Pois então, o boníssimo True20, recentemente — faz um poucos meses, na verdade — ganhou uma edição revisada. Long story short, as cópias impressas existentes no estoque da editora esgotaram e, em sábia decisão, a Green Ronin, em vez de meramente reimprimir a bagaça, resolveu fazer algumas modificações. Mas não tema, não se trata de uma outra edição — ele foi, como o nome diz, revisado (com base na errata existente) –, logo, a resenha do Tek sobre o True20 continua atual e válida. Ou, na verdade, quase. Leu a resenha dele? O quase, nesse caso, significa uma substituição de peso no conteúdo — de acordo com a resenha do Tek, o módulo conta, após as regras, com quatro mini-cenários. Muita gente — eu incluso — achou os tais cenários meio insossos. A Green Ronin parece concordar — em substituição a eles, foi incluído, na íntegra, o conteúdo de um dos melhores suplementos para o jogo: o True20 Companion. É com ele que gastarei meu português neste post.
O True20 Companion é um suplemento específico para gêneros de jogo — ele é um pouco Livro do Jogador e Livro do Mestre em um pacote só. E, como bom livro do True20, ele não traz nada pronto — ele fornece, em vez disso, as ferramentas para que você customize o jogo com base em seus desígnios e preferências. O livro aborda quatro dos gêneros de jogo mais populares: fantasia, futurista, horror e moderno — todos apoiados por talentos e sistemas de regras específicos para situações icônicas. De quebra, ainda tem-se as fórmulas para a construção de papéis — como são chamadas as classes no True20; não confundir com os artilheiros e atacantes da 4e –, as mesmas usadas para construir os papeís básicos — Adepto, Especialista e Guerreiro — o que assegura total equilíbrio.
Capítulo 1: Construção de Papéis
Insatisfeito com apenas três classes? Elas carecem de sabor, são genéricas demais? Não chores mais — agora você pode construir a classe que quiser. Seu cenário de campanha tem trocentas classes específicas? Você agora as tem balanceadas. Aquele jogador criativo em excesso sempre aparece com algum conceito alienígena que não se encaixa nas classes existentes? Deixe que ele a construa sob medida.
Você tem 5 pontos para comprar componentes de classe que são, nominalmente: Progressão de Combate (o Bônus Base de Ataque que, no True20, também serve como defesa), Progressão de Perícias, Progressão de Testes de Resistência (ou Jogadas de Salvamento, se você curtiu a tradução mais precisa dos termos em Mutantes & Malfeitores), Progressão de Poderes (magias, psiônicos, os “efeitos especiais”; não confundir com os golpes especiais e fatalities da 4e), Acesso a Talentos (ou Feitos). Após gastos os pontos, selecione uma Core Ability e você está pronto.
Com exemplos é sempre mais divertido. Suponhamos que eu queira jogar com uma classe de “Duelista Psíquico”, um cara que luta bem como um guerreiro e que também lança magias — um swashbuckler ágil que se utiliza de poderes mentais para ludibriar seus oponentes. Nas regras básicas, eu só posso atingir isso com multiclasse — Guerreiro e Adepto. Não mais. Utilizando as fórmulas para construção de papéis, o “Espadachim Místico” ficaria assim:
Duelista Psíquico
Progressão de Combate: Rápida (valor igual ao nível) — 4 pontos
Progressão de Perícias: 2 + Inteligência/nível — 0,5 pontos
Progressão de Resistências: Fortitude Normal (de +0 a +6), Reflexos e Vontade Médios (varia de +1 a +9) — 0 Pontos (Ou, por 0 Pontos, poderia também escolher Reflexos Bom — de +2 a +12 — e as demais normais)
Progressão de Poderes: Média (graduações nos poderes variam de 3 a 15), Restrita (poderes sob um tema unificador, não mais que um quarto dos poderes disponíveis — nesse caso, poderes “psíquicos”, como Mind Touch, Sleep, Psychic Shield, Psychic Blast, Psychic Weapon…) — 0,5 pontos
Acesso a Talentos: Talentos da lista de Guerreiro — 0 pontos
Core Ability: The Talent — a habilidade principal de Adepto
Ao final do capítulo, temos o esquema de construção dos três papéis básicos — todos feitos estritamente com cinco pontos — e exemplos de outros três arquétipos populares — Priest (o clérigo, um adepto mais combativo), Martial Artist (o monge, com progressão de combate rápida para ataques desarmados e média para armados, utilizando a opção de progressão de combate dividida) e Holy Warrior (paladino, semelhante ao priest, mas focado em seu lado guerreiro).
