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Elfos artonianos: expandindo o conceito

Caiu a nação élfica. O elfo, agora, além de uma figura trágica e amargurada — e francamente meio emo — é também alguém sem pátria. Mas quando atentamos às informações de regras sobre a raça, não é isso que vemos — toda a carga cultural de espada-longa-arco-e-flecha continua lá, mesmo quando não mais há uma cultura centralizada de origem que assegure que todos os membros da raça herdem tais habilidades — que ninguém em sã consciência espera que sejam transmitidas geneticamente (ou “pelo sangue”, se a palavra “genética” em fantasia te causa arrepios). Este artigo tem dois objetivos. O primeiro é estabelecer traços raciais élficos que não dependam de transmissão cultural — de modo que possam ser comuns a todos os elfos, carentes de uma cultura centralizada ou não. O segundo é explorar como tais traços sofrem variações forçadas pelos diferentes ambientes aos quais os elfos são agora obrigados a se adaptar.
Arquearia está para os elfos como marretas e machadões estão para os anões. Mas a predileção por uma ferramenta em especial é transmissão cultural, não genética. Devemos, portanto, especular que característica biologicamente inerente aos elfos pode ter tornado tal escolha vantajosa para a cultura da raça. Uma vem rápido à mente — a coordenação e agilidade superiores (estas geneticamente transferíveis), aquele +2 em Destreza. Logo, apesar do conceito tolkeniano fortemente arraigado, pode-se dizer que os elfos não têm uma predileção inerente pelo arco em si — eles teriam facilidade com armas de ataque à distância em geral; acabou sendo o arco porque, provavelmente, era a arma de ataque à distância mais tecnologicamente avançada disponível em Lenórienn.
Primeira proposição de modificação de regras — simplesmente eliminar os talentos automáticos com arcos. Não há mais berço cultural que os justifique. Se o elfo quiser ser um arqueiro, ele pode fazê-lo adquirindo níveis em uma classe que possa usar arcos (guerreiro ou ranger) — o bônus em Destreza já é o suficiente para conferir vantagem adicional.
As espadas longas e similares, novamente uma marca registrada dos esbeltos orelhudos. Novamente transmissão cultural. E é só cultural mesmo — não há característica inerente, como a Destreza para armas de ataque distante, que justifique uma vantagem em tal escolha. Entra aqui a segunda sugestão: remova os talentos gratuitos de usar espada longa, sabre e similares. Mas queremos que tal opção possua alguma vantagem que justifique a adesão universal na época da cultura unificada de Lenórienn. Minha sugestão — postule que quando utiliza armas de lâmina leves/de uma mão (com as quais seja proficiente), um elfo automaticamente recebe os benefícios do talento Acuidade com Arma. Assim, usar uma arma destas requer um componente de treinamento — província das classes –, treinamento durante o qual o elfo descobre, por tentativa e erro, formas eficazes de empregar sua agilidade natural. Elfos guerreiros serão naturalmente atraídos por sabres e espadas longas. Podemos, ser mais audazes e nos afastar mais da tradição: Sempre que o elfo brande uma arma leve, sabre, chicote ou corrente com cravos (desde que possua o talento apropriado para usal tal arma), recebe o benefício de Acuidade com Arma. Se a tradição é forte em você, contudo, troque o chicote e a corrente com cravos por espada longa (que normalmente não receberia o benefício deste talento).
Anões, por exemplo. Mesmo ditos como um povo guerreiro, não recebem nenhum talento de usar arma — recebem apenas o acesso a armas anãs, de modo que um guerreiro possa usá-las sem problema (e sem comprar Usar Arma Exótica). Como as armas dos elfos já são comuns, qualquer guerreiro élfico sabe usá-las — e, sob a solução apresentada, as usam melhor, o que justificaria, além do fator cultural, a escolha destas armas e não outras.
No post sobre raças há um parágrafo inteiro conjecturando sobre a percepção élfica; ali temos possíveis causas orgânicas para os bônus em testes de Ouvir e Observar, e para a Visão na Penumbra, bem como possíveis implicações culturais de tal percepção ampliada. Para fins de comodidade, reproduzo abaixo:
Os elfos têm os famosos sentidos aguçados; por que não usar um pouco destas coisas naturais “mundanas” para justificar alguns de seus traços culturais? Talvez a audição deles seja capaz de captar sons mais agudos que os humanos — para eles, música humana seria limitada, e os humanos, em contrapartida, simplesmente não seriam capazes de ouvir boa parte das sinfonias élficas tocadas em estranhos instrumentos, e por isso acusados de filistismo por não conseguirem apreciar tal arte “completamente”. O mesmo vale para cores — e por que não pode ser a renomada facilidade dos elfos com magia provir do mundano fato de eles conseguirem ver a magia (que seria um eletromagnetismo, como a luz, mas em freqüência invisível aos humanos, que precisam se apoiar em fórmulas e teorias enquanto, para os elfos, a coisa vem naturalmente, como uma espécie de arte, como se lê em várias descrições).
