Este não é mais um daqueles textos falando sobre tendências.
Digo, vamos falar de tendências aqui, mas não tentando explica-las de alguma maneira que procure fazer algum sentido lógico; ou então aquela abordagem estereotipada delas que as trata como caixinhas de comportamento que todo personagem que pertence aquela tendência sempre age; ou então buscando na filosofia o conceito de ética e moral o que normalmente dita as ações de um personagem.
Não, textos assim já existem aos montes e particularmente eu acho a maioria bem ruim e desprovida de aprofundamento (apesar de existirem ótimos aqui e acolá). Aqui eu gostaria de apresentar uma parte da minha visão de como no fim acabam funcionando em mesa no final das contas e porque eu desgosto delas. Parte do que vou dizer aqui pode até mesmo ser um complemento de outro artigo que postei recentemente aqui, sinta-se livre para ler caso esteja com vontade apesar de não ser necessário para o entendimento deste.
Eu particularmente não as odeio tanto quanto demonstro ou digo odiar nas redes sociais, entretanto tenho um desgosto muito grande pela a forma com que uma parcela da comunidade lida com elas e isso fez com que este sentimento ganhasse força. Se tornando quase um cristal negro e cheio de pontas em meu peito.
Particularmente acho uma regra feia, quando aplicada de forma a ter um peso nas mecânicas gamistas e não de maneira a ajudar a descrever o personagem, ou a acrescentar algum fator interessante. Para algumas pessoas isso não faz diferença, mas para mim é incômodo.
É engraçado, mas sempre fica uma impressão quando converso com alguns RPGistas em redes sociais ou em eventos é que para você se divertir você não pode ter um Bom na ficha, e que o carinha que tem Mal na ficha pode fazer de tudo e mais um pouco. Claro, partindo de uma visão estereotipada do assunto. Para Gygax um personagem que poderia seguir a Lei de Talião e ele ainda seria um cara Bom… e posso ser sincero? Discordo totalmente da visão dele.
Em cada mesa você tem sua liberdade para alterar regras ou simplesmente ignora-las, já que aparentemente ela é mais subjetiva do que objetiva (diferente do que muitos sugerem), mas o que mais me incomoda é que de certa maneira estas regras influenciam a comunidade e ajudam a moldar a mentalidade dela. Regras estas que os seus preceitos não são universais como tendem a sugerir. e infelizmente muita gente ainda mantém uma visão muito fechada quando vai narrar RPGs mais modernos (onde estas regras já não pesam tanto). Tendências foram se alterando ao longo dos anos, mas pelo o que noto o que ficou no imaginário popular foi o que havia em AD&D e na 3.5.
Um argumento que eu ouço diversas vezes a favor do uso de tendências é que estas ajudam a guiar o jogador em sua interpretação. Particularmente não sou contra esta afirmação, mas também não consigo apoia-la por completo. Na minha experiência isso só vai importar nos seguintes cenários:
-> Você vai jogar em um oneshot com um personagem que não importa muito;
-> Você é iniciante e não sabe muito bem por onde começar;
-> Você não tem tantas referências para criar algo original;
-> Você não se importa em criar um personagem muito mais profundo;
Eu acredito que quando você não se encontra em nenhuma destas situações, não tem lá muito motivo que justifique este ponto.
Particularmente eu acho boa parte das discussões existentes ao redor de como um personagem de tendência x ou y deve agir inúteis. No final não importa o quão entendido do jogo você julga ser, ou o quanto você entende de filosofia, ou qual sua bagagem de vida, o que vai reger estas regras na sua mesa é uma bússola moral que é definida pela a média dos jogadores presentes ou (em mesas menos colaborativas) do narrador. Este maniqueísmo sugerido ao se utilizar Tendências e a questão da roda cósmica não fazem muito para o meu gosto quando vou narrar ou jogar, não me parece natural e para mim desce de uma forma muito indigesta.
