O livro conta a história de Cosmo Kant, operário habitante da Cidade-Centro, que, após uma série de acontecimentos que começam com vertigens e tonturas e culminam com um homem atravessando o espelho do seu banheiro, começa a questionar a vida pacata que leva e a realidade das torres de aço e vidro que o cercam. O nome de filósofo, assim, não é exatamente à toa: ele entra a partir daí em um jogo de gato e rato contra o governo da cidade, enquanto tenta lidar com os eventos estranhos que passam a rodeá-lo; a trama lembra bastante certos filmes de ficção científica em que a-realidade-não-é-o-que-parece, como Matrix ou (acho que com mais força) Cidade das Sombras, se desenvolvendo como um thriller filosófico repleto de questionamentos e alegorias sobre as idéias de pensadores clássicos.
Isso se reforça ainda com a estrutura fragmentada da narrativa, que constantemente vai e volta no tempo, e utiliza diversos recursos linguísticos, inclusive algumas passagens ilustradas, como uma história em quadrinhos. Em um momento temos uma espécie de crônica da infância do protagonista, com reflexões ingênuas e citações a super-heróis; e logo em seguida já estamos em um romance-dentro-do-romance, onde um certo inspetor investiga um suposto terrorista enquanto sonha com o amor de uma mulher proibida. Enquanto não chega realmente a dar um nó no pensamento, essa estrutura ajuda a colocar o leitor no jogo proposto, deixando-o em dúvidas quanto ao que é verdadeiro e o que é alucinação e questionando o tempo todo as motivações de cada personagem. O resultado é uma leitura extremamente envolvente, um verdadeiro labirindo narrativo em que você constantemente se acha próximo da saída, só para se deparar com uma nova parede no capítulo seguinte.
Para não dizer que tudo é perfeito, há alguns errinhos de revisão que incomodam: um sobre no lugar de sob em uma determinada passagem; um fechos olhos em outra; alguns artigos e preposições que parecem ter desaparecido. Não é nada que realmente prejudique a leitura, é claro, mas chamam a atenção. As passagens ilustradas também não são exatamente um primor artístico, mas são eficientes dentro da narrativa. E consigo imaginar ainda uma ou outra pessoa se frustrando com o desfecho, com direito a uma cena final que parece cena extra pós-créditos; mas também não é nada que invalide a jornada envolvente que se tem até lá, e não deixa de ser um final contundente e épico por isso, daqueles que te deixam refletindo por horas a fio após a leitura.
E mesmo assim, O Alienado ainda é um romance bastante único e envolvente, que eu realmente não posso recomendar o suficiente. O Cirilo é um desses autores novos a se prestar bastante atenção no próximos anos.
O Alienado, de Cirilo S. Lemos.
240 páginas por R$44,90 na loja da editora.