Tormenta: Tapista teve a sua Cartago?

Na Antiguidade, antes da supremacia do Império Romano, outra grande potência disputou com a República Romana o domínio sobre o Mar Mediterrâneo: Cartago. As três Guerras Púnicas em que Roma e Cartago enfrentaram-se são o material das lendas do mundo real, com táticas e estratégias militares deste período sendo estudadas até hoje em academias militares, como o duplo envolvimento da Batalha de Canas de 216 a.C. Nomes como Aníbal e Cipião, o Africano ecoam na História com seus feitos nos conflitos que marcariam o mundo durante milênios.
Em Tormenta, Tapista possui em seu mito de origem a guerra contra a Liga Orc, em que os minotauros sobrepujaram seus antigos dominadores e os eliminaram da história. Seria fácil imaginar a Liga Orc como a versão artoniana dos cartagineses, mas é mais provável que eles sejam uma referência aos etruscos que originalmente dominavam a península itálica e cobravam tributos dos romanos antes que estes acabassem por os sobrepujar e praticamente apagar sua existência da história (com uma pequena ajuda de uma invasão gaulesa ao norte da Itália).
Além disto, a Liga Orc não explica uma das características militares tapistanas: sua marinha de guerra. Ou melhor, porque eles dão tamanha importância à sua marinha de guerra. Pensem bem sobre isso. Dos reinos humanos do oeste de Arton, nenhum é uma grande potência marítima, e o mesmo pode ser dito sobre os reinos acima da correnteza do Rio dos Deuses. Não há potência marítima em Tormenta além de Tapista. A lógica militar através da história nunca foi sobre esbanjar recursos, mas sobre utilizar o mínimo de recursos necessários para vencer um conflito, de maneira que o Estado não vá a falência para pagar a guerra. Se Tapista nunca tivesse precisado de uma marinha de guerra poderosa, ela jamais a teria construído em primeiro lugar. Não há nada nas histórias sobre a Liga Orc e a origem de Tapista que possa explicar essa necessidade marítima, mas nelas talvez haja uma pista que possa nos ajudar a solucionar este mistério.
Esta pista é o hábito tapistano de apagar todos os registros sobre seus inimigos vencidos da História. A Liga Orc só nós é conhecida por se tratar de algo intrinsecamente ligado ao nascimento de Tapista, mas somente os detalhes mais superficiais sobre ela são conhecidos, o mínimo necessário para explicar a glória dos fundadores da república tapistana e é isto. Agora, se um inimigo tivesse causado tantos estragos para ser tão odiado quanto a Liga Orc, mas sua existência não fosse tão essencial para a mitologia tapistana quanto a Liga Orc, esse inimigo não seria completamente apagado da História por uma Tapista vitoriosa? Eu acho que sim.
Então, quem seriam estes caras? Eu tenho uma sugestão: Quelina!
Não, não a cidade pirata, isto seria estúpido. Estou falando da tal civilização que ocupava as ilhas piratas séculos atrás. A grande cidade pirata foi construída nas ruínas de uma outra grande cidade, que pertenceu a alguma civilização avançada, cheia de magia, mas desconhecida. E se você parar para pensar, faz todo o sentido que ali tenha se desenvolvido tal civilização grandiosa. Antes da fundação do Reinado, e de Malpetrim, as ilhas piratas eram o entreposto marítimo perfeito entre Lamnor e Galrasia, podendo ao mesmo tempo enriquecer com o comércio de itens mágicos saqueados e obter conhecimento mágico das ruínas Eiraadan para fortalecer seu império.
Sendo uma civilização marítima, faz sentido que tivesse tido uma marinha poderosa, e como muitas civilizações antigas, também é possível que tenha feito uso de escravos e que tenha estabelecido colônias. Como em, digamos, a atual porção sul de Tapista. Conforme Tapista cresceu, o inevitável conflito por território e escravos só poderia acabar em guerra.
Agora, de volta a nossa história real, durante a Primeira Guerra Púnica os romanos venceram quase todos os combates terrestres, mas os cartagineses detinham a absoluta vantagem naval. Até o início dos conflitos, Roma possuía exatamente zero navios de guerra. Enquanto isto os cartagineses possuíam os poderosos quinquerremes, a primeira grande evolução no desenho de navios de guerra no Mediterrâneo desde o desenvolvimento do trirreme pelos gregos. Utilizando de engenharia reversa em navios cartagineses capturados, os romanos, com o auxílio de aliados gregos, foram capazes de construir seus próprios quinquerremes, e após várias derrotas iniciais, adquiriram experiência naval e começaram a virar o jogo nos mares, até que Cartago decidiu-se por um acordo de paz.
De volta a Tormenta. Se Tapista atacou as colônias dessa civilização ao sul, estes primeiros combates podem muito bem ter sido ganhos pelos minotauros, que são guerreiros natos. No entanto, sem uma marinha de guerra, os tapistanos ficaram completamente abertos a contra-ataques constantes dessa civilização desconhecida. É provável que até mesmo Tiberus tenha sido atacada por navios que pudessem navegar correnteza acima do Rio dos Deuses! Dá-se, então, o nascimento da marinha de guerra tapistana.
Após uma longa e dolorosa guerra, Tapista deve ter destruído completamente a civilização que foi a primeira moradora das ilhas piratas, e então os apagou completamente da história como sinal derradeiro da vitória tapistana. O que nunca acabou esquecido foi uma lição extremamente dolorosa: “aquele que domina as ondas, domina o mundo”¹.
Curiosamente, ao apagar todo o conhecimento sobre essa antiga civilização da história, os tapistanos acabariam dando um tiro no próprio pé: a grande cidade pirata fica exatamente no mesmo lugar da antiga capital de seus inimigos, e os minotauros nunca conseguem encontrar o maldito lugar! Não seria engraçado se isso fosse um efeito colateral de alguma magia divina lançada pelos minotauros para apagar todo conhecimento sobre essa antiga civilização?
¹ Do original “Whoever rules the waves rules the world“, presente no clássico The influence of sea power upon the French revolution and empire : 1793-1812, do almirante americano Alfred Thayer Mahan, publicado em 1892.

