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Resenha: Dragon's Dogma

Resenha: Dragon's Dogma 1No que concerne aos jogos de RPG eletrônicos, algumas vezes se fala em dois estilos teoricamente conflitantes que dividem os fãs: os RPGs ditos “ocidentais” (ou wRPGs, de western RPGs) e os RPGs “orientais” ou japoneses (jRPGs, ou japanese RPGs). Não tem nada a ver com a inspiração do cenário ou mesmo o local onde foi feito, embora cada um seja obviamente mais comum na região que lhe deu o nome – mas há sim bons RPGs orientais com temática inspirada na Europa medieval, e RPGs ocidentais de ficção científica, por exemplo, também não são incomuns. Eles estão, na verdade, relacionados com o estilo de jogabilidade mesmo: no primeiro grupo se encontram jogos como DiabloThe Elder Scrolls e afins, com um estilo fortemente influenciado pelos RPGs tradicionais (pense em D&D mesmo), com direito a criação personalizada dos personagens principais, bem como mundos abertos repletos de masmorras e quests que o jogador pode explorar como bem entender; e no segundo estão séries como Final Fantasy e semelhantes, mais focadas em contar uma grande saga épica com personagens únicos e cheios de personalidade.
Não são, é claro, classificações muito rígidas ou completamente intransponíveis, e, como tudo mais que envolve criatividade, estão sujeitas a intercâmbios e idéias copiadas uma da outra constantemente. Por um bom tempo o estilo japonês foi o mais popular, sobretudo com os anos dourados da franquia Final Fantasy; recentemente, no entanto, com jogos como Dark SoulsThe Elder Scrolls V: Skyrim eDiablo 3, os RPGs ocidentais tiveram um salto de qualidade bastante significativo, que os tornaram mais conhecidos e jogados. E aqui entra então Dragon’s Dogma, que pode ser descrito de forma simplória como “o que acontece quando uma empresa japonesa tradicional tenta fazer um wRPG.”
Produzido pela Capcom, o jogo segue bem o paradigma básico de um wRPG: um mundo medieval fantástico aberto, com monstros tradicionais como goblins e dragões, além de fortalezas imponentes e duques, Sirs e todos os títulos de nobreza apropriados. Você cria um personagem no começo da história e vive a sua sina de enfrentar um dragão lendário que de tempos em tempos aparece para atormentar o povo da região. No meio do caminho, inúmeras quests, masmorras, monstros, intrigas palacianas, e mesmo um pouco de romance (embora com a possibilidade de resultados um tanto constrangedores neste último ponto). Ao mesmo tempo, no entanto, há alguns pequenos elementos dispersos que parecem retirados direto de RPGs orientais, incluindo um tema de rock pesado na tela de abertura (mesmo que no resto do jogo a trilha sonora seja bem clássica e sem muito brilho) e uma reviravolta no roteiro nos momentos derradeiros que levam a um dos finais mais bizarros de jogos recentes.
O uso de classes de personagens, por exemplo, pode em um primeiro momento parecer remeter aos RPGs ocidentais. Na prática, no entanto, eles acabam lembrando muito mais as suas versões orientais mesmo, imortalizados nos jobs de Final Fantasy: não são apenas um ponto de partida, de onde você pode desenvolver o seu personagem como bem entender; mas sim modelos prontos, com restrições de armas e equipamentos (um ladino, por exemplo, não pode usar armaduras pesadas), que avançam nos seus próprios termos (um guerreiro ganha mais pontos de vida, um mago aumenta seus atributos mágicos, e etc.), e que você até pode trocar durante o jogo, mas estará preso às características do que estiver usando no momento – pense em Final Fantasy Tatics mesmo. Cada uma delas também pode aprender uma série de golpes e habilidades especiais, indo desde combos com suas armas até provocações aos inimigos e miras de precisão para ataques à distância, além, é claro, de diversos feitiços para as classes de conjuradores. Existem três classes disponíveis inicialmente, Fighter (o tradicional guerreiro), Mage (dispensa explicações) e Strider (que seria o equivalente ao ladino, mas, usando arcos e um par de adagas, acaba sendo mais semelhante ao ranger D&Dístico); mas outras seis são liberadas durante o jogo, incluindo versões aprimoradas de cada uma delas e algumas classes híbridas.
