O nascimento das nações ou porque o idioma comum não faz sentido

Por sua origem etimológica, do latim natio, de natus (nascido), já se tem a idéia que de que nação significa a reunião de pessoas, da mesma raça, falando o mesmo idioma, tendo os mesmos costumes e adotando a mesma religião, formando, assim, um povo, cujos elementos componentes trazem consigo as mesmas caracteristicas raciais e se mantêm unidos pelos hábitos, tradições, religião e língua.

Certo, crianças, prestaram bastante atenção na definição da Wikipédia para nação? Claro, há mais coisas no artigo, coisas muito importantes mas, vamos discutir isso mais tarde, em outros artigos. Apenas por hoje, eu gostaria de discutir um ponto muito específico desta definição, e de como ela é completamente ignorada em nossos jogos de D&D: o idioma como um catalisador para a formação das nações.

Vocês nunca acharam estranho que praticamente todas as raças e povos dos seus jogos de D&D tenham o idioma Comum como idioma base? Bom, isso não é apenas estranho, muitas vezes não faz sentido. É possível compreender porque os criadores de jogos criaram o idioma Comum: se os jogadores sofrem para aprender espanhol ou inglês na escola, ter os mesmos problemas durante o jogo não é divertido. No entanto, não dá para ter a mesma compreensão quando todas as nações tem o mesmo idioma como se fosse mágica!

Acho que isso foi repetido algumas vezes por aqui tanto pelo Shido quanto pelo Leonel mas, magia não pode ser a explicação para tudo. Por que os povos do mundo decidiram falar o mesmo idioma? É a função dos criadores de um cenário dar explicações in game para as decisões off game.

Em Tormenta, por exemplo, as nações humanas falam o Valkar por descenderem do mesmo povo original, exilado após ser derrotado na Grande Batalha em Lamnor. A mesma lógica se aplica a nós, Brasileiros, que falamos português porque, bem, fomos uma colônia de Portugal.

Alguns cenários preferem se arriscar e mandar o idioma Comum tirar umas férias no Inferno. Nos Reinos de Ferro cada nação tem seu próprio idioma central e muitas vezes idiomas secundários de etnias minoritárias, o que cai como uma luva para justificar os grandes conflitos entre as nações ? quando as pessoas não conseguem se compreender as coisas tendem a ficar ruins.

Pode parecer muito trabalho por nada mas, são esses pequenos detalhes muitas vezes ocultos no texto que dão verosimilhança aos cenários e histórias. Pensem sobre isso quando estiverem construíndo seus próprios cenários ou analisarem um cenário alheio.

João Paulo Francisconi

Amante de literatura e boa comida, autor de Cosa Nostra, coautor do Bestiário de Arton e Só Aventuras Volume 3, autor desde 2008 aqui no RPGista. Algumas pessoas me conhecem como Nume.

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17 Resultados

  1. Num cenário caseiro em que mestrei uma campanha de mais de dois anos, cada nação tinha sua língua, mas para motivos comerciais havia uma “língua comum” que misturava palavras de um idioma antigo, do idioma Kalim (da nação mais poderosa nos últimos séculos) e de várias outras nações. Essa língua surgiu por necessidade para ajudar comerciantes e viajantes, mas era informal. Quando os personagens usavam o Comum para se comunicar, eles só conseguiam passar idéias gerais sem muito refinamento (penalidade em testes sociais que exigiam eloqüência).
    Como curiosidade, algumas nações mais recentes desenvolveram um “Comum Estendido”, uma língua própria baseada no Comum e bem mais completa, mas cada nação que o adota tinha algumas particularidades no sotaque e na escrita, bem como algumas palavras divergentes.
    Tiago José “Deicide” Galvão Moreira
    http://www.underhaven.com.br

  2. Fábio disse:

    O colega “aí de cima” falou exatamente o que eu ia falar (e uso em meu cenário), o fato de existir uma “língua comum” não significa que todos falam esse idioma perfeitamente bem, que é possível fazer um grande obra literária (aliás não precisa nem ter uma forma escrita) e tal.
    Concordo que os autores do cenário poderiam fazer pelo menos um parágrafo sobre isso no livro, mas também acho que certas decisões cabem aos jogadores mesmo, para que criar uma complicação a mais se o grupo não tem interesse em explorar essa faceta? Lembrando que muitos jogadores iniciantes encaram o livro de regras como uma Bíblia, um cânone.