Capítulo 2: Aventuras de Fantasia
Após textos descritivos sob o gênero de fantasia e possíveis sub-gêneros — mitológico, high fantasy, histórico, romântico, espada-e-magia, contemporâneo e dark fantasy, entra uma enxurrada de material de jogo. Iniciamos com os supernatural ratings — semelhante ao nível tecnológico, mas aplicado à magia e o sobrenatural. Eles descrevem o quanto a magia e presente, com regras para o funcionamento das magias em cada um — com SR (supernatural rating) 1, adeptos podem chegar no máximo a 7o. nível; no fantástico SR 8, não-adeptos podem adquirir poderes e adepos têm a dificuldade da fatigue save reduzida para usar poderes. Seguem, também descritivos, ganchos e estereótipos do gênero. A seção seguinte, Fantasy Heroes, inicia com algumas raças de fantasia — ceutauro, fauno e três variantes de elfos com ajuste de nível (acredite, tem gente que adora) — e backgrounds culturais humanos. São genéricos do tipo amazona, atlanteano, oriental, nômade e tribal, entre outros, cada qual com seus “traços raciais”, em oposição ao genérico “ganha um talento e uma perícia” usual dos humanos. Saídos direto do Blue Rose temos os “animais despertos” — animais racionais que se comunicam por telepatia. Nos deparamos então com a primeira regra opcional — os Heroic Archetypes. Como o nome diz, são arquétipos que concedem, a cada nível, uma habilidade especial associada, em adição às usuais. São eles: o Campeão, a Sombra, o Predestinado, o Mentor, o Oráculo, o Trapaceiro, e a Donzela. A primeira habilidade da Donzela, por exemplo, chama-se “Protegida” — quando ela é atacada, pode, se estiver a até 1,5m de um personagem voluntário, gastar um ponto de Convicção para trocar de lugar com ele. No sexto nível há a opção de “Desdobramento de Mito” em que o personagem, de acordo com a história, pode escolher mudar para outro arquétipo apropriado — o Campeão, por exemplo, tem a opção de tornar-se Mentor ou Predestinado.
As próximas opção parecem mais ortodoxas — novos talentos e outras implementações mais “D&Dêicas” como as Filosofias Sobrenaturais, que servem para amarrar seu conjurador a um conceito, tal como Druidismo ou Necromancia, e contam com uma habilidade-chave (Sabedoria para druidismo, por exemplo), poderes canônicos (que recebem um bônus quando usados) e poderes proibidos. Para emular os domínios clericais, são apresentados os Aspectos Divinos — na prática, em vez de uma core ability usual, você escolhe dois aspectos associados à deidade, que funcionam como core abilities especializadas, mas passíveis de redenção caso se violem os preceitos divinos apresentados. Suponhamos que meu adepto clerical escolhe os aspectos Morte e Ordem. O aspecto divino da Morte, concede um bônus de +5 para o uso do poder Sleep (não dizem que o sono é uma pequena morte?) com o gasto de um ponto de Convicção, mas perde-se o acesso a este poder se trazer alguém de volta a vida ou prevenir a morte de alguém que esteja na condição Morrendo; Ordem concede um bônus de +5 em testes de Dominate com o dispêndio de Convicção — que eu perco se meu adepto conscientemente infrigir a lei ou permitir que alguém o faça.
A seção seguinte é uma lista de armas de fantasia — a lista original do True20 é mais genérica, sem kukris ou cimitarras, por exemplo. Como o básico também carece no quesito criação de itens mágicos, temos aqui um sistema mais detalhado que permite criar itens de três categorias distintas — itens de uso único (abstraia como quiser — pergaminhos, poções… –, itens multi-uso — os que possuem cargas — e itens permanentes. Ponto pro True20 — em vez de tergiversar em excessos desnecessários sobre a natureza dos itens (é varinha ou é cajado?), ele se foca na função mecânica dos mesmos. O capítulo fecha com outras mecânicas opcionais, como hard coinage (não é muito afeiçoado ao sistema abstrato de riqueza do True20? Então converta para moedas) e Honra (com escore de honra que vai de -5 a +5, como ganhá-la e perdê-la, e os efeitos mecânicos de tal escore). O ponto final é passível de causa amor ou ódio — um modelo de criatura para se aplicar a qualquer animal — o Animal Antropomórfico.
Capítulo 3: Aventuras Espaciais
Aqui pisamos no domínio do futurismo espacial. Semelhantemente ao capítulo de fantasia, fala-se nos sub-gêneros — invasão alienígena, ficção científica militar, sci-fantasy e space opera. Temos também os níveis tecnológicos — da idade da pedra até a atual era da informação, expandindo, após, da era da fusão até à igualmente especulativa da energia. Como os heróis de aventuras em tal gênero são, comumente, humanos, em vez de traços raciais temos antecedentes ocupacionais, como astronauta, investigativo ou pária. Mas o que seria de tal gênero sem alienígenas? Eis que temos um sistema para construção de raças (que pode ser usado, aliás, em qualquer gênero) baseado, de forma semelhante ao de papéis, em pontos. Ele conta com uma tabela com o custo de diversas habilidades, tais como vôo e resistência à energia. Após usos específicos de perícias e talentos (como Inventor, Adaptação Planetária e Rastreio Urbano e Xenomédico), um sistema para a construção de equipamentos. Determine o nível tecnológico, tipo (arma, armadura, veículo…) e o tamanho da invenção e você terá Pontos de Construção, que influenciam o custo e a dificuldade dos testes Ofícios para a construção. Com armas, por exemplo, os Pontos de Construção são usados para comprar alcance, dano e outras particularidades, como bônus para decisivos, multi-ammo ou farpada. Para veículos, escolhem-se coisas como tipo de propulsão — hélices, turbinas aquáticas, rodas e até sistema flutuante ou o futuristicíssimo starship drive.
A seguir temos regras para ambientes e exposição à radiação, gravidade, condições atmosféricas e vácuo. E o que seria de sua galáxia far, far away sem regras para construí-la? Crie seu próprio sistema solar com número e tipo de estrelas solares, número de planetas, buracos negros, tipo de gravidade e submeta-o a perigos como raios cósmicos e tempestades solares. Ao final, uma solução simples para combates veiculares — o modelo “veículo tripulado”, a ser aplicado sobre um veículo-base, que integra habilidades do piloto — agora é só resolver sua luta de naves como se fossem criaturas.
Capítulo 4: Aventuras de Horror
São abordados tipos de horror — de carnificina desavergonhada até sutileza à moda Poe, seguido de antecedentes como diletante, atleta ou criminoso. Como tal gênero costuma ser low magic, são apresentadas variantes dos Adeptos, construídas com as sempre-confiáveis regras para feitura de classes. Temos o Arcanista (um ocultista bem informado mas pouco poderoso), o Abençoado, que realiza milagres através de inspiração ou conexão divina, e o Psíquico, o tipo que tem visões e percebe aquelas coisas inomináveis que estão “lá fora”. Como variante de especialista, temos o Intelectual que conta com uma pequena seleção de poderes “mágicos” — geralmente ligados ao aumento de atributos, percepção e influência social, mas que mágicos têm é nada — é tudo fruto de dedução, uso de princípios físicos como alavanca e conhecimento aguçado da psicologia humana. Algumas perícias e talentos, para não perder o costume, três poderes novos (ou nem tão novos — Purifying Light, Summon Outsider e True Vision já estavam inclusos no True20 Bestiary) e equipamentos como detectores sobrenaturais e materiais relevantes como sal e prata, bem como seu uso em munições.
Seguem as regras para Rituais e, como não poderia faltar em aventuras de horror, regras para Medo e Terror, que são governadas, de modo semelhante ao dano físico, pelo Mental Health Track. São discutidas variantes para os testes de Sanidade — teste de habilidade, Vontade ou Sanidade como uma nova resistência — e, é claro, Distúrbios. Como loucura não é a única ameaça no horror, seguem também regras para Corrupção.
Capítulo 5: Aventuras Modernas
Este é bem menos impressionante que os anteriores. Inicia falando sobre mercado negro, crime organizado, contatos, etc. Trata, a seguir, sobre heróis modernos — tipos de guerreiros, adeptos e especialistas condizentes –, antecedentes — diplomata, agente secreto… –, novas classes/papéis — agente, operador, comando… — e novas core abilities — como synchronicity. Algumas perícias, uns parágrafos falando sobre talentos (embora não apresente nenhum) e um novo poder, Information Sense. Segue a seção sobre customização de equipamentos — possivelmente a mais útil –, regras opcionais (degradação de armaduras e testes opostos de tecnologia) e algumas fichas de NPCs adversários. Um capítulo fraco, se comparado aos anteriores, mas passível do garimpo de fragmentos interessantes.
Com a adição do conteúdo do Companion, agora sim pode-se dizer que o True20 é um módulo básico realmente completo. Com apenas um livro, tem-se uma coleção de regras fluidas e customizáveis para rolar praticamente qualquer tipo de aventura que se idealize. E o melhor — tudo isso usando apenas o d20 — chega de transformar seu estojo em um saco de búzios com todos aqueles d10s, d8s, d12s… E como o livro continua trazendo o apêndice de conversão d20, pode-se importar praticamente qualquer material d20 que você possua em sua biblioteca para seu jogo de True20 — o sistema d20 de verdade.
Interessou? Encomente agora seu True20 Revised Edition. Se você já tem o True20, então esbalde-se com o Companion.