Pois bem, foi tocado no assunto da magia. Elfos são geralmente associados ao ofício arcano mas, estranhamente, não há qualquer vantagem inerente à raça que justifique isto (exceto Mago como classe favorecida, atividade em que, em termos de regras, até anões se sairíam melhor). Neste ponto, há diversas possibilidades.
A primeira e mais óbvia — o gosto pela magia é meramente cultural. Mesmo não possuindo qualquer vantagem inerente (como é o caso da predileção por armas de ataque à distância), a cultura deles evoluiu de modo a dar importância para tal prática, pura e simplesmente. Não havendo mais berço cultural para assegurar a perpetuação de tal tradição (reforço: transmitida culturalmente, não geneticamente), espera-se que, através das décadas, o número de elfos magos caia.
Uma segunda opção: elfos não são magos, são feiticeiros. Sob um ponto de vista temático, é mais condizente — a magia élfica é descrita como uma arte, mais baseada em intuição e sensibilidade do que propriamente em fórmulas e teorias. Nesse caso, os elfos artonianos possuem uma vantagem: seu bônus de +2 em Carisma. Se tomamos como verdadeira a hipótese dos sentidos capazes de perceber magia, aliamos isto à força de personalidade inerente (o bônus em Carisma) e temos em tal equação o resultado que você já esperava: trocar a classe favorecida de Mago para Feiticeiro. Claro que as artes exigem treinamento e técnica, e a feitiçaria não seria diferente — o aumento de níveis nessa classe representa o treinamento e os aperfeiçoamentos advindos da experimentação, enquanto o puro talento bruto é coisa do primeiro nível. Desta forma, temos elfos naturalmente hábeis com magia, independentes de uma tradição agora inexistente (ou, ao menos, moribunda) e com uma magia diferente dos magismos humanos, como as descrições de elfos nos costumam informar como sendo. Podem adquirir um ou dois níveis de feiticeiro para uns poucos truques — beneficiando-se do bônus em Carisma para mais e melhores magias –, e depois se dedicando com afinco a qualquer outra classe — como feiticeiro, nesta hipótese, é classe favorecida, meros um ou dois níveis na classe não acarretam penalidade de XP).
Hipótese terceira. Os elfos, de fato, utilizam uma magia não baseada em talento inerente, mas apoiada em fórmulas e ciências, sendo, portanto, magos. O que difere a magia élfica da humana é a formulação das teorias, os princípios e ferramentas usados. O que diferencia esta hipótese da primeira é o seguinte. Elfos têm uma aptidão inerente para este tipo de magia (eu assumo os sentidos capazes de perceber os fluxos de magia, mas não precisa sê-lo necessariamente). Mas nem de longe isso seria universal — assim como nós ocidentais freqüentemente temos uma visão estereotipada dos orientais ou árabes, o fragmento de informação “todo elfo é bom com magia” não passa de uma semelhante generalização por parte dos não-elfos. Haveria uma grande incidência de elfos mais capazes de manipular as forças arcanas, desenvoltos em seu estudo como seria alguém com facilidade para matemática em relação às demais pessoas, mas seriam alguns, não todos, a despeito dos estereótipos. Nesse caso, a aptidão para a magia (de mago) é uma possibilidade, e não algo universal. Tal caso pode ser facilmente resolvido com um talento (que criei especificamente para aggelus — aggeluses? — com o pé no Reino de Wynna, mas que servem para nosso propósito presente):
Afinidade Arcana
Pré-requisitos: Elfo, pode ser adquirido apenas no 1o. nível
A Inteligência do elfo é considerada como sendo 2 pontos maior, mas apenas para fins de determinar o número de magias adicionais e o nível máximo das magias que o personagem pode conjurar. Exemplo: Celine é uma elfa maga de Inteligência 13, que normalmente poderia conjurar magias de até 3o. nível e receberia uma magia adicional de 1o. nível. No entanto, como sua Inteligência é considerado como sendo 15 para estes fins, ela pode conjurar magias de até 5o. nível e recebe uma magia adicional de nível 1 e uma de nível 2.
(Se você gosta da hipótese de “magias como ondas eletromagnéticas em um espectro invisível”, pode trocar o requisito “elfo” por Visão na Penumbra ou Visão no Escuro, que poderiam englobar a percepção de um espectro eletromagnético maior — o que, com este talento, incluiria magia. Claro que isso daria a mesma vantagem mágica para anões e meio-orcs…)
Com isso, o elfo artoniano ficaria assim:
Elfo Artoniano
+2 em Destreza, +2 em Carisma, -2 em Constituição;
Humanóide, Tamanho Médio, Deslocamento de 9m;
Precisão Élfica: Quando usa uma arma leve, sabre ou espada longa (ou, em vez de espada longa, chicote e corrente com cravos) para a qual possua o talento de Usar Arma correspondente, o elfo recebe os benefícios do talento Acuidade com Arma;
Sentidos Aguçados: O elfo recebe um bônus de +2 em testes de Ouvir, Observar e Procurar;
Visão na Penumbra
Classe Favorecida: Mago (ou Feiticeiro, tudo depende de sua abordagem)
Eis que temos um elfo despido de caracteríticas culturais, substituídas por imperativos mais gerais que, em si, não dependem de transmissão cultural (improvável, quando não impossível, na condição de sem-lar espalhados pelo mundo). Tal “esqueleto” pode suportar, em termos de regras, o elfo tolkeniano-de-espada-longa-e-arco se assim a história do personagem exigir, mas não o limita a ser apenas isso. Expostos a diferentes culturas, os elfos que conseguem passar por cima de preconceitos contra-producentes e apego a tradições moribundas podem aprender a aplicar suas capacidades naturais de outras formas. Vamos a elas.