João Paulo Francisconi

Amante de literatura e boa comida, autor de Cosa Nostra, coautor do Bestiário de Arton e Só Aventuras Volume 3, autor desde 2008 aqui no RPGista. Algumas pessoas me conhecem como Nume.

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11 Resultados

  1. SolCannibal disse:

    Idéia muito interessante mesmo – ótimo trabalho de costurar hipotéticas pontas soltas da caracterização das nações artonianas em tramas históricas para campanhas. Muito bacana mesmo.

  2. Vectorius Augusto disse:

    Fantástico, já faz parte oficial da versão de tormenta que eu narro.
    Só ressalto que minha, me minha imaginação borbulha com o motivo que levou à nação de Talpista e decidir apagar o inimigo da história . Era ele um inimigo tão terrível e incansável que se tornou a última solução. Ou destruir aquela majestosa nação foi um erro tão grande que fez os Minotauros se envergonharem ao ponto, de apagar todos os registros e adotar a estratégia de anexação nos reinos conquistados.

    • Apagar alguém da história meio que dá uma noção de vitória absoluta, não? Desde a Antiguidade existe um conceito de que a única maneira para um ser humano atingir a imortalidade é fazer algo digno de ser relembrado por milênios, pois uma pessoa só está realmente morta quando sua memória desaparece das vidas daqueles que sua vida tocou. Grandes homens, portanto, vivem para sempre nas memórias da humanidade. Portanto, se Tapista decidiu apagar a memória de um inimigo, é porque os líderes táuricos acharam adequado que se os matasse física e espiritualmente, para que nem mesmo sua memória pudesse ameaçar Tapista novamente.

  3. DOUGLAS JOSE NASCIMENTO disse:

    Muito interessante. Já estou pensando aqui em uma forma de encaixar na campanha pirata que mestro.
    Meio que to tentando explorar essa Nação esquecida, agora tem a explicação dos culpados ^^ hehe

  4. Lukas Malk disse:

    Eu fiz isso com o povo de cabeca de elefante, rinoceronte, hipopotamo, alce e cavalo.
    Hoje ha poucos ela Grande Savana o Eserto da Perdicao e em Tapista (peguei essas racas no rpgquest da daemon

  5. Cezzar Mendina disse:

    Adorei essa tua visão histórica. Mas existe uma coisa que eu nunca entendi nos Minotauros, é tido que eles tem fobia de altura, mas como com essa fobia eles conseguem subir em um navio?
    Minotauros não usam montaria e o arco é uma arma desonrada, mas imagino que a cavalaria e os arqueiros de seu exercito seja composta com escravos, então nisso estaria resolvido esta questão…Mas como um povo com fobia de altura consegue subir num navio ?

    • Com coragem. Coragem não é a ausência de medo, mas a capacidade de enfrentar seus medos. E Tauron é o deus da força e coragem!
      (Also, navios de guerra helênicos não são nada parecidos com os navios mais modernos, em alguns o nível do mar fica a menos de um metro do ponto mais alto do navio exceto pelo mastro(s). E como o medo racial dos minotauros só é ativado a pelo menos 3m de altura…)

      • Cezzar Mendina disse:

        E a altura do navio até o mar é menor que 3m? Como eles fazem para subir nas torres e mastros do navio?
        Minotauros não usam flechas e outros métodos de atacas a distancia também né?

        • Minotauros podem subir mastros e torres, eles só sofrem redutores em suas jogadas e testes. A fobia deles não os impede de fazer coisas, lembre-se disso, só torna eles menos efetivos. Also, eles culturalmente não dão preferência a flechas e outros ataques à distância, mas não existe um impedimento real de que eles façam uso disto. Os navios tapistanos parecem ser uma mistura dos navios helênicos da antiguidade com as galés italianas da idade média, que faem uso de canhões.

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