  3. Heitor disse:

    O que não faz sentido mesmo é criar idiomas mirabolantes para cenários de RPG por “puro escapismo”, já que em nosso mundo temos centenas diferentes e interessantes(sem contar dialetos regionais), prontinhos para serem usados. De boa, imaginar como seria o nosso mundo (cm os mesmos idiomas, culturas…) mas com um toque de fantasia não seria um barato?
    Em um cenário caseiro (baseado no Brasil colonial, mas MUITO fantasioso e cheio de licensas poéticas), os humanos do reino principal falavam nada mais que o nosso português “brasileiro”, enquanto que os outros reinos falavam variações deste (explicando: falavam com o sotaque de outros países como Portugal, Angola, Timor…), e outras raças tinham como idioma línguas latino-derivadas (italiano, espanhol – que também tinha suas variações…).´
    E lógico, os nomes dos idiomas eram variantes, assim como os nomes comuns das pessoas: Jhoão, Joseh, Mariah… e por aí vai.
    Mas voltando ao assunto, a questão é que o idioma “comum” foi uma solução de jogo encontrada para resolver o seguinte fator: se o personagem é um aventureiro, presupõe-se que ele irá viajar por muitos lugares; logo, é importante que ele saiba pelo menos falar a língua mais difundida (que é a dos humanos, que a imporam por serem mais numerosos), para não passar por riscos (ou vergonha) desnecessários (mas isso não quer dizer que todas as rças falam o “comum” sem sotaque). De modo similar à vida real: se você viaja para um país do qual não entende o idioma, e souber pelo menos inglês (ou espanhol), tu se vira por lá; mas se não sabe…
    Mas sou a favor de dialetos; eles enriquecem e dão o “sabor” de cultura individual a cada povo, assim como suas crenças e religiões.

  4. Gruingas disse:

    Realmente todo mundo falar o idioma comum muitas vezes não faz sentido algum. Mas mesmo no D&D básico, o comum é o idioma humano, enquanto elfos e anões tem idiomas próprios, que eles usam MUITO pra manter segredinhos dos humanos.
    Pelo menos nas mesas que eu joguei era muito comum o elfo e a meio elfa ficarem falando em élfico pra ninguém mais entender… Isso pelo menos já dá um ar de “nação élfica” ou “nação anã”.
    Pode não ser totalmente verossímil que todos os povos humanos falem o mesmo idioma humano e todos os elfos falem o mesmo élfico… mas acho que é um bom meio termo entre a verossimilhança e a praticidade na mesa de jogo.

  5. valberto disse:

    Apesar de ser professor de filosofia e de saber como a linguagem é importante (vide Wittgenstein) eu dou pouca importãncia a outras línguas em jogo, até porque, apesar de ser contra a verossimilhança, a grande maioria do meus jogadores prefere/preferiu assim.
    O máximo que eu costumo fazer é criar correlatos entre línguas já existentes no mundo real para que os jogadores entendam mais ou menos como as culturas soam. Anões soam com carregado sotaque do leste europeu, especialmente o alemão; elfos soam como franceses e gnomos e halflings como espanhóis.
    Para aqueles grupos que não querem complicação basta que o mestre deixe disponível, no começo da campanha, junto com os idiomas conhecidos, as opções civilizadas. Assim, além do terran, do gnômico e do dracônico outras opções indicariam as outras raças dos outros povos.

  6. A idéia de uma língua comum advém do latim, que era (e ainda é) o idioma da igreja no período medieval. A grande maioria dos europeus, que a época viviam em feudos o usavam como linguagem sempre. Com a ampliação do comércio na Baixa Idade Média e o aumento das cidades é que houve o surgimento dos idiomas locais, como o português (no início, misturado com o galego).

  7. Rui Anselmo disse:

    Na Europa Clássica houve um Império Romano que durante séculos implementou uma língua comum, o Latim, que subsistia mesmo quando os povos originais eram romanizados, e que influenciou várias outras línguas, chamadas Românicas ou Latinas, de que o Português faz parte, mas também practicamente todas as outras línguas Europeias, além de ter deixado a sua influência nas linguas Germânicas, o Inglês e o Alemão. Não é assim tão inverosímel haver uma lingua “Comum”, se pensarmos nestes termos.
    Por outro lado, antes de haver uma China unificada, havia milhares de linguas e dialectos co-existindo pacificamente, até um dos imperadores, esqueço qual mas seria certamente um dos primeiros, decidir unificar a linguagem escrita escolhendo, um pouco arbitrariamente ao que sei, um dos dialectos para ser o dialecto central imperial. O que prova o ponto oposto ao que demonstro anteriormente.

