A síndrome da polêmica e o truque dos blogs

Pergunta não-retórica: você teria visitado este post se o título não tivesse as palavras “polêmica” e “truque”?
O interesse pela opinião pública não nasceu um dia desses. Ele é, digamos, uma das bases mais antigas da lógica do poder dos Estados nacionais. Ainda que a democracia como a conhecemos seja novinha na longa história da humanidade, vários reis e imperadores precisaram lidar com a vontade da massa. Alexandre da Macedônia permitia que os povos conquistados mantivessem seus credos e Roma inventou o “pão e circo” – dois episódios da novela “O povo precisa ser controlado”.
De modo que o interesse de hoje encarnado na grande imprensa e nos novos veículos de comunicação conhecidos como “mídias sociais” (credo…) só reforçam esse passado. Só que agora a opinião pública ou o interesse da massa tem mais poder. Este é o tempo das marcas comerciais, dos produtos para multidões. Acertar a massa significa ganhar dinheiro – direta ou indiretamente. Mas ainda há a velha dimensão política, convertida tanto no lado eleitoral da coisa como naqueeeela política da imagem, da fama, do poder que vem de uma instituição meio recente: a celebridade.
Isso cria, digamos, novos fenômenos. E um deles vive aqui, na nossa amada e pequena blogosfera. Surgindo como um espaço de troca de ideias a blogosfera rpgística foi se aproximando, aos poucos, do mundo editorial que sustenta o RPG no Brasil. Em um misto de entretenimento simples e universo mercadológico muita gente tem se interessado na construção de contatos e em aumentar o entrosamento nos projetos de publicação. Isso estreita laços e abre uma perspectiva sobre a comunidade que, me atrevo a dizer, não existia cinco anos atrás. Ao mesmo tempo cria regras novas de convivência e instaura uma busca razoável por profissionalismo.
Seria exagero dizer que isso é um movimento consolidado. Mas existe e é o produtor de um dos fenômenos que mencionei: a blogosfera está cada vez mais interessada em aglutinar leitores, criar público cativo e formar opinião. Isso transformou um pouco o cenário amador em uma mistura de imagens e autores. Surgiram projetos novos, encabeçados por gente que quer ser reconhecido pela área e que, por isso mesmo se esforça para tanto. E surgiram outros personagens… Colaboradores ocasionais que vêm migrando de outros espaços – listas, fóruns – ou ingressando pela primeira vez no círculo, produzindo conteúdo por hobby e, a seu modo, marcando lugar no meio social dos blogs.
A quantidade de material publicado vem aumentando, assim como o leque de temas novos e de temas retomados. Isso não apenas porque o número de autores aumentou, mas também porque mudou o ritmo de atualização – uma comunidade pequena, mas ávida por novidades diárias. Veio então, no novo contexto dessa produção de materiais, opiniões e análises, uma já forte “cultura da polêmica”.
Ela não é nova. Aparece em todos os espaços de mídia. Aparece porque, para voltar ao começo da conversa, a polêmica atrai pessoas e garante territórios na guerra das audiências. Ela é parte do corpo do “sensacionalismo”, um dos elementos que carrega valor quando o assunto é a “noticiabilidade”. Quanto mais estapafúrdia for uma manchete mais ela tem a chance de atrair curiosos. E por mais que ela seja uma coisa passageira, fugaz, no fim ela, de certa forma, cumpriu o que pretendia: acesso (ou “clique”).
Nos blogs de RPG a polêmica sempre gira em torno das bandeiras de sistemas ou cenários. A formação de “times de gosto” tem nos colocado em debates recorrentes sobre a qualidade do que é produzido e sobre os elementos que explicam seu sucesso/insucesso. Tormenta, D20, D&D 4E, GURPS, estão no coração dessas mesmas polêmicas. Mas além do motivo é preciso observar a forma: as polêmicas criam zonas de conversa, onde pode se debater os elementos dos jogos, mas, essecialmente, funcionam como valorização do lugar onde são produzidas: blogs, listas, fóruns. A polêmica é uma estratégia para agregar pessoas em torno de um veículo, fazendo-as participar dele e reconhecê-lo como um lugar no qual “grandes” informações e temas “sensacionais” em todos os sentidos são tratados. Ela é um chamariz de “cliques” e uma fonte de reconhecimento da relevância de um blog ou similar.
Não conheço nenhum blogueiro nesta comunidade que sobrevive por causa de seu blog. Isso significa que estamos longe de um espaço realmente profissional, de disputas de veículos por “mercado” e requer que toda essa discussão seja vista nos termos de um espaço ainda semi-amador. É esse tipo de espaço que permite uma camaradagem maior, me arrisco a pensar. E também torna cada tópico ou debate apenas um ponto passageiro que só afeta a sua vida de consumidor de forma rápida e leve. O que parece acontecer hoje é, tanto uma disputa por um reconhecimento de habilidades blogueiras como uma pequena disputa por espaços em um mercado-do-amanhã. É aí que a polêmica vem crescendo. Ela se torna um material fundamental para garantir o crescimento da imagem dos blogs. Ela movimenta nossa simples comunidade e reproduz, em menor escala, coisas que podemos ver lá fora, no imenso mercado jornalístico-publicitário.
Dito isso algumas perguntas são saudáveis. O que a polêmica traz para quem lê e comenta? O que ela representa para leitores e participantes externos?  Pensamos até agora na sua função para quem produz conteúdo. E para o público que o consome?
Nem toda polêmica é uma manipulação maquiavélica e vazia dos interesses da massa. Elas podem muito bem contribuir para o enriquecimento de uma questão ou como distribuidoras de informações. Algumas vezes a polêmica nem é do desejo do produtor – embora isto esteja ficando raro, graças a uma maior conscientização das regras do jogo da internet (vide Google Analitics, Alexa, etc). Mas uma coisa é certa: raros também são os casos em que a polêmica se expressa como um lugar para expor diferenças de opinião e, a partir daí, de mudança de opinião. O que ocorre na construção planejada de um texto “polêmico” é uma espécie de montagem de arena. A polêmica é parte do espaço conflituoso das opiniões em uma democracia e tende a movimentar os grupos de interesse (os tais “times de gosto” de que falei) para o enfrentamento e para uma “disputa de espaço”. Ela não manteria tanta atenção se, na prática, cada amante de sistema/cenário e cada potencial crítico não estivessem falando, no fundo, do que “merece ser publicado”. Em outras palavras, podemos dizer que existem polêmicas que partilham ideias, mas, no geral, falamos de um tipo de texto/espaço que serve de combate indireto do público – e até, em quem sabe, para exame indireto das pequenas editoras nacionais; mas aqui já é um graaande “talvez”.
O tipo mais saudável de polêmica parece continuar funcionando como lugar de trocas de experiências de jogo e por um loooongo debate comparativo entre jogos. Aqui, boa parte das discussões tem um potencial positivo, já que cria algo sobre o qual discutir. Já o tipo mais comum de polêmica é marcado por uma supervalorização do conflito, do debate não-comparativo, pautado inúmeras vezes nas piores formas de reductio ad absurdum (i.e.: um tipo de argumento que exagera os elementos de algo para em seguida criticar o objeto). Ela é feita de textos-para-incomodar, de material gerador de guerrilhas retóricas (“flames”), para ser um verdadeiro e incendiário lugar de confronto. Esta forma de polêmica, infelizmente, me parece mais danosa do que útil. Ela é uma forte geradora de atenção para o veículo, mas não parece render para o leitor/participante nada de essencialmente novo. Ela se alimenta de uma profunda rivalidade e continua a atrair a opinião pública porque cria uma área de tensão divertida para um dos lados e de irritabilidade para o outro. Esta polêmica, travestida de espaço de conversa, tende a reforçar um dos lados mais chatinhos de nossa recente metamorfose de amadorismo para semi-amadorismo: a guerra da personalidade. O “polêmico” que gera o conteúdo se torna, mais do que qualquer outra coisa, o centro da questão. Entre leitores “p da vida” e “satisfeitos” ele procura uma forma nova de marcar um espaço, de ser o foco do “debate” e de fazer a polêmica em si se tornar mais importante do que o conteúdo. Ele pode sim, gerar outros conteúdos a partir do flame – o post que você lê é um exemplo de material inspirado em uma polêmica do tipo – mas sua base não é essa. Sua base, aparentemente, é inflar um balão temático, até que seja necessário o  próximo.
A blogosfera continuará produzindo polêmicas, já que essa é uma marca histórica do nosso tempo. Ainda assim, me pergunto se estamos construindo algum discernimento – como leitores e como produtores. Há um exagero nessa preocupação? Somos “apenas um conjunto de blogs e leitores de RPG” curtindo a vida? Claro que sim. Ninguém morre de raiva diante da tela do PC (ou quase ninguém…). Não é sobre um mundo de amor e paz que estamos falando. Estamos falando – eu e logo vocês – de que tipo de espaço de debates queremos. Qual será o formato desta blogosfera daqui a algum tempo? Será que ainda existiremos daqui a cinco anos? Se a resposta for positiva, será que estaremos elaborando conteúdo e criando elos de contato entre jogadores brasileiros ou a tendência da vez será a da guerra de egos super-poderosos alimentando picuinhas sob a bandeira da “boa polêmica”, velho truque de comunicação? E este texto? É uma polêmica gratuita ou diz algo a você?
(a imagem descaradamente usada neste post – “Enemy” – é de autoria de Cj Tanedo. Todos os direitos reservados ao autor).

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2 Resultados

  1. Puppet disse:

    É por causa do Barreto do Paragons que escreve textos dignos do Datena.

  2. Jagunço disse:

    Pois é. Não sou nenhum Gandhi, mas acho que dá pra pensar nisso. 🙂

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