Tormenta: espelho, espelho meu…

De vez em quando a questão aparece na mesa de alguém: porque não há um atributo ou habilidade para determinar a beleza de um personagem? Imediatamente, o jogador de Storyteller começa a pavonear sobre como o sistema tem um atributo específico para aparência. Bem, há uma razão para aparência ser quantificada no sistema de Storyteller/Storytelling e não em D&D e jogos similares: porque não faz o menor sentido quantificar aparência em cenários de fantasia.
Enquanto no cenário de Storyteller/Storytelling vampiros, lobisomens, magos e outras criaturas sobrenaturais tem aparência similar à humana (ou a capacidade de assumir uma forma humana) o bastante para se misturarem à nossa sociedade, em cenários de fantasia tradicionalmente há dúzia de raças diferentes, cada uma delas com aparências próprias. Com a introdução de diferentes raças, manter uma quantificação para algo como beleza perde completamente o sentido: a mais bela donzela élfica pode parecer uma monstruosidade para um gnoll ou goblin, o dragão cuja aparência é capaz de matar de medo membros de outras espécies pode ser o maior galã entre sua própria raça. Cada espécie tem seu próprio padrão de beleza a se levar em conta, e mesmo entre membros da mesma espécie, os padrões de beleza podem mudar radicalmente de uma cultura para outra.
Um exemplo da nossa própria realidade é a diferença entre o padrão de beleza brasileiro e o japonês. No Brasil, pessoas bronzeadas e com os dentes “perfeitos” são consideradas belas e saudáveis. No Japão, quanto menos bronzeada a pessoa estiver, melhor, e dentes tortos, ou yaeba, são considerados belos o bastante para as pessoas irem a dentistas colocarem caninos postiços para “entortar” o sorriso.
Brasileiros e japoneses são membros da mesma espécie, em um mundo globalizado, mas seus padrões de beleza são opostos em vários aspectos. Imaginem então o quanto os padrões de beleza podem variar em um cenário de fantasia medieval, que normalmente segue o padrão de ilhas de civilização cercadas por vastas áreas selvagens. Cada espécie nesse mundo pode ter centenas de culturas diferentes, cada uma delas com padrões de beleza diferenciados das demais, e como o mundo de fantasia padrão tem pelo menos algumas dúzias de espécies diferentes, isto significa milhares de padrões de beleza diferentes. Neste caso, para quê mesmo você precisaria quantificar aparência dentro do sistema de jogo? A regra seria mais específica e usualmente inútil que a infame regra para cavar buraco de GURPS!

João Paulo Francisconi

Amante de literatura e boa comida, autor de Cosa Nostra, coautor do Bestiário de Arton e Só Aventuras Volume 3, autor desde 2008 aqui no RPGista. Algumas pessoas me conhecem como Nume.

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10 Resultados

  1. SolCannibal disse:

    Quem te iludiu de que fazia sentido no Storyteller?! Mais de uma década se passou antes de supostamente fazerem algo para tornar aparência genuinamente ÚTIL no sistema – ou pelo menos foi o que me disseram, tenho cá minhas dúvidas (diga-se de passagem no “Novo Mundo das Trevas”/Crônicas da Trevas aparência DEIXOU de ser atributo e foi substituído por Compostura).
    Antes da virada do milênio aparência só servia realmente para fedelhos & meninas querendo atenção se pavonear de quão lindos seus personagens eram…. 😛

    • O argumento aqui não é de quão útil um atributo quantificando aparência é num sistema ou outro, mas sobre o quanto ele faria sentido num cenário ou outro, e é meio óbvio que um atributo assim faz mais sentido num cenário onde todas as espécies tem uma aparência mais ou menos padrão do que noutro onde existem dúzias de espécies com aparências diferentes.
      Also, quem te iludiu que alguma coisa fazia sentido no Storyteller como um todo? De acertos críticos que não causavam dano a níveis de poder desproporcionais entre as criaturas sobrenaturais que supostamente deveriam coabitar as mesas de jogo, a maior parte do sistema de jogo do Storyteller era quebrado por natureza.

  2. Reaposa Solar disse:

    Devo discordar com aquilo que foi dito. Em D&D (e desde o primeiro se formos levar em consideração), existe sima possibilidade da beleza. Os atributos Carisma e Constituição fazem bem essa parte. Digo os dois porque seria muito medíocre apenas considerar Carisma como fator de beleza e sem levar o corpo (Constituição) também em conta.
    Tudo vai apenas depender da visão do mestre e dos respectivos testes de perícias que forem adequados.
    3D&T não possui nenhuma habilidade parecida, mas, com um teste de sedução e uma alta Habilidade o teu personagem se transforma num verdadeiro Dom Juan.
    E veja bem: Em D&D faz sim diferença ser bonito ou não. Ou pensa que o taverneiro vai cobrar menos daquele anão ranzinza e sem humor algum?

    • E se a taverneira for uma anã que acha isso super sexy? O argumento do artigo é justamente que tentar quantificar beleza é uma jornada ingrata para o game designer porque, no final, ela acaba sendo uma regra super específica: a beleza do personagem vai funcionar com sua própria raça e vai variar conforme as culturas regionais dessa raça. Por isto que o uso de atributos que quantificam apenas a aparência do personagem raramente aparecem em qualquer sistema de jogo.

  3. mikemwxs disse:

    Nunca tinha parado para pensar nisso e pô, agora o clássico atributo Carisma de D&D faz MUITO mais sentido! Valeu!

  4. Diego disse:

    quando vc tiver que fazer um buraco pra escapar da prisão, ou pegar um tesouro enterrados antes que os piratas cheguem, nesse dia vc não achará inútil uma regra pra cavar buraco.

  5. Jose disse:

    Concordo plenamente com o texto. E como são boas as memórias dá regra de cavar buracos… Err… Não… Pera… Não existem tais memórias, a regra nunca foi usada…

  6. Ricardo Andrade Santos disse:

    Bem que eu estranhava modelos japonesas terem dentes tortos. O mote do D&D “primeirão” era entrar em ruínas e achar tesouros,não faz sentido um atributo para beleza, como faz em jogos de intriga.

  7. Bob Nerd disse:

    Eu já acho que o que confunde mesmo é a aparência humana das outras raças. Fora alguns traços faciais não há diferenças tão gritantes entre humanos, elfos, anões e etc em D&D ou qualquer cenário inspirado nele.
    As raças monstruosas como Kobold, Dragão, etc. não são tão comuns nas mesas e por isso não deve ser quem provoca questionamentos.
    Enfim, por terem aparência semelhantes há esse questionamento de que a beleza deveria ser quantificada já que para o jogador todos se parecem. Se houvessem diferenças gritantes na aparência talvez essa característica fosse ignorada, como é com raças monstruosas.

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