  8. Concordo, Nume, o mínimo que cabe ao criador fazer é justificar sua decisão prática em termos de lógica no cenário. Por essas é outras que é bom ao menos delinear com certa clareza a história e a geografia do cenário, de modo que o uso dos idiomas possua coerência.
    Eu costumo ver o “idioma comum” — aliás, tenho certo asco de cenários que usam essa nomenclatura genérica e sem graça — como o inglês hoje em dia. Pode-se encontrar muita informação escrita nele, e, em outros países, é uma boa saída quando você não é hábil no idioma nativo. Mas, nesses casos, o máximo que você faz é se virar — quando eu estive no Japão, conseguia chegar nos lugares, pedir comida e arranjar alojamento com meu inglês, mas qualquer comunicação mais complexa era-me impossível.
    Para fazer algo parecido, pode-se postular que o “idioma comum” funciona em qualquer parte do mundo — mas a comunicação precária confere, nesses casos, redutores para as perícias sociais dependentes de idioma, como Diplomacia e Obter Informação. E se o país é patriótico demais, o uso do “idioma comum” pode até causar redutores adicionais em virtude da indisposição dos nativos (vai falar inglês na França pra ver como você é bem tratado…).
    E aproveito para concordar com o Heitor: usar os idiomas existentes é um bom procedimento. Como ele disse, eles já existem, estão prontos pro uso. Em segundo lugar, permite denominações que soam familiares, e, portanto, mais facilmente reconhecíveis e assimiláveis.
    Criar um idioma só vale se, como o Tolkien, você for lingüista e tem habilidade/paciência suficiente pra criar todo um idioma do nada, como ele fez com o élfico. Se não se tem essa habilidade, é melhor ficar com idiomas existentes do que atacar com mirabolâncias que, no fim das contas, têm sonoridade feia, são difíceis de assimilar e escrever. Como eu não sou lingüista e não é do meu interesse pesquisar o assunto muito a fundo, pro Romância vou usar idiomas reais. Vampiros falam francês, e, como seria de se esperar, as nações próximas usam todas línguas latinas; os idiomas saxônicos, por outro lado, só existem em outras nações que são separadas das “latinas” por um oceano.

  9. Você não precisa criar um idioma. Basta criar nomes e como cada idioma “se parece”. Por exemplo, no cenário que criei os idiomas são: Comum, Al’Umma, Amazon, Anão, Arcanum, Atall, Banu’lifênio, Comum Expandido, Cornum, Draconiano, Dragoni, Eussey, Gal’heir, Gargantuano, Gulli, Kalim, Katakami, Sunthel, Tosco, Windi’al e Windun’dan. Acha que precisei criar todos eles? São só nomes, e alguns têm um “sotaque” característico ou algumas poucas palavras definidas.
    Tiago José “Deicide” Galvão Moreira
    http://www.underhaven.com.br

  10. Allana disse:

    Bem, Eberron tem também uma justificativa para as cinco nações falarem o idioma “comum”: o que hoje são as cinco nações era apenas uma nação. No entanto, os outros povos (extracontinentais) têm seu próprio idioma, e quem não souber falar que se lasque. xD
    Mas quanto à verossimilhança, basta ver que países como a Itália (que é do tamanho de um ovo) tem vários dialetos diferentes, além do oficial. Sou a favor de nações (ou um grupo de nações) falarem idiomas diferentes, mas acho que o exagero pode atrapalhar também. Tipo, se a cada cidade-estado que você viajar em uma tarde você se deparar com um idioma diferente, o jogo não vai andar e vai ficar maçante a busca eterna por um tradutor poliglota. 😛

  11. Gun_Hazard disse:

    Quem aqui sabe falar Quenya ou Sindar?
    Se bem que é mais fácil alguém aqui falar Quenya do que alguém falar Esperanto!
    Quem foi o idiota que achou que podia convenser o Mundo a falar o mesmo idioma?

  12. phil souza disse:

    Mandou bem. Já fiz um texto até mesmo discutindo como essa diferença no idioma não poderia gerar boas aventuras. Se o português de portugal que está bem proximo do português brasileiro já gera bastante confusão e piadas imagina linguas completamente diferentes e gente tentando “arranha-las”?