A destreza élfica os fazia bons para usar arcos — as armas de combate distante mais avançadas em Lenórienn. Fora da nação élfica, contudo, além de arcos e bestas, existem as armas de fogo. Mesmo ilegais e desaprovadas pela sociedade em geral, não se pode negar que são eficientes, ainda que meio barulhentas. Um elfo lenorianno jamais as usaria — seja por imperativos de tradição ou simplesmente por não terem existido lá. Mas agora as coisas são diferentes, e os elfos rápido notaram que tais lançadores e projéteis vão bem com sua destreza avantajada. Melhor ainda: são menores, logo, mais fácil de serem portadas sob um modo de vida nômade e de serem ocultadas. Sem a pressão cultural para aprender a arquearia, elfos em ambientes urbanos, quando esbarram em tais maravilhas tecnológicas, as acolhem prontamente, supondo que sejam suficientemente pragmáticos.
O fim da pressão cultural que perpetuava a obrigatoriedade da arquearia também varreu o mesmo princípio em relação à espada longa. Armas de fogo estão associadas a swachbucklers, que, por sua vez, têm associação com sabres, floretes e armas de esgrima afins. Por que uma espada longa quando o florete é mais leve e pode ser usado com a mesma agilidade? Estilos de esgrima com duas armas (o florete e a main gauche, uma espada curta/adaga usada para aparar) pode se tornar popular entre muitos elfos, visto que a leveza de ambas as armas lhes permite usufruir de sua destreza.
E não só floretes e adagas. Em locais como Tapista ou mesmo Yuden podemos encontrar elfos em posição de escravidão. Como escravos, elfos não têm acesso às lâminas de que tanto gostam — mas têm seus punhos e pés, ataques desarmados que são considerados armas leves, logo, passíveis de se beneficiar pela acuidade com armas da raça. Podemos até mesmo ter “quilombos” em Tapista, agrupamentos de escravos elfos foragidos — afinal, nenhum sistema escravista é perfeito, e escravos escapam. Tendo desenvolvido estilos de combate desarmado (beneficiados pela agilidade natural da raça) camuflados em dança (a cultura élfica possuía um pendor para as artes), estes quilombos podem ser focos de uma tradição de monges élficos — o combate desarmado combina com a agilidade, e as habilidades mais esotéricas podem ser explicadas pela facilidade dos elfos com a magia. Está aí uma forma de ter monges sem o “ranço oriental” ao mesmo tempo que se dá para estes elfos uma identidade cultural mais condizente com sua realidade atual.
Os maiores mantenedores da tradição de Lenórienn, ironicamente, seriam os elfos bárbaros. Estes, afinal, continuam, em sua maioria, em Lamnor, em uma posição de decadência e luta constante. Para eles, o arco continua sendo a melhor opção de arma à distância — mais por circunstância do que escolha — e, sem acesso a forjas, podem diversificar sua seleção de armas — desde que sejam leves para se beneficiar da acuidade, que, embora não combinem à primeira vista com o conceito de bárbaro, são úteis para batedores e similares. Correntes com cravos podem ser espólios de goblinóides vencidos (e são boas para desarmar), enquanto chicotes, embora menos óbvios, são de manufatura relativamente simples — couro trançado, que pode ser obtido de animais abatidos e não necessita de forja, apenas trabalho manual, algo “bem élfico” –, permitem certa distância do adversário, são bons para derrubar e desarmar — podem não ser as táticas mais “honradas”, mas são eficazes. Apesar de bárbaros, elfos podem possuir chicotes belamente trançados e adornados, não raro feito de couro de goblinóides. Fragmentos de armas metálicas destruídas podem ser incorporados, dando origem a um chicote-ferrão (o whip dagger).
Especulando a razão das escolhas culturais de elfos tolkenianos (o “elfo padrão” com que estamos tão acostumados), pode-se chegar a linhas mais gerais que, longe de limitar (como são as habilidades raciais padrão), abrem mais opções de conceito. E minha parte favorita — tais traços podem ser compartilhados por todos os elfos, mesmo sem a cultura centralizadora. Cabe a você combinar estas novas habilidades raciais com os meios que existem no ambiente em que seu elfo se encontra, o que certamente originará elfos únicos, afastados do estereótipo — e nem por isso ineficientes em termos de regras.

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