Se em um primeiro momento isso pode parecer broxante para quem gosta da liberdade de evolução que um wRPG tradicionalmente oferece, na verdade acaba sendo um dos pontos mais positivos do jogo, dando a ele de fato bastante personalidade, fugindo de ser apenas mais um Skyrim genérico. Cada classe realmente funciona de forma diferente, mudando as suas estratégias e transformando-o em um jogo diferente dependendo da sua escolha. Pegue um Fighter e assuma a linha de frente; um Mage, e fique atrás disparando suas magias; ou então um Strider e use sua velocidade para desferir golpes rápidos e atacar à distância com o seu arco. Isso se soma ainda a um sistema de batalha muito bem executado, que busca inspiração lá em Shadow of the Colossus para permitir que você suba no corpo de inimigos gigantescos para atingir seus pontos fracos; apenas a inteligência artificial dos seus companheiros deixa um pouco a desejar, apesar do caos e gritaria de dicas e táticas em que as batalhas rapidamente se transformam sejam bastante únicos e divertidos. E os monstros ainda são um show à parte, repletos de pequenos detalhes que deixarão os fãs de fantasia babando – sério, é difícil não abrir um sorriso largo na primeira vez que você encontra uma quimera ou uma hidra, e nem vou falar do dragão que dá o título do jogo… Droga, há até um beholder nos níveis finais!
Se os monstros são tão impressionantes, em todo caso, o mesmo não se pode dizer dos personagens humanos. Até são bem construídos e modelados, mas a sua movimentação é meio tosca, e raramente condiz muito bem com o que eles estão tentando dizer ou fazer. Além disso, há um bocado de bugs gráficos sacanas, como monstros que demoram para carregar mesmo quando todo o grupo já está em posição de combate, além de vários problemas na colisão dos personagens com objetos. No caso mais extremo que aconteceu comigo, bastou eu virar a câmera por um instante que um grupo inteiro de inimigos que eu estava enfrentando desapareceu, encerrando o combate!
O jogo também possui um suporte online, embora seja como complemento ao jogo offline, e não propriamente com uma interação direta com outros jogadores. Além do seu protagonista, você também deve criar um pawn (ou peão), que será o seu companheiro principal durante a aventura; e pode recrutar ainda outros dois, escolhidos por você entre alguns personagens pré-prontos que vagam pelo cenário, ou então buscando através de pedras-portais por peões criados por outros jogadores ao redor do mundo. Ter o seu peão recrutado por outro jogador pode lhe render um punhado de itens adicionais, além de que ele retém o conhecimento adquirido sobre áreas visitadas, quests realizadas e táticas contra os inimigos encontrados, podendo lhe dar algumas dicas úteis no seu próprio jogo. Não é exatamente um modo de interação muito desenvolvido, nada no nível de um Demon’s Souls, mas já se formou uma comunidade bacana ao redor dele, com diversos peões de bom nível disponíveis para escolher e mesmo um mercado movimentado de troca de itens, para quem se interessar por procurar em fóruns e afins. De mais criativo mesmo, há um chefe opcional que é sempre enfrentado por todos os jogadores ao mesmo tempo, cada um no seu próprio jogo; a cada vez que ele é derrotado, todos os que participaram na batalha dividem a sua experiência e espólios antes que a sua próxima versão apareça para desafiá-los novamente.
Na soma geral, Dragon’s Dogma está longe de ser um jogo perfeito. Há muitas arestas que poderiam ser aparadas, incluindo um punhado de bugs e falhas razoavelmente sérias, mas que não o impedem de, nas suas virtudes, em especial o sistema de combate, ser muito divertido – na verdade, algumas delas até se travestem bem de personalidade, e ajudam a torná-lo mais único e diferente. Pode valer a pena dar uma olhada para quem gosta de jogos de fantasia.

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