— Eu perdi — pensou. — Mas por que perdi?
Lembrou-se da infância, de quando fez a mesma pergunta ao seu pai. Faltava-lhe força, perguntava, ou era técnica? “Por que perdeu? Bem, eu sempre achei que o inimigo tivesse alguma coisa a ver com isso”, respondeu o pai, sabiamente.
— Sim, eu não perdi. Eu fui vencido. Vencido por alguém mais forte. Eu… Droga! — sussurrou.
— Impressionante. Ainda está vivo — disse o homem de armadura finamente trabalhada, enquanto o enorme minotauro tentava levantar. — Se continuar, não vai sobreviver desta vez — ameaçou, sem se mover. Os olhos rasgados estavam fixos, em uma concentração extrema para sacar a espada a qualquer sinal.
— Por favor — disse o minotauro, levantando-se precariamente, o ferimento no peito sangrando rápido. — Eu imploro…
— Rendição? — pensou o samurai, aliviando a pressão sobre a espada.
— Você é forte.. Eu quero ser como você… Eu imploro… — continuou, chorando, o minotauro. — Por favor, me ensine! — gritou, caindo desacordado em seguida.
Um raio cruzou os céus, causando um estrondo violento. Um segundo depois, a chuva começou a cair forte. O samurai continuava na mesma posição. Os olhos ainda fixos no adversário caído, as mãos ainda a postos para sacar a espada, o corpo rígido pronto para explodir a qualquer instante. O rosto impassível apenas observava.
— Você quer ser como eu? — perguntou, finalmente, para o minotauro inconsciente. — Você quer ser um… Samurai? — concluiu, raivoso. Sacou a espada e, em um movimento, a colocou em posição para apunhalar o minotauro caído. – Alguém como você? Um mísero ladrão? Alguém sem tradição!?! Sem um daymio!?! Sem honra!?! — vociferou ele, a espada agora tremendo em sua mão.
Um novo raio caiu perto dali, não deixando que mais ninguém ouvisse o que o samurai, curvado, disse para o grande minotauro. “Obrigado”.
***************
— Ele não tem tradição, eu pensei. Mas o templo de minha família deixou de existir — e martelou novamente o aço. — Ele não tem um daymio, eu pensei. Mas o castelo que defendi deixou de existir — e dobrou o metal incandescente em mais uma folha — Ele não tem honra, eu pensei. Mas toda a minha nação deixou de existir — observou a chapa, estava quase lá. Devolveu-a à forja. – Por isso… Por isso, se eu puder acreditar que ele pode conquistar tudo isto… — e martelou novamente, cada vez mais tornando o aço em lâmina. — Então, eu também poderei acreditar em mim mesmo, em minha própria reconquista…
Estava pronta.
***************
— Dor. Eu posso sentir. Está doendo. Ainda estou vivo. Aquele homem… Onde está…? — perguntou o minotauro, finalmente abrindo os olhos. A luz do crepúsculo entrando pela janela criava certa atmosfera mística que, combinada com a pintura que pendia da parede, fazia daquele lugar o mais divino em que ele já havia estado.
— Cada um destes painéis – disse o homem de olhos rasgados, distante alguns metros — contém um ideograma representando um conceito. E cada um destes conceitos representa um samurai. Quando todos eles saírem de lá para dentro de você, então poderá se considerar um samurai — o minotauro sentou-se e, então, percebeu onde estava. Uma espécie de salão, feito de madeira e com portas que pareciam feitas de papel. Ele também reparou que havia outras pinturas além da que tinha visto primeiro, muitas outras. Virou-se e encontrou, ao seu lado, um suporte com duas espadas.
— Pegue, são suas agora — disse o samurai. O minotauro obedeceu.
Eram magníficas. As bainhas de ambas eram trabalhadas com a imagem de um touro em investida, e as lâminas curvas tinham o fio mais poderoso que já havia visto. Colocou as espadas no suporte e chorou.
— Por um longo tempo eu estive perdido — começou o minotauro — E agora, graças a você, eu tenho um longo caminho a percorrer. Obrigado, eu só posso lhe agradecer, senhor — disse, curvando-se.
O samurai pegou sua espada, levantou-se e foi até um dos painéis, e o cortou ao meio. Quando viu o olhar embasbacado do novo pupilo, respondeu:
— Gratidão.