Partimos então para um dos problemas que mais me incomodam, quando tendências se encontram de maneira tão ligadas à alguma mecânica que influencia diretamente no acesso do personagem a algum recurso dentro do jogo. Para mim parece que o jogo esta te dizendo que o seu personagem tem que seguir um esteriótipo apenas porque você decidiu por jogar com uma classe em específico.
Tomemos Tormenta RPG como exemplo. Bardos não podem ser Leais segundo as regras do sistema, e isso para mim simplesmente não faz o mínimo de sentido, assim como bárbaros também não o podem e acredito que paladino não precisa nem ser citado nesta história, não é? Ainda falando dos bardos, o que arte tem a ver com a forma com que você se coloca diante da sociedade e no que você acredita?
Okay, segura estes dedos ai nos comentários. Você aí já deve estar imaginando em um bazingalhão de explicações para mim do por que classe X ou Y não podem ser de determinada tendência. Posso ser sincero contigo? Você esta certo.. mas também esta errado.
Da mesma maneira que você pode criar uma explicação plausível de eu não poder acessar qualquer recurso, eu também posso te dar outra que é tão plausível quanto e esta discussão vai se estender por horas e horas e não vai chegar a lugar nenhum. No final também não importa.
Então vem comigo, porque perder tempo discutindo do porque algo tão específico não deveria ser possível, porque lá atrás alguns altores definiram que tinha que ser assim, não o viabilizamos de uma vez sem limitação? Sério, se liga só, é muito mais fácil você deixar os novatos criarem, terem suas ideias. Interpretarem aqueles personagens, beberem de diversas fontes e subsequentemente irem criando mais coisas novas legais.
Ai entramos em outra questão. Estou cansado de ouvir (ou ler) quando vejo uma proposta de personagem e alguém vem e fala “Se você quer jogar com este personagem não seja classe X então, seja classe Y.” ou então o “Ah, se você quer jogar tanto com este personagem porque te parece legal então porque se importa com o poder do personagem?” ou então o famoso “Personagem assim não faz sentido”.
Novamente não acho que conceitos interpretativos deveriam influenciar nas mecânicas de forma negativa. Acredito que o jogador que busque jogar com um personagem assim tem o direito de ser tão forte quanto seus amigos e viver os próprios dramas de ser um ponto fora da curva. Ser penalizado só porque resolveu fazer um arquétipo de personagem que não casa com o convencional é no mínimo incomodo.
Eu quando vou jogar quero poder sentar em uma mesa e contar a história daquele personagem e como ele pode superar seus demônios pessoais. Tendo ajuda ou não, sendo um herói ou não sem ter que me preocupar com uma regra estúpida que do nada pode podar meu personagem, não quero ter que trocar minha classe para poder jogar com algo que seja mais “coerente” só porque alguém acha que esta não existe, mesmo que o contexto que criei explique.
Como exemplo, uso minha classe favorita e polêmica. Um paladino pode ser maligno, narrativamente, se torna totalmente viável a partir do momento em que ele acredita estar fazendo o bem já que seus poderes não se foram. É um mistério e um tempero que está inerente ao personagem, um deus maligno pode estar manipulando ele fornecendo poderes, seu próprio deus misteriosamente ainda pode estar fornecendo poderes… ou mesmo podem estar vindo de uma fonte muito mais obscura por trás das sombras.
Tem quem condene quem quer ser o “diferentão” eu particularmente acredito que é obrigação do jogador de RPG ser o “diferentão” e buscar criar personagens que sejam divertidos (não que o costumeiro não o seja).
Em conclusão é por conta disso que eu particularmente não uso tendências quando jogo qualquer variante do d20 onde tal regra é mais presente, resolvi adotar o que RPG’s modernos como a quinta edição e a 13th era fizeram e deixar tais regras ainda lá. Como algo divertido, como uma lembrança, tratando ela como uma vaca sagrada mas sem que esta coma meu proveito do jogo, mas que acrescenta algo. Uma regra que me ajuda a descrever meu personagem, mas não algo que no fim define quem ou o que ele é.