É um pouco engraçado, para quem já esteve em uma mesa de RPG ao menos uma vez, ver como essa onda recente de filmes épicos é tão descaradamente feita por nerds que passaram a adolescência rolando dados em masmorras imaginárias. Não digo nem a respeito dos temas – até porque em séries como Underworlde O Senhor dos Anéis a influência já é por demais óbvia -, mas na própria forma como eles são escritos e realizados. Pode parar pra reparar: os personagens principais sempre seguem os mesmos arquétipos – sempre há orogue, o warrior, o sage… -, e o roteiro segue tão à risca a jornada do herói campbelliana que poderia ter saído de algum videogame japonês. O ponto extremo possivelmente seja, acredito, Rei Arthur, aquele com o Clive Owen e a Keira Knightley, em que até os combates parecem acontecer por turnos, com cada personagem tendo direito a exatamente um golpe em um inimigo antes de a câmera passar para o próximo. Isto é, pelo menos até o lançamento desta nova versão do Fúria de Titãs.
O filme, que resgata um daqueles velhos clássicos do Cinema em Casa do SBT, realmente eleva a idéia do “cinema de RPG” a um novo nível: você consegue imaginar até os jogadores por trás de cada personagem. Há lá o cara tímido que não fala muito e só quer rolar dados; o ex-jogador de Vampiro: A Máscaraque escreveu um histórico de dez páginas mas não teve tempo de revelar nem metade; a única menina do grupo; até o par de malas que fizeram personagens totalmente fora do contexto e só querem fazer piadinhas em offsobre cavalgar escorpiões gigantes, além de faltarem nas últimas sessões pra jogar videogame, forçando o mestre a tirá-los da história com alguma desculpa esfarrapada qualquer. Mesmo os vilões e personagens secundários (vulgo NPCs) você consegue imaginar sendo interpretados por um mestre empolgado – pelo menos a voz rouca do Hades me lembrou muito bem as peripécias dramáticas de alguns com quem já joguei, eu mesmo entre eles.
Com tudo isso, é natural esperar que o roteiro não vá muito além do que se teria em uma aventura pronta genérica. Não espere aprender muito sobre mitologia grega – a versão contada da história de Perseu é bem livre e sincrética, com direito a krakens e djinns, como, aliás, já era no filme anterior. A motivação dos personagens passa por todos os clichês clássicos, da vingança ao salvamento da princesa, e na verdade só servem de desculpa para reuni-los e colocá-los em marcha pelo mundo (já que todo filme épicoprecisa de uma cena de viagem por um deserto, montanha ou geleira com trilha sonora incidental), enfrentando monstros e reunindo itens mágicos para a batalha final. Mas os monstros são legais – de escorpiões gigantes ao kraken, passando pela medusa e um Caronte que parece saído de um filme do Guillermo del Toro -, e rendem boas cenas de ação, apesar do excesso de câmera lenta obrigatório desde 300 incomodar. Os deuses também ficaram muito bacanas visualmente, com direito a homenagem aos Cavaleiros do Zodíaco.
Outro ponto importante de destacar é que o filme está disponível para ser visto em 3D. Pessoalmente, no entanto, não vi nada de muito impressionante neste aspecto que justifique a diferença de preço – não sei se sou eu que não consigo me enganar pela ilusão (também não vi muita diferença nos poucos outros filmes que assisti nesse formato, incluindo Avatar), ou se os filmes atuais ainda não conseguem aproveitar o recurso de forma adequada. A única cena que valeu o incômodo dos óculos foi a abertura, que conta a história dos deuses e da criação dos homens a partir das constelações, e ficou bastante bonita em três dimensões.
Em todo caso, para resumir a ópera toda, consigo imaginar muita gente ficando decepcionada com esta nova versão de Fúria de Titãs, então pense bem no que você quer ver antes de ir atrás; mas também pode ser um filme bem divertido para quem já rolou um d20 uma vez na vida e souber entrar no clima. Tudo bem, ele avacalha com toda mitologia grega pra contar uma historinha tosca de aventura de RPG, mas pelo menos tem uns monstros legais…
Resenha por Bruno BURP