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Inferno – Micro-Contos XI

Choque de Culturas
O barulho dos motores, das pessoas e dos animais que vagavam por aquelas ruas escuras de Bretor deixavam-lhe zonzo. Havia chegado há três semanas procurando pelo guerreiro responsável por aquele pardieiro humano, e já sentia-se frustrado com a perspectiva de tal pessoa não existir. Seu nome era Croltar, e seria o novo Rei Orc de Blasphemer se cumprisse o desafio final de correr o globo enfrentando os melhores guerreiros das principais tribos do mundo. Contudo, haviam mais homens do que ratos em Gandara, pelo menos na opinião de Croltar, e a maioria era quebradiça e sem ânimo para uma boa luta.
Empilhavam-se uns sobre os outros em tocas feitas de barro, tão altas que tocavam os céus e encobriam montanhas. Para não andar, construiam carroças mecânicas e cavalos de ferro que corriam sobre as planícies guinchando e expelindo uma fumaça negra como a noite e fétida como os portões do inferno. Trabalhavam a vida inteira em troca de pequenas quantidades de metal, e quanto conquistavam uma quantia razoável, trocavam por mais daquelas carroças e tocas maiores. Nunca aproveitavam nada da vida, e nunca estavam contentes com o que possuiam.
Cansado de procurar inutilmente pelas ruas, resolveu desafiar o guerreiro mais forte publicamente. Invadiu a rua principal, usando uma das carroças mecânicas para parar o movimento interminável de máquinas que iam e vinham. Subiu sobre o metal frágil que cedeu ao seu peso e urrou em seu idioma por um adversário com coragem e força suficiente para defender a glória de sua tribo. O primeiro a se aproximar foi o homenzinho que estava dentro da carroça. Bastou um chute para arremessá-lo sem vida até o outro lado da rua.
Muitas das fêmeas próximas começaram a gritar, mas Croltar não as compreendia. Urrou por silêncio, desafiando-as a enfrentá-lo, mesmo estando cobertas com tantos tipos de panos que as tornavam lentas e desajeitadas. Novamente dois humanos resolveram atacar. O primeiro deles carregava uma lâmina de metal, e o segundo um dos canos trovejantes. Atirou três vezes, mas Croltar mal sentiu as pequeninas esferas de chumbo quente que os canos disparavam espalhando fumaça nas ruas. Desarmou o primeiro quebrando-lhe a cara com um soco, e arremessou a espada no segundo. Cabeça e corpo, cada qual caiu para um dos lados da viela.
Luzes e mais barulho marcaram a chegada do primeiro pelotão de homens vestidos com roupas idênticas. Cada qual carregava uma estrela no peito e um daqueles canos trovejantes que arremessavam chumbo. Desta vez, os ferimentos eram mais profundos. Croltar ergueu a carroça sobre a cabeça e a jogou de encontro a outra, que explodiu. Metade dos homenzinhos haviam morrido queimados quando um segundo e outro terceiro grupo de guerreiros chegavam. Os tiros continuavam, e os ferimentos cresciam.
Quase dez minutos após ser alvejado pela primeira vez, Croltar enfim caiu morto, aos pés da milícia armada de Bretor. O capitão, escondido atrás de uma das viaturas, fez sinal para um novato aproximar-se e verificar se o orc realmente havia perecido. Quando não restava mais dúvidas para tanto, o capitão ajeitou a estrela em seu peito, e com um sorriso, buscou as câmeras dos jornalistas próximos, alertando ainda um cuidado especial com seu melhor ângulo nas fotos.

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