motoristas de encontro a polícia.

Qualquer herói de verdade diria uma frase sem sentido, irônica para desestabilizar a confiança do inimigo. O faria pensar que sua superioridade era tão óbvia que ele estava tranquilo. Estava até fazendo piadas. Entretanto aquele que a imprensa havia apelidado de Castigo nunca teve motivos para rir, por isso restringiu seu cumprimento a um golpe único e certeiro no meio das costas do monstro verde. Foi como socar um bloco de concreto de duas toneladas. Não apenas pela dor que agora sentia nas mãos, mas também porque o monstro não deu um único passo.

– Você machucou o Orco – grunhiu o garotão esquecendo-se um pouco da polícia (o que era bom) e voltando sua atenção, músculos e um Fiat Pálio na direção do mascarado de preto (o que era péssimo). O arremesso por pouco não arrancou a sua cabeça. Conseguiu se salvar esquivando-se por centímetros do projétil e aproveitou o impulso para uma nova chuva de golpes. Dois no queixo, um na altura dos rins e um quarto no estômago.

O resultado não era animador. Podia quebrar pedras com um soco e tudo o que conseguira contra o “Orco” foi deixá-lo ainda mais zangado.Tentou saltar para trás e planejar uma nova investida, mas o monstrengo foi mais ágil. Agarrando-o pelo pulso o ergueu sobre a cabeça e o arremessou vinte metros a frente, terminando com um bom mergulho no rio mais poluído de São Paulo.

“Castigo”… pensou. Agarrou-se a alguma coisa no fundo do rio – preocupando-se inclusive em não pensar muito sobre onde estava, por mais desagradável que a perspectiva fosse – e aguardou a chegada do Orco. E ele realmente veio. Havia apanhado mais do que estava acostumado e apenas arremessar o oponente por meia quadra não o satisfaria. Queria matar. Quebrar. Destruir. A última chance.

Um chute bem aplicado na perna de apoio do monstro o fez desequilibrar-se e cair de costas no rio. Castigo não sentiu a rótula dele romper, mas sem dúvida havia tirado o próprio tornozelo do lugar. Num salto, aproveitou-se da queda repentina do inimigo e com ambas as mãos e o peso de seu corpo, apoiou o joelho na garganta do Orco, deixando-o se debater sob a água. Os golpes sucessivos o atingiram com tanta força que por um momento acreditou que iria desmaiar. Mas após alguns momentos foram perdendo intensidade. Tornando-se mais escassos. Até pararem definitivamente. Só então puxou a cabeça esverdeada da criatura para fora da linha d’água. Ainda estava vivo.

Cambaleante, Castigo saiu do Tietê arrastando Orco pelos cabelos até a margem, onde meia dúzia de repórteres (inclusive o sujeito da janela da van) gritavam perguntas sobre quem ele era, o que fazia, sobre origens de poderes e intenções futuras. Como sempre, ele nada disse. Estava cansado, quebrado, imundo e ferido. Só desejava voltar para casa. Com alguns saltos ganhou as ruas, gotejando a sujeira do rio sobre os carros que o conduziram até a periferia da cidade.

Era hora de tirar a máscara.

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