  13. Woodstock disse:

    Como bem dito pela Allana, Eberron tem motivo pro comum ser válido em toda Khorvaire, o principal dos continentes. Lá existia um Estado unificado, composto por cinco nações. Isso perdurou anos e anos, criando possibilidade de propagação do idioma comum.
    Com a guerra das cinco nações, apesar de termos hoje diversos países, com fronteiras, governantes e costumes próprios, a tradição do idioma de Galifar se mantém. E nas demais ilhas cada um que se vire, com uma ressalva: Stormreach, em Xen’Drik, é um entreposto das nações de Khorvaire, então admite o comum bem também.
    Em Forgotten, no entanto, tenho notado que o idioma não é utilizado em momento algum na campanha da RPGA Living Forgotten Realms. Até o presente momento as aventuras todas ignoram o fato de que existem diversas línguas no mundo, apesar de haver um comum!

  14. Daniel R disse:

    Essas barreiras de idioma se formam inevitavelmente com o tempo. Faz quanto tempo que as cinco nações são como são? Quantos séculos se passaram desde que o Reinado existe?
    Se você pensar em termos de tempo, já teria dado para haver um sem-número de pequenos dialetos se formando. O nosso português é bem diferente do de Portugal, por exemplo.
    Acho que os autores poderiam mencionar em pequenos parágrafos nas descrições de seus reinos algo sobre idiomas e dialetos, e o resto tenho certeza que o grupo de jogo já bola. Aquela inscrição em um idioma antigo e aquele bilhete que você escreve no seu dialeto próprio pra ninguém conseguir ler sempre dão bons plots.

  15. Woodstock disse:

    As cinco nações de Eberron existiam há eras. Só para ter ideia, o embrião das Cinco Nações é datado em -2500. O ano 1 é o ano em que elas se unificam sob Galifar. Em 894 o último rei de Galifar morre e se inicia a guerra. A paz é assinada em 996 e as campanhas costumam começar em 998.
    São 894 anos sob o mesmo governo, com o detalhe de que Eberron possui muitas estruturas e organizações, especialmente as Dragonmarked Houses, multinacionais.
    Por esses motivos mantenho meu posicionamento, achando razoável sustentar o common em Eberron sem problemas!

  16. Alessandro Güntzel disse:

    Olá a todos.
    Realmente essa discussão é bastante pertinente. Uma idéia interessante é utilizada em Ravenloft, onde juntamente com a descrição de cada domínio há palavras e expressões na língua nativa deste. Durante o jogo que mestrei, os jogadores passaram a utilizar algumas das expressões como “bom dia”, “olá”, etc. Foi bem legal. Isso, juntamente com alguns sotaques, já passa uma idéia legal de línguas diferentes. Eu não costumo utilizar a nomenclatura “comum” para o idioma mais falado, mas sim escolho o idioma mais falado em determinada região para ser o “comum” daqueles oriundos dela.
    Uma vez, também em Ravenoft, mestrei uma aventura onde apenas uma pessoa da cidade onde os jogadores estavam falava a língua deles. Essa pessoa não era muito sociável, e mesmo assim os jogadores foram obrigados a conviver com ela, pois precisaram muito da ajuda dela. Só isso rendeu muito jogo…

  17. Diana disse:

    Nume, esse é o mesmo problema dos filmes americanos: se os estado-unidenses falam inglês japoneses, maias e alienígenas falam inglês. (mas o pior é que eles realmente esperam que todo mundo fale inglês :/)
    Enfim, acho esse problema da língua básica poderia ser resolvido a partir do momento que você trata de um mundo de cidades muito próximas e interligadas, em que uma língua convive com outra, como em alguns países europeus. Outra opção verossímil é tratar de uma família linguéstica comum, não falariam todos a mesma língua, mas poderia haver uma compreensão mútua.
    Quanto à viagens longas, meu amigo, aí a situação fica realmente ridícula.. A não ser que estejamos falando de um mundo muito, mais muito globalizado, as línguas teriam de ser muito diferentes. E, como em qualquer viagem, procure aprender a língua do país, ou um tradutor, ou um mago.
    ps. Isso era uma das coisas legais da minha antiga mesa de Ravenloft: todo mundo tem X línguas e cada país fala uma diferente. No máximo algumas pessoas falam 2 